50 anos sem o camarada Cilon Cunha Brum

Há 50 anos, o exército executou no Araguaia o gaúcho Cilon Cunha Brum

Depois de uma busca incansável de seus familiares pelo paradeiro e pelos restos mortais e de inúmeros depoimentos de que Cilon havia sido preso com , a verdade sobre o seu assassinato veio à tona e acabou sendo reconhecida pelas próprias forças armadas

Por Raul Carrion/Portal Vermelho

Cilon Cunha Brum nasceu em 3 de fevereiro de 1946 em São Sepé, cidade localizada no Estado do . Era filho de Lino Brum e de Eloá Cunha Brum. Teve oito irmãos(ãs): Lino, Vantuil, Eloi, Marion, Licério, Eleni, Arai e Tânia.

Iniciou os seus estudos em São Sepé e concluiu o ensino fundamental no Ginásio Estadual Tiaraju, em 1963, aos 17 anos. Mudou-se em seguida para Porto Alegre e, em 1965, iniciou um Curso Técnico de Contabilidade na Escola Técnica de Comércio N. Sra. do Rosário; nesse colégio fez apenas as duas primeiras séries, até 1966. Nessa época, morou em uma república no centro de Porto Alegre, com o irmão e um primo. Em 1967, mudou-se para São Paulo, onde concluiu a terceira série do curso técnico no Colégio Comercial Riachuelo.

Em 1969, ingressou na Faculdade de Ciências Econômicas, Contábeis e Atuariais “Coração de Jesus” da PUC-SP no curso de Ciências Econômicas. Em 1970, transferiu-se para o período noturno, matriculando-se no segundo ano, mas não cursou. Participava ativamente do movimento estudantil nesta universidade, chegando a presidir o Centro Acadêmico Leão XIII da FEA e a compor a diretoria do Diretório Central de Estudantes – DCE Livre da PUC-SP. Em São Paulo, trabalhou na conhecida agência de publicidade MPM. Nessa época, ingressou no Partido Comunista do Brasil (PCdoB).

A última vez que Cilon esteve em Porto Alegre foi em junho de 1971, para batizar a sua recém nascida sobrinha e afilhada Liniane, filha de seu irmão Lino Brum. Na ocasião, ele informou à família que estava sendo perseguido pela ditadura militar e que corria o rico de ser preso. Pouco depois, enviou uma carta a seus pais, avisando que estava saindo de São Paulo e que enviaria notícias, mas nunca mais se comunicou com a família. Meses depois, agentes da ditadura foram atrás de informações sobre Cilon – em São Sepé, Porto Alegre e São Paulo –, interrogando familiares e amigos, inclusive vasculhando a propriedade de seu irmão Marion, no Distrito de Tupanci, em São Sepé.

 
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Cilon Cunha Brum (ao centro), com os pais

A participação na Guerrilha do Araguaia

Na verdade,Cilon da Cunha Brum, por orientação do PCdoB, mudou-se para uma localidade próxima ao Rio Gameleira, no Araguaia, em 1971. Lá, adotou o codinome “Simão” e integrou-se na preparação da Guerrilha do Araguaia, organizada pelo PCdoB. De início, trabalhou na perfuração de poços artesianos. Logo, em uma farmácia que atendia os moradores da região.

O Brasil vivia um dos períodos mais tenebrosos de sua . O fascismo desfilava triunfante e o seu partido – a ARENA – era o maior da América Latina. O Ato Institucional nº 5 havia fechado o Congresso, cassado mandatos, suspenso as eleições em todos os níveis e calado a oposição. Os partidos políticos, os sindicatos, as entidades estudantis e populares estavam fechados ou eram perseguidos. Os meios de comunicação estavam censurados e a cultura garroteada. A guerrilha urbana havia sido aniquilada e os seus líderes mortos. As prisões e os centros de tortura estavam cheios e crescia o número de mortos e desaparecidos. Milhares de brasileiros haviam sido obrigados ao exílio. A conquista da Copa do e o dito “milagre econômico” anestesiavam boa parte do povo. O regime dos generais parecia invencível! Foi nesse contexto de imensas dificuldades que, em 12 de abril de 1972, foi deflagrada a guerrilha do Araguaia, após um ataque de tropas da ditadura.

“Simão” – também conhecido como “Cumprido”, por ser alto e magro – assumiu sem vacilar o seu posto de combate no destacamento B, comandado por “Osvaldão” (Osvaldo Orlando Costa), tendo como vice-comandante “Zeca” (o também gaúcho José Huberto Bronca). Sabe-se que Cilon participou de diversos confrontos e estava junto com Osvaldão na localidade de Couro Dantas quando foi morto o cabo Rosa, primeiro militar a ser abatido pelos guerrilheiros, em maio de 1972. Em outubro de 1972, Cilon passou a ser o vice-comandante do destacamento B.

Apesar das imensas dificuldades – enfrentando cerca de dez mil soldados do exército, marinha e aeronáutica, com o apoio das polícias militares da região e o assessoramento de conselheiros portugueses e estadunidenses, especializados em luta antiguerrilheira – os combatentes do Araguaia resistiram durante três anos.

Um oficial do exército entrevistado pelo jornalista Fernando Portela, no seu livro Guerra de Guerrilhas no Brasil, afirmou: “A população dava guarida aos guerrilheiros porque tinha sido muito bem assistida anteriormente. Eles fizeram um de conquista do povo, um trabalho quase perfeito, o povo gostava deles. Então, o povo achava que tinha que dar proteção. Davam ou vendiam comida, alojamento, escondiam pessoal”.

Da mesma forma, Frei Gil Vilanova – decano dos dominicanos do Araguaia, que conviveu com os guerrilheiros – revelou em entrevista a Paulo Fonteles: “Todas essas pessoas eram simpáticas aos guerrilheiros. Todas. Eles eram muito bons. O povo dava apoio moral, fornecia víveres. Eu penso que o povo apoiava totalmente os guerrilheiros. Muitos entraram com eles.

E o general Viana Moog reconheceu que a Guerrilha do Araguaia foi “o mais importante movimento armado rural já ocorrido no Brasil, principalmente por ter sido mais organizado. […] foi o maior movimento de tropas do Exército, semelhante à mobilização da FEB que combateu o fascismo na Europa durante a II Guerra Mundial.” [Veja, 06.09.78]

Mas o poderoso aparato militar mobilizados contra os guerrilheiros acabou prevalecendo. Em 25 de dezembro de 1973, as tropas do exército emboscaram a Comissão Militar, que estava acampada, em um total de 15 guerrilheiros, causando-lhes fortes baixas. Osvaldão, Cilon e outros, que não estavam no acampamento, sobreviveram. Ao que se sabe, depois desse confronto, Cilon, acometido de malária, extraviou-se na mata e acabou sendo preso pelos militares. Após ser submetido a todo o tipo de torturas, Cilon foi levado para a fazenda Consolação, próxima da cidade de Brejo Grande, no sul do Pará, onde foi mantido prisioneiro por dois meses.

Enquanto esteve na fazenda Consolação, Cilon teve uma relação de tal forma afetuosa com as crianças que ali viviam que uma delas – da Paz – diria anos depois, falando sobre o seu assassinato: “fiquei com aquele pesar: se eu soubesse que eles iam matar o Simão, eu teria cavado, com minhas próprias mãos, um buraco. Deixava ele lá, cobria de folhas, alimentava ele. E quando tudo acabasse, dizia: pode sair.

A Guerrilha do Araguaia acabou derrotada, mas mostrou que o povo brasileiro estava disposto a ir às últimas consequências na sua luta pela liberdade. Não por acaso, em 1974, no final da guerrilheira, o ditador de plantão – Ernesto Geisel – deu início à chamada “abertura lenta e gradual”, buscando diminuir a oposição ao regime. E, ainda em 1974, a ditadura militar sofreu a sua maior derrota eleitoral.

Sepultura Cilon

A execução de Cilon Cunha Brum e de Antônio Teodoro de Castro

No dia 27 de fevereiro de 1974, o gaúcho Cilon Cunha Brum (“Simão”) e o cearense Antônio Teodoro de Castro (‘Raul”) – que acabava de ser trazido – foram arrancados da fazenda Consolação e levados algemados pelo “major Curió” (Sebastião Curió Rodrigues de Moura) e sua equipe para um ponto distante, no meio da mata da fazenda Matrinxã:

Após uma longa caminhada, o grupo parou para descansar. Todos se sentaram. Instantes depois, Curió disse aos colegas: ‘É agora!’ Levantou-se em um átimo. Mirou seu fuzil Parafal na cabeça de Raul e disparou. O corpo do estudante caiu imediatamente, sem vida. Os outros oficiais levantaram-se e descarregaram as armas nos dois. ‘Parecia um pelotão de fuzilamento’, lembra o militar. […] Resolveram cobrir o local com galhos de árvore – e seguiram caminho. Alguns dias depois o fazendeiro esteve com os militares e reclamou dos cadáveres. ‘Os corpos começaram a feder. Os animais já haviam comido quase tudo. Tive de enterrar os restos, contou. O fazendeiro tinha o apelido de ‘Zezão’.” [Veja, 01.07.2009]

Referindo-se ao assassinato de Cilon, sua sobrinha e afilhada Liniane Haag Brum – depois de viajar à região do Araguaia e tomar conhecimento de como se deu a sua execução – escreveu à sua avó Eloá Cunha Brum:

Tal qual o rescreveu em homenagem ao Che Guevara – ‘Não morrerá das feridas ganhas no combate, mas de mão assassina que o abate – também o tio. […] Seu filho Cilon não foi enterrado. Foi semeado. Deixado em cima da terra como grão que um dia vai germinar.

A longa e dolorida busca por Cilon

Depois de uma busca incansável de seus familiares pelo paradeiro e pelos restos mortais de Cilon Cunha Brum e de inúmeros depoimentos de que Cilon havia sido preso com vida, a verdade sobre o seu assassinato veio à tona e acabou sendo reconhecida pelas próprias forças armadas.

Em janeiro de 1996 – com base na lei 9.140/95 –, seu irmão Lino Brum conseguiu finalmente o atestado de óbito de Cilon Cunha Brum.

Em 2010, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA) condenou o Brasil pelo desaparecimento de 62 pessoas na região do Araguaia, entre eles Cilon Cunha Brum.

A Comissão Nacional da Verdade, criada durante o governo de Dilma Roussef, classificou Cilon Cunha Brum um “desaparecido político” – pois os seus restos mortais não foram entregues aos seus familiares, impossibilitando o seu sepultamento – e recomendou a continuidade das investigações, a localização de seus restos mortais e a responsabilização dos agentes de envolvidos.

Essa luta continua e é de todos nós!

Homenagens póstumas

Em 2003, através do Projeto de Lei nº 5.505 da Câmara Municipal de Porto Alegre, tive a honra – como vereador do PCdoB – de aprovar a Lei Municipal nº 9.298 / 2003, que deu o nome de “Praça Cilon Cunha Brum – Herói da Guerrilha do Araguaia” a um logradouro da Vila Tecnológica, no Bairro Farrapos.

Naquele mesmo ano, na Feira do Livro de Porto Alegre, a então deputada estadual Jussara Cony do PCdoB, protagonizou o lançamento da obra “Para não esquecer o Araguaia” – em memória do gaúcho Cilon”, escrito pelo Professor da Universidade Federal de Santa Maria e militante comunista Diorge Konrad, com depoimentos da vereadora Tânia Leão, de São Sepé, autora da lei que deu o nome de Cilon Cunha Brum a uma Praça daquela cidade.

Igualmente, Cilon Cunha Brum dá o nome a uma praça no Rio de Janeiro, a uma rua em Campinas e outra em São Paulo.

Nessa data, em que registramos os 50 anos do assassinato de Cilon Cunha Brum, lembramos os versos da poeta comunista gaúcha Lila Ripoll:

          “Morreram? Quem disse, se vivos estão!
          Não morre a semente lançada na terra.
          Os frutos virão.”

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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