O lamento do Aquiry
A chuva torrencial que desaba sobre o telhado de zinco emite sons de choros e lamentos dos muitos que já se foram, perdidos entre sonhos e devaneios, por uma riqueza que nunca chegou às mãos e, se por acaso chegou a passar, se diluiu entre os dedos, areia fina das terras caídas que o Aquiry arrasta em direção ao mar.
Por Marcos Jorge Dias
Aquiry, ou rio dos jacarés, era o nome pelo qual os povos originários Apurinãs chamavam o rio Acre, segundo o livro Amazônia: Os Geoglifos e a Civilização Aquiry, organizado pelo paleontólogo Alceu Ranzi e pelo arqueólogo finlandês Martti Pãrssinen, destaque na matéria do jornalista Fábio Pontes, “Aquiry: uma civilização na Floresta”, em 5 de fevereiro de 2024.
Leandro Tocantins, em seu livro Formação histórica do Acre, Coleção Brasil 500 Anos, Brasília, 2001, relata que a conquista e a ocupação do território acreano foi um dos capítulos mais dramáticos da História sul-americana. “A comunicação entre o Acre e os grandes centros se faziam por intermédio da estrada natural do rio, e há episódios que poderiam figurar nas páginas de Dostoievski”.
Revisitada a História, voltemos ao rio. Uma estrada natural que por muitos anos deu passagem a navios e batelões, descendo em direção ao mar, carregados de borracha, castanha e outras riquezas extraídas da floresta. Na subida, traziam homens, sonhos e mercadorias adquiridas nas casas aviadoras de Belém e Manaus.
Sangue, suor e lágrimas de seringueiros (e indígenas), defumados e condensados em sernambis por mãos calejadas, chegavam à margem, recebiam a marca com o nome do patrão e boiavam rio abaixo. Ligeiro e sinuoso, qual as jiboias que habitam as matas, o rio levava os sonhos para serem transformados em pneus, luvas e outros produtos para saciar a fome do capital, nacional e estrangeiro.
Com suas margens ocupadas, desmatado e assoreado, o rio de hoje não leva mais riquezas nem sonhos. Isso fazem as estradas e pontes que cortam o que um dia foi a selva.
Vítima de eventos extremos nos quais seus ribeirinhos não querem acreditar, o rio arrasta casas, destrói sonhos e dilui riquezas com suas águas (ligeiras e sinuosas), aumentadas com as lágrimas dos que sentem suas vidas destroçadas, diluídas em areia fina, arrastadas das matas em direção ao mar.
Das margens alagadas do Aquiry, neste 29 de fevereiro de 2024.
Marcos Jorge Dias– Escritor Acreano.