PROJETO SERINGUEIRO: UM EXPERIMENTO DE EDUCAÇÃO LIBERTADORA

Projeto Seringueiro: Um experimento de educação libertadora nas florestas do Acre 

O Projeto Seringueiro foi um movimento de educação popular libertador, implantado pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri (STR), a partir das florestas do Vale do Acre, com uma base constituída majoritariamente por seringueiros e seringueiras, tendo à frente das discussões o líder político Chico Mendes

Por Manoel Estébio Cavalcante da Cuha
O Projeto, originalmente iniciado nas colocações de seringueiros das comunidades extrativistas do município de Xapuri, desenvolveu trabalhos e atividades de educação popular em um sentido mais abrangente, desde o ponto de vista que Lênin e Arroyo atribuem ao ato educativo, cuja função não se restringe, exclusivamente, à instituição escolar.

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Foto: CTA.

Nas palavras do pai da Revolução Russa, em “Uma grande iniciativa”, as massas trabalhadoras se educam e adquirem verdadeira consciência de classe militando em eventos políticos concretos. E, somente assim, aprendem a fazer uma análise materialista de “todos os aspectos da atividade e da vida de todas as classes, setores e grupos da população”. 

Já Arroyo, em “Os Movimentos Sociais e a construção de outros currículos”, escreve que “a diversidade de coletivos sociais em suas ações e movimentos (…) se apresentam como alternativas promissoras de conformação de espaços de produção, diálogo, sistematização, tradução de outros conhecimentos e outras pedagogias”. 

 Este esclarecimento se faz necessário porque o Projeto Seringueiro se sobressaiu e se destacou por sua atuação na construção de um projeto de alfabetização de adultos, mas que posteriormente passou a abranger todo o ciclo da educação escolar básica, voltado para os segmentos infantis e de adolescentes dos territórios extrativistas.

Em sendo a primeira experiência concreta de educação libertadora implementada com, por e para os trabalhadores e as trabalhadoras da Amazônia, o Projeto Seringueiro também desenvolveu outras ações e atividades que possibilitaram formação e militância política para os quadros dos movimentos populares da floresta. 

O CONTEXTO DA CONSTRUÇÃO DA AÇÃO POLÍTICO-SOCIAL DESENVOLVIDA PELO PROJETO SERINGUEIRO 

O Projeto Seringueiro surge no início dos anos 1980, no município de Xapuri, no Acre, em uma conjuntura marcada pelas disputas fundiárias que opunham as populações tradicionais do estado, constituídas por indígenas e extrativistas, em sua maior parte seringueiros, e os latifundiários provenientes, sobretudo, das regiões Sul, Centro-Oeste e Sudeste do país. 

Esses agentes neocolonizadores, que recebiam das populações locais a denominação genérica de “paulistas”, caracterizavam suas ações pela extrema com que tratavam as populações autóctones, incluindo, segundo diversos registros históricos, a queima de casas de famílias de seringueiros com gente dentro, com a plena anuência dos poderes constituídos do Estado brasileiro. 

Raimundo Mendes de Barros, o Raimundão, expressiva liderança do Movimento, companheiro de luta e primo de , testemunhou esse processo da chegada dos “paulistas”, no final dos anos 1970, quando era agente de endemias na antiga Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (Sucam). Eis o seu depoimento: 

Ouvi relatos de casas de seringueiros que foram destruídas por fogo, outras derrubadas por motosserras. Depois eu vi isso, e aquilo me chocou bastante, pois quando eu ia fazer os trabalhos nos lugares onde moravam esses companheiros seringueiros, eles hospedavam a gente, davam rede e comida para mim e meus colegas da SUCAM.

O Projeto Seringueiro se constituiu uma agência educativa poderosa, haja vista que promoveu a educação escolar e política, inicialmente dos/as líderes sindicais e dos/as monitores/as do Projeto, que eram os e as agentes de pastoral ligados/as às Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), na época as únicas agências de militância e formação social e política na região do Vale do Acre. 

Júlia Feitoza Dias, cofundadora do CTA (Centro dos Trabalhadores da Amazônia), descreve o papel fundamental dos monitores e das monitoras no Projeto Seringueiro: 

Os monitores [e monitoras] vinham na maioria das vezes como voluntários e voluntárias, sem remuneração e dependendo muito da organização da comunidade. Às vezes dava para dar aula quinta, sexta e sábado, outras vezes de quinze em quinze dias. Às vezes os alunos vinham uma semana por mês. E aí as pessoas que já eram alfabetizadas, que conseguiam apreender conteúdos, elas também davam aulas.

Júlia descreve também o processo solidário de construção do Projeto Seringueiro: 

Dinheiro, quase não havia. O pouco dinheiro que às vezes conseguíamos era para as ações práticas, nunca para salários. Por exemplo, o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) construía as escolas, a Secretaria de Educação pagava as formações, mas ninguém pagava os nossos salários, por isso nunca tínhamos dinheiro. E quando alguém recebia alguma ajuda de custo, o dinheiro era sempre dividido entre uma, duas ou três pessoas. Sempre foi assim:  o pessoal vinha, e antes nem era professor, era monitor, seguindo a terminologia e a lógica da militância de base da Igreja Católica. 

O DESENVOLVIMENTO DO MODELO PEDAGÓGICO E A ELABORAÇÃO DOS MATERIAIS DIDÁTICOS DO PROJETO

O Projeto Seringueiro tinha por base metodológica a de Paulo Freire. Anteriormente, outras experiências de educação na Amazônia, tendo por referência o método Paulo Freire, foram desenvolvidas nas prelazias de Tefé e Parintins, no Amazonas, nos anos de 1963 e 1973, respectivamente, e em Santarém, no Pará, no ano de 1964. 

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Foto: CTA.

Essas experiências de alfabetização de adultos foram desenvolvidas pela Igreja Católica por meio do Movimento de Educação de Base (MEB) e se realizavam com aulas transmitidas por radiofonia. 

No Acre, a construção desse modelo pedagógico, adaptado à realidade local, ocorreu no início de 1981 e esteve a cargo da antropóloga Mary Allegretti, do indigenista Ronaldo Lima de Oliveira, da militante da Pastoral da Juventude católica Marlete Lima de Oliveira e do professor da Universidade Federal do Acre (UFAC) Pascoal Torres Muniz. 

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Foto: Professor Pingo

Essas pessoas, assessoradas pelo Centro Ecumênico de Documentação e Informação (CEDI), entidade sediada em São Paulo, construíram um Projeto Político-Pedagógico de Alfabetização e Pós-Alfabetização e um conjunto de materiais didáticos denominado PORONGA, composto pelas Cartilhas de Português e Matemática e pelo Caderno do Monitor. 

O processo de construção e edição dos materiais didáticos ocorreu em São Paulo, entre junho e dezembro de 1981. Nas discussões para definir o nome do material didático a ser produzido, a escolha recaiu no nome PORONGA, sugerido pela senhora Alzira Marinho. Em sua argumentação, ela disse:

Assim como a poronga “alumia” o caminho dos seringueiros durante o corte da seringa na escuridão dos varadouros, varações [atalhos nos caminhos no interior da floresta] e estradas de seringa, não saber ler e escrever e contar é como se a gente estivesse na escuridão, pois a pessoa se enrola nas contas que os marreteiros e patrões mostram pra nós, e a gente sempre está devendo e não pode nem reclamar, pois a gente está na escuridão de não saber ler e nem escrever para dizer que a gente não deve aquele tanto de dinheiro.

O apoio financeiro para custear os trabalhos de levantamento do universo vocabular, de discussão dos temas e das palavras geradoras, para definir o nome do material, para a edição das primeiras Cartilhas de Português e Matemática e do Manual do Monitor, e os recursos para auxílio laboral aos primeiros monitores/as e professores/as foi dado pela Oxford Family (OXFAM), pela Coordenadoria Ecumênica de Serviços (CESE) e pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC).

ESCOLA WILSON PINHEIRO: A PRIMEIRA ESCOLA DO PROJETO SERINGUEIRO

Em março de 1982, os materiais didáticos foram testados nas aulas que se iniciaram na Escola Wilson Pinheiro, a primeira escola do Projeto Seringueiro, destinada inicialmente à alfabetização de pessoas adultas. 

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Foto: CTA.

O laboratório onde se desenvolveu essa experiência, do ponto de vista territorial, foi a colocação Já Com , no seringal Nazaré, onde o casal Ronaldo Lima e Marlete Oliveira residia e onde, em um processo de construção coletiva, a escola foi feita, em “adjunto” (mutirão), pela própria comunidade. 

Essa primeira escola foi batizada com o nome de Wilson Pinheiro em homenagem ao nosso companheiro e mártir assassinado pelo latifúndio em 21 julho de 1980, na sede Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasiléia, o qual ele presidia. 

À época, a colocação Já Com Fome estava sob domínio da fazenda Bordon, que naquela conjuntura hegemonizava a ofensiva dos latifundiários contra os territórios onde tradicionalmente viviam seringueiros e indígenas.

Além do pessoal do seringal Nazaré, outras famílias de outros dois seringais, que também estavam sob ameaças da fazenda Bordon, se juntaram no processo de discussão e construção da Escola Wilson Pinheiro: sete famílias do seringal Nazaré (família do Chico Marinho, do Demétrio Flores, do João Sena, do Zé Conde, do Isaías Ferreira, do Valderi Vicente, e o senhor Sebastião Rocha, o seu Rochinha, que era um eremita); uma do seringal São Pedro (Família do Simplício Pereira); e outra do seringal Tupá (Família do Sabá Marinho). 

Em setembro de 1982, o Projeto Seringueiro incorporou em sua equipe o casal Manoel Estébio Cavalcante da Cunha e Dercy Teles de Carvalho, e a escola Wilson Pinheiro foi transferida para a colocação Deserto, no mesmo seringal Nazaré. Naquele ano, Ronaldo e Marlete deixaram o Projeto, permanecendo na Escola Wilson Pinheiro apenas Manoel Estébio e Dercy Teles. 

As outras escolas iniciais do Projeto Seringueiro foram feitas nas próprias casas das pessoas, em um processo muito forte de solidariedade. Como se usava o método Paulo Freire, as palavras geradoras eram luta, sindicato, adjunto e outras da realidade dos seringueiros. É só ver as primeiras cartilhas para observar que os e as professores/as ou monitores/as não precisavam falar muito, bastava usar as cartilhas.

A partir de 1983, com a criação do CTA, foram incorporados à equipe o indigenista Armando Soares, a militante do Centro de Direitos Humanos Fátima Silva e a socióloga Eloísa Winter.

O PROCESSO DE EXPANSÃO E CONSOLIDAÇÃO DO PROJETO SERINGUEIRO

Numa primeira fase, entre os anos de 1981 e 1986, o Projeto Seringueiro formou basicamente pessoas adultas, ligadas aos quadros de dirigentes e delegados/as do STR de Xapuri, e monitores/as das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). 

Do ano de 1987 em diante, atendendo a uma reivindicação da diretoria do Sindicato, o Projeto Seringueiro moldou um Projeto Político-Pedagógico voltado para os públicos infantil e adolescente, para também alfabetizar os filhos e filhas das famílias extrativistas. 

Nessa nova fase, o Projeto Seringueiro foi presidido pelo professor Arnóbio (Binho) Marques, que convidou a professora Regina Hara, do CEDI, para constituir uma equipe técnica formada por: Andrea Dantas, pedagoga; Francisca Bezerra, professora de Letras e Língua Portuguesa; Dejalcir Rodrigues, professor de Física e Matemática; e pelos ex-professores do Projeto Seringueiro, Ademir Rodrigues, Jorge Gomes, Assiz Monteiro e Pedro Teles. 

Embora os materiais didáticos que passaram a ser produzidos para as escolas do Projeto tenham mantido a denominação de Poronga e, no que tange à orientação didático-metodológica tenham sido mantidos elementos do método freireano, a nova coordenação pedagógica incorporou muitas contribuições do Construtivismo e das teorias do Letramento. 

E, se na primeira fase do Projeto Seringueiro a influência teórica fora de Paulo Freire, sobretudo por meio de suas obras seminais, como a “Pedagogia do Oprimido” e a “Educação como Prática da ”, na construção do projeto de educação voltado para crianças e adolescentes prevaleceram o pensamento de Magda Soares, principalmente com “O que é alfabetização e letramento”, e das professoras Emília Ferreiro e Ana Teberosky, com a obra “Psicogênese da Língua Escrita”.  

AS FRENTES DE AÇÃO POLÍTICO-SOCIAL DO PROJETO PARA A FORMAÇÃO DE LIDERANÇAS

Entre o início e meados dos anos 1980, principalmente a partir de 1983, por meio do CTA, o Projeto Seringueiro criou várias outras frentes de militância e de educação político-social, dentre elas: a Central de Produção e Consumo (CPC), voltada para a comercialização da produção extrativista e a aquisição direta de mercadorias que consumiam;  uma frente de atuação no campo da saúde comunitária popular; um projeto de desenvolvimento comunitário, com ênfase na implantação de Sistemas Agroflorestais (SAFs) e de açudes; e uma estratégia para o desenvolvimento de ações no campo da formação política e assessoria a lideranças dos de trabalhadores e trabalhadoras rurais. 

Nesse sentido, a ação político-social do Projeto Seringueiro foi muito produtiva, sobretudo no que diz respeito à contribuição para a criação e o fortalecimento do movimento de seringueiros em Xapuri e em todo o Vale do Acre.

 Por exemplo, sua atuação foi fundamental para a realização do I Encontro Nacional de Seringueiros, em Brasília, onde, no dia 17 de outubro de 1985, foi criado o Conselho Nacional de Seringueiros (CNS) – desde 1997 denominado Conselho Nacional das Populações Extrativistas – e lançada, por Chico Mendes, a proposta das , como um projeto inovador para a proteção das florestas na Amazônia.  

PROJEÇÃO NACIONAL E RECONHECIMENTO INTERNACIONAL 

Em termos de educação escolar, o Projeto Seringueiro conseguiu, a exemplo do que ocorria com os projetos de educação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), sobretudo no Sul do país, estabelecer um convênio com o governo do estado do Acre, por meio da então Secretaria de Educação e Cultura (SEC).

Foi constituída uma comissão paritária, formada por técnicos do Projeto Seringueiro e da SEC, que formulou e aplicou provas de concurso para candidatos ao magistério nas escolas organizadas pelo Projeto nos territórios extrativistas.

Com a sua experiência de educação inovadora voltada para populações da floresta, que até então viviam imersas num universo em que predominava apenas a comunicação oral, e com essas populações apresentando baixíssimos índices de lectoescritura, o Projeto Seringueiro ganhou projeção nacional e reconhecimento internacional. 

No ano de 1997, foi agraciado com o prêmio Itaú/UNICEF, que selecionava as melhores experiências de Educação Popular. O Projeto venceu como a melhor experiência desenvolvida por instituição do movimento popular, na categoria de formação de professores e professoras. 

E, em 1999, venceu o Prêmio Internacional Paulo Freire pelo trabalho de produção e edição de textos de alunos e alunas das escolas da floresta.   

O FIM DO PROJETO SERINGUEIRO 

Nas últimas décadas, o estado do Acre passou por um processo político de ascensão de forças ligadas aos movimentos populares e sindicais, e isso foi, a meu ver, muito maléfico para o movimento popular, pois muitos de seus quadros, forjados na luta por mais de 20 anos, foram transferidos para as atividades e funções do Estado. 

Isso foi deletério por dois motivos: primeiro, pelo esvaziamento do próprio movimento e, segundo, mas que está diretamente ligado ao primeiro, porque o Movimento que organizou a Aliança dos da Floresta e que deu ao país a proposta das Reservas Extrativistas deixou de formular novas bandeiras de luta, permitindo que o Estado passasse a pautar a ação política condutora de seu destino.  

E essa pauta deixou de ser centrada na capacidade de organização, formulação, proposição, luta e resistência dos povos da floresta. Para o governo da Frente Popular, eleito pelo Movimento, a pauta mais importante passou a ser a introdução do chamado capitalismo verde nos espaços e nos movimentos. 

Esse projeto não só dividiu como desmobilizou a base social do Movimento. Muitas lideranças extrativistas foram convencidas da justeza do projeto de governo e nele embarcaram sem nenhuma crítica às suas prováveis consequências desfavoráveis, tanto do ponto de vista econômico quanto ecológico e da organização social. 

O rumo tomado abriu espaço para o avanço e a tomada de poder, pelo voto, das forças reacionárias ligadas ao neofascismo nacional e internacional, que hoje mandam e desmandam no Acre sem nenhuma capacidade de oposição real por parte do Movimento que, assim, perde relevantes projetos construídos com décadas de luta e mobilização. 

Em consequência, hoje se verifica um notável enfraquecimento do movimento político-popular, com impactos mais graves para os territórios protegidos, como a Reserva Extrativista Chico Mendes (RESEX) e o Projeto de Assentamento Extrativista Chico Mendes, no seringal Cachoeira (PAE Cachoeira), onde os planos de uso originais foram abandonados. 

No que tange à Educação, no ano de 2017 o Projeto Seringueiro deixou de existir. Sua inexistência gerou um vazio, sobretudo no campo da educação escolar, onde o Estado implantou a metodologia de educação rural que recria, nos territórios extrativistas, a antiga escola da cidade que “prepara” de forma acrítica as novas gerações para uma realidade que não é a delas.

As crianças e jovens da floresta voltaram a aprender com professores de fora de suas comunidades, que lhes ensinam que elas devem estudar “para sair do atraso que são os territórios florestais” conforme, segundo Reichenbach, “essa concepção de educação rural, que pensa o campo meramente como território de produção econômica, não considera o espaço histórico social e suas relações sociais e políticas”.

Ainda assim, ficaram boas memórias e muitas lições aprendidas que, aqui e acolá, inspiram ações isoladas da velha e da nova militância. O testemunho a seguir mostra que, mesmo com todo o desmonte, algumas centelhas das práticas de educação desenvolvidas pelo Projeto Seringueiro ainda resistem.

Hoje a Secretaria de Educação impõe os das editoras de São Paulo que ensinam coisas que não dizem respeito à vida de nossos jovens. Eu me formei estudando no Projeto Seringueiro com a Cartilha Poronga, que reforçava a nossa cultura. Os exemplos que a gente via eram todos de nosso meio. Depois eu fui professor e ensinei meus alunos pelo mesmo método e me saí muito bem. Meus alunos aprenderam de maneira crítica. É preciso que a gente recrie o Projeto Seringueiro ou outra entidade parecida, tipo a Escola-Família Extrativista!    

Encerro este artigo com essa lúcida análise do jovem Sebastião Aquino (Tião do Daú), fiel representante daqueles homens e mulheres lutadores e lutadoras que o precederam, esforços e bravuras que ele diz querer honrar no enfrentamento das grandes e difíceis batalhas que legaram à sua geração e às novas que virão o tesouro que é a conquista da Reserva Extrativista Chico Mendes.    

Manoel Estébio Cavalcante da Cunha – Cofundador do Projeto Seringueiro, fundador do Centro dos Trabalhadores da Amazônia (CTA), professor do Centro de Filosofia e Ciências Sociais (CFCH) da Universidade Federal do Acre (UFAC).

a ALUNO RETORNANDO PARA CASA
Foto: Professor Pingo

REFERÊNCIAS

ARROYO, Miguel G. Os e a construção de outros currículos. Educar em Revista, Curitiba, Brasil, jan/mar 2015. Editora UFPR. 

LÊNIN, Vladimir Ilitch. Uma grande iniciativa, in obras completas. Direitos de tradução em português reservado pela Editora Avante. Edições Progresso – Lisboa-Moscovo, 2010.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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