SETEMBRO: FLORES, FERIDAS E O LAMENTO DO RIO
Setembro sempre chega com ares de renovação. Os ipês floridos espalham belezas e motivam campanhas que celebram a vida. É o mês da primavera, do “setembro Amarelo”, da tentativa de colorir o que o tempo insiste em apagar. Mas aqui, no coração da floresta acreana, setembro tem outro tom — um tom de lamento.
Por Marcos Jorge Dias, direto das barrancas do Rio Acre
O chamado “verão amazônico” sopra ventos que não movem moinhos. Ventos inquietos, rodopiados por sacis invisíveis que levantam poeira, arrancam telhados e derrubam árvores. As nuvens, pesadas e escuras, prometem chuva, mas entregam apenas migalhas. Perfume de terra molhada sem alívio para a sede das raízes.
O rio, que já foi hidrovia, sustento e lar, agoniza. Assoreado, quente, é fio d’água que tenta chegar ao mar. Os peixes se debatem em poças rasas, sufocados. A jaçanã sumiu. Os tracajás desapareceram. Até os jacarés, senhores das margens, tomaram rumo incerto. O rio está morrendo. E, com ele, tudo que vive no entorno.
Contudo, ainda há um canto. As cigarras, agarradas às árvores secas, cantam até secar. O estalar das folhas levadas pelo vento se mistura ao canto insistente, compondo uma estranha sinfonia que ecoa pela floresta cinzenta. É como se a natureza, mesmo ferida, ainda tentasse dizer algo. Ainda tentasse resistir.
Setembro também é tempo de trovoadas políticas. O ambiente, já castigado pelas mudanças climáticas, sofre com decisões que ignoram o grito das águas e das matas. E pelo balançar da carroça, como diziam os antigos, em breve nenhuma água passará por debaixo da ponte. Simplesmente porque não haverá mais águas, nem pontes.
É tempo de celebrar a vida, sim – mas também de olhar para o rio que morre, para a floresta que arde em chamas, e perguntar: que vida estamos deixando para o futuro?

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Marcos Jorge Dias – Escritor. Jornalista. Conselheiro da Revista Xapuri.





