VISÃO BIOCÊNTRICA NA COP 30

Por Steffanie Schmidt, dos Varadouros de Belém (PA)
COMENDO O PLANETA
Foto: Reprodução/Internet
“A humanidade do jeito que está hoje não vai resolver os problemas climáticos… ela tem que se tornar uma outra humanidade”, afirma a filósofa Lúcia Helena Galvão, da Nova Acrópole. A frase resume um ponto que começa, finalmente, a ganhar espaço na COP30: a crise climática é, antes de tudo, uma crise ética.
O novo alerta do Climate Action Tracker (CAT) reforça a urgência dessa discussão. Com base nas NDCs entregues até agora por 115 países, o planeta caminha para um aquecimento de 2,6°C até o fim do século — e, mesmo no cenário mais otimista, em que todas as metas são cumpridas, o aumento ficaria em 2,2°C até 2100, ainda acima do limite de 1,5°C do Acordo de Paris.
“Um aquecimento de 2,6°C literalmente cozinhará o planeta. Essa é a principal questão política desta COP”, destaca o diretor da Climate Analytics, Bill Hare. 
Se decisões técnicas e metas numéricas não bastam, o que está faltando? Para Lúcia Helena Galvão, o que emperra o enfrentamento da crise é “a mudança interna que ainda não fizemos”. O tema foi debatido pela sociedade civil no painel “Ética da vida: saúde como ecossistema planetário”, promovido pela organização Menos 1 Lixo, na Casa Brasil, durante a COP 30, em Belém. 
“Precisamos de metas, mas se o foco for apenas esse, daqui a alguns anos estaremos discutindo novos números, porque não atuamos na causa real”, alerta a ativista Fê Cortez, fundadora da Menos 1 Lixo.
Ela critica a crença de que a ação individual é irrelevante: “Fomos moldados na ilusão de que o mundo é moldado por multidões que um belo dia acordou e pensou em mudar o mundo, mas os coletivos são feitos de indivíduos e o que muda, o que direciona o coletivo, são indivíduos que conseguiram despertar para alguma coisa”.
Esse deslocamento ético inclui abandonar o antropocentrismo — a noção de que a espécie humana é o centro do mundo — para a adoção de uma visão biocêntrica.
“Compartilhamos o planeta com todas as outras espécies. Elas têm valor em si”, lembra Paul Watson, cofundador do Greenpeace e fundador da Sea Shepherd. Ele reforça a interdependência da vida: “Não podemos viver sem minhocas ou bactérias, mas elas podem viver sem nós”.
O oceano, responsável por 70% do oxigênio que respiramos, é o maior exemplo dessa rede vital. “Sem oceanos morremos. Eles são o regulador das mudanças climáticas”, afirma Watson.
Para Galvão, a degradação ambiental reflete a degradação de valores humanos. “O problema das florestas e dos oceanos está dentro de nós: é a extinção dos nossos valores”. A filósofa critica o comodismo e a transferência de responsabilidade: “a história sempre foi movida por poucos despertos que tomaram a frente. Um ser humano faz uma diferença tremenda”.
A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, reforçou esse ponto ao afirmar, no dia 13, que governos e, um sinal de a sociedade já não aceita compromissos vazios em um contexto de crescente litigância climática. 
O que poderá definir esta edição da Conferência das Partes como a “COP da implementação” ou  como a “COP da verdade” tem como pano de fundo a questão ética de reconhecimento que não haverá futuro climático sem uma transformação moral e civilizatória capaz de sustentar essa mudança.
Christiana Figueres, uma das arquitetas do Acordo de Paris, argumenta que o desafio “não é produzir um gesto histórico, mas tornar a implementação palpável”: consolidar decisões em um documento coerente e comunicável, que prove resultados e reflita a vivência — e não apenas a retórica — dos valores defendidos, afirmou em entrevista à jornalista Giovana Girardi, que também integra a rede colaborativa Casa do Jornalismo Socioambiental. 
Para Watson e Galvão, porém, as grandes viradas não virão de fora, por meio de decretos ou grandes acordos, mas de transformações individuais profundas — paixão, coragem e virtude. “O que você faz no presente define o futuro, e indivíduos podem mudar o mundo”, disse Watson aos jovens. 
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O presidente da COP30, André Correa do Lago, segura bebê Munduruku do Pará durante conversa com a manifestantes em frente ao local onde acontece a conferência. Foto: Felipe Werneck/COP30

 

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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