Visão Biocêntrica na COP 30
Sociedade civil discute a dimensão ética como condição para o sucesso da COP30 e para o futuro do planeta

Foto: Reprodução/Internet
“A humanidade do jeito que está hoje não vai resolver os problemas climáticos… ela tem que se tornar uma outra humanidade”, afirma a filósofa Lúcia Helena Galvão, da Nova Acrópole. A frase resume um ponto que começa, finalmente, a ganhar espaço na COP30: a crise climática é, antes de tudo, uma crise ética.
O novo alerta do Climate Action Tracker (CAT) reforça a urgência dessa discussão. Com base nas NDCs entregues até agora por 115 países, o planeta caminha para um aquecimento de 2,6°C até o fim do século — e, mesmo no cenário mais otimista, em que todas as metas são cumpridas, o aumento ficaria em 2,2°C até 2100, ainda acima do limite de 1,5°C do Acordo de Paris.
“Um aquecimento de 2,6°C literalmente cozinhará o planeta. Essa é a principal questão política desta COP”, destaca o diretor da Climate Analytics, Bill Hare.
Se decisões técnicas e metas numéricas não bastam, o que está faltando? Para Lúcia Helena Galvão, o que emperra o enfrentamento da crise é “a mudança interna que ainda não fizemos”. O tema foi debatido pela sociedade civil no painel “Ética da vida: saúde como ecossistema planetário”, promovido pela organização Menos 1 Lixo, na Casa Brasil, durante a COP 30, em Belém.
“Precisamos de metas, mas se o foco for apenas esse, daqui a alguns anos estaremos discutindo novos números, porque não atuamos na causa real”, alerta a ativista Fê Cortez, fundadora da Menos 1 Lixo.
Ela critica a crença de que a ação individual é irrelevante: “Fomos moldados na ilusão de que o mundo é moldado por multidões que um belo dia acordou e pensou em mudar o mundo, mas os coletivos são feitos de indivíduos e o que muda, o que direciona o coletivo, são indivíduos que conseguiram despertar para alguma coisa”.
Esse deslocamento ético inclui abandonar o antropocentrismo — a noção de que a espécie humana é o centro do mundo — para a adoção de uma visão biocêntrica.
“Compartilhamos o planeta com todas as outras espécies. Elas têm valor em si”, lembra Paul Watson, cofundador do Greenpeace e fundador da Sea Shepherd. Ele reforça a interdependência da vida: “Não podemos viver sem minhocas ou bactérias, mas elas podem viver sem nós”.
O oceano, responsável por 70% do oxigênio que respiramos, é o maior exemplo dessa rede vital. “Sem oceanos morremos. Eles são o regulador das mudanças climáticas”, afirma Watson.
Para Galvão, a degradação ambiental reflete a degradação de valores humanos. “O problema das florestas e dos oceanos está dentro de nós: é a extinção dos nossos valores”. A filósofa critica o comodismo e a transferência de responsabilidade: “a história sempre foi movida por poucos despertos que tomaram a frente. Um ser humano faz uma diferença tremenda”.
A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, reforçou esse ponto ao afirmar, no dia 13, que governos e, um sinal de a sociedade já não aceita compromissos vazios em um contexto de crescente litigância climática.
O que poderá definir esta edição da Conferência das Partes como a “COP da implementação” ou como a “COP da verdade” tem como pano de fundo a questão ética de reconhecimento que não haverá futuro climático sem uma transformação moral e civilizatória capaz de sustentar essa mudança.
Christiana Figueres, uma das arquitetas do Acordo de Paris, argumenta que o desafio “não é produzir um gesto histórico, mas tornar a implementação palpável”: consolidar decisões em um documento coerente e comunicável, que prove resultados e reflita a vivência — e não apenas a retórica — dos valores defendidos, afirmou em entrevista à jornalista Giovana Girardi, que também integra a rede colaborativa Casa do Jornalismo Socioambiental.
Para Watson e Galvão, porém, as grandes viradas não virão de fora, por meio de decretos ou grandes acordos, mas de transformações individuais profundas — paixão, coragem e virtude. “O que você faz no presente define o futuro, e indivíduos podem mudar o mundo”, disse Watson aos jovens.






