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MOSCOU: METRÔS DA CIDADANIA, PALÁCIOS DO POVO

MOSCOU: METRÔS DA CIDADANIA, PALÁCIOS DO POVO

Moscou: Metrôs da Cidadania, Palácios do Povo

Em três dias de densas caminhadas reuni Maiakovski, Mendel, Korin, Dostóievski e Kropotkin nos subterrâneos de Moscou. Encontrei suas histórias, feitos, graças e desgraças a referenciar com seus nomes as mais encantadoras e funcionais estações de um sistema metroviário do planeta – o metrô de Moscou, o sexto mais extenso e denso de todo o mundo.

A cada lance vencido por meio de profundas e estreitas escadas rolando gente, pude reviver versos revolucionários, comprovar teses da genética, experimentar realismos em tintas restauradas, cumprimentar os irmãos Karamazov e recriar as utopias dos anarco-comunistas.

A história dos grandes ornamenta as plataformas de conexão do metrô, fazendo do sistema não exclusivamente um meio para se chegar a um destino, mas um destino em si mesmo. O conceito coletivista e a estética de suas estações são o palco da coreografia de um balé cotidiano de nove milhões de pessoas subindo e descendo a cumprir seus trajetos – frenética e bela cidade embaixo de outra.

Inaugurado em 1935 na era dos planos quinquenais de Stalin, o metrô de Moscou impressiona a partir de sua própria história e simbolismo. “Que as estações sejam ‘Palácios do Povo’”, ordenou o líder soviético para mostrar ao mundo que o rápido processo de urbanização da cidade homenageava o modo coletivo de se deslocar naquela que viria a ser, em pouco tempo, a maior metrópole da Europa.

De fato, a considerar os padrões e conceitos que conheci ao longo de minhas vivências e viagens, mais parecem museus e palácios as estações do metrô de Moscou – tributo ao povo moscovita, que orgulhosamente testemunharam 44 de suas estações serem catalogadas como patrimônio histórico e cultural da humanidade.

É possível identificar nesse gesto stalinista o contraponto aos conceitos de mobilidade urbana prevalentes nos Estados Unidos, cujas grandes cidades como Los Angeles e Nova Iorque se estruturavam para suprir as demandas do transporte individual motorizado como elemento indutor de desenvolvimento econômico e social.

Do lado russo, o coletivo; do lado estadunidense, o individual – era a “guerra fria” esquentando nosso mundinho a partir de duas distintas políticas de mobilidade! Numa tarde, sentado na estação Kropotkinskaya me permiti incluir São Paulo no debate, onde está instalado nosso maior metrô, mas envergonhei-me a partir do mais óbvio – a limpeza do ambiente, a começar dos banheiros.

Praticamente com a mesma população de São Paulo (12 milhões de habitantes), os banheiros públicos de Moscou são a antítese dos paulistanos. Os do metrô então, mais reluzentes do que o banheiro da minha própria casa. O desafio a que me impus diante de todo o sistema foi encontrar um papelzinho esquecido sobre os granitos dos seus assoalhos – não encontrei!

Quanto à técnica do sistema metroviário de uma e outra cidade, a diferença é incisiva: o que temos em São Paulo são buracos de transposição de gente entre a superfície e os trilhos; em Moscou, a certeza de que tempo e espaço não são grandezas obrigatoriamente determinantes para sua gente, mas a contemplação.

Não há o que estranhar no quesito urbanidade, pois São Paulo com seus 463 anos jamais será comparável a Moscou com 870 anos. As distintas culturas e processos educacionais encontram na antropologia a justificativa de tamanha diferença no mesmo espectro da economia emergente.

É preciso destacar, no entanto, o fato de que os equipamentos e conceitos de vida urbana são universais, vêm da antiga Grécia onde a ecologia e o cotidiano das cidades eram espaços de convivência das pessoas e não meros pontos de passagem – alcançáveis, portanto, pela gestão urbana contemporânea. Aqui a questão é de decisão, atitude governamental, antes de tudo!

Os meus caminhos em Moscou os defini aleatoriamente em movimentos pendulares centro-bairros-centro-bairros-centro, muito distante dos lustrosos pontos turísticos da cidade, deliberadamente para lhes sentir a realidade de seus viventes. O que descobri é que as civilizações podem, sim, ser melhores do que experimentamos na linha abaixo do equador.

Antenor Pinheiro-Jornalista.  Comentarista da CBN Goiânia. Membro da Associação Nacional de Transportes Públicos /ANTP.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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