Roberta Jansen
RIO – Cientistas já alertaram para o impacto das mudanças climáticas na produção de alimentos. A elevação das temperaturas médias e o aumento dos chamados eventos extremos, como secas e inundações, terão um impacto negativo no cultivo de grãos responsáveis por alimentar boa parte da crescente população mundial.
Mas um estudo publicado nesta quinta-feira, 30, na revista científica Science revela que essas perdas podem ser ainda maiores do que o inicialmente estimado, por causa da atividade de um outro grupo de criaturas famintas: os insetos. A nova pesquisa, coordenada pela Universidade de Washington, nos EUA, mostra que as populações de insetos devem aumentar nas regiões temperadas – onde a elevação das temperaturas favorecerá sua reprodução. E o calor favorece sua taxa metabólica, tornando-os mais famintos.
O trabalho científico estima que as perdas nos cultivos de arroz, milho e trigo serão de 10% a 25% para cada grau Celsius de aumento da temperatura média do planeta. Ou seja, um aumento de 2°C (que já é praticamente dado como certo) pode levar as perdas desses cultivos a aproximadamente 213 milhões de toneladas por ano.
“Esperamos ver um aumento das perdas de produção por duas razões básicas”, explicou um dos autores do estudo, Curtis Deutsch, professor de Oceanografia da Universidade de Washington. “Em primeiro lugar, as temperaturas mais elevadas aumentam a taxa metabólica dos insetos exponencialmente; em segundo lugar, com exceção dos trópicos, temperaturas mais altas favorecem a taxa reprodutiva dos insetos. Ou seja, teremos mais insetos e eles vão comer mais.”
Em 2016, as Nações Unidas estimaram que pelo menos 815 milhões de pessoas em todo o mundo não se alimentavam adequadamente. Milho, arroz e trigo são os cultivos essenciais para cerca de 4 bilhões de pessoas e respondem por dois terços das calorias ingeridas na forma de alimentos, de acordo com a agência.
“Os impactos do aquecimento global nas infestações por pragas vão agravar os problemas da insegurança alimentar e danos ambientais em todo o mundo”, disse outra autora do estudo, Rosamond Naylor, da Universidade Stanford, e diretora do Centro de Segurança Ambiental e Meio Ambiente, em comunicado sobre o trabalho.
“O aumento do uso de pesticidas, o uso de organismos geneticamente modificados e outras práticas agrícolas como a rotação das culturas podem ajudar a controlar as perdas. Mas, sob praticamente todos os cenários das mudanças climáticas, as pragas vencem, sobretudo nas regiões temperadas de alta produtividade, causando aumento nos preços e insegurança alimentar.”
A Europa será a região mais atingida, segundo o estudo. Atualmente considerada a maior produtora de trigo do mundo, a Europa pode perder até 16 milhões de toneladas do cultivo por conta dos insetos. Onze países europeus podem registrar um aumento de até 75% nas perdas de trigo, como Reino Unido, Dinamarca e Irlanda.
Os insetos podem ainda provocar grandes impactos nos cultivos de milho e arroz na América do Norte e na Ásia. Os Estados Unidos – os maiores produtores de milho do mundo – podem registrar um aumento de 40% nas perdas ocasionadas por insetos, uma redução de mais de 20 milhões de toneladas anualmente. Na China, que é responsável pela produção de um terço de todo o arroz consumido no mundo, as perdas anuais podem alcançar 27 milhões de toneladas.
“Espero que nosso trabalho demonstre a importância de reunirmos mais dados sobre como as pragas vão impactar as perdas dos cultivos num mundo cada vez mais quente”, disse Deutsch. “Porque, coletivamente, nossa escolha, agora, não é se vamos permitir ou não que o aquecimento global aconteça, mas quanto aquecimento somos capazes de tolerar.”
ANOTE AÍ
Fonte: O Estado de S.Paulo