Mercado vira termômetro frenético do curto-circuito político do Brasil
Volatilidade do Ibovespa costuma subir 10% em ano eleitoral, mas a variação dobrou neste ano.
Analistas apostam que as incertezas começam a se dissipar após início da campanha na televisão
O dólar chegou a valer 4,13 reais nos últimos dias, numa valorização de 24% só neste ano. E deve subir mais ao longo das próximas duas semanas — mais precisamente, até a divulgação da primeira pesquisa de intenção de voto após o início da campanha de televisão, mais ou menos por volta do dia 10 de setembro. É na subida do ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB) nas pesquisas que o mercado aposta para aplacar as incertezas quanto ao futuro da agenda de reformas iniciada pelo Governo Michel Temer. A expectativa é de que Alckmin aproveite seu robusto tempo de propaganda televisiva para melhorar os índices eleitorais. Caso isso não aconteça, a turbulência se estenderá pelo menos até a data de publicação do resultado eleitoral. Neste conturbado ano eleitoral, contudo, qualquer previsão parece precipitada.
O curto-circuito por que passa o mercado financeiro brasileiro, com quedas e subidas bruscas no índice da Bolsa de São Paulo a cada pesquisa de intenção de voto, não é novidade em ano eleitoral, mas está mais intenso neste ano. Relatório publicado pelo Banco Santander em junho indica um aumento de 10% na volatilidade do Ibovespa durante os anos em que há votação majoritária. Levando em conta os resultados de 2002, 2006, 2010 e 2014, os analistas do Santander identificaram um desempenho médio negativo de 4,9% em maio e de 2,8% em junho. Neste ano, porém, a desvalorização acumulada em maio foi de 10,9%, e a de junho, 5,2%, ou seja, o dobro do normal. Parte das perdas dessa ‘montanha russa eleitoral’ costuma ser revertida em julho. Nas eleições anteriores, houve uma média de 1,7% de alta. Mas, neste ano, houve um comportamento atípico, com uma valorização acumulada no mês foi de 8,8%. Isoladamente, essa notícia poderia ser vista como positiva. Mas na verdade, ela traz uma confirmação da volatilidade excessiva em 2018, fora do padrão dos últimos pleitos.
Vários fatores contribuem para o aumento da tensão neste ano. Ao contrário dos últimos anos, o Governo Michel Temer não tem popularidade o bastante para participar da disputa eleitoral, o que por si só deprime o ambiente. Ao ponto do candidato do Governo, o ex-ministro Henrique Meirelles (MDB), inexpressivo nas pesquisas de intenção de voto, preferir ligar sua imagem à do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) do que à atual administração. Além disso, Lula, apesar de preso, segue no jogo pelo menos até sua candidatura ser invalidada, o que recheia de incertezas uma campanha eleitoral feita em moldes inéditos, com menos tempo e sem dinheiro de empresas. A redução do período eleitoral jogou as propagandas de televisão para o fim de agosto. Neste ano, o horário eleitoral gratuito será exibido por apenas 35 dias. Em 2002, eram 50. Na última eleição, em 2014, o horário eleitoral gratuito, que marca o início da corrida de fato, começou 12 dias antes, em 19 de agosto, e ocupava o dobro dos 12 minutos e meio que serão reservados neste ano.
Será tempo o bastante para Alckmin, titubeante nas pesquisas e queridinho do mercado, alcançar votos e passar ao segundo turno? O tucano é quem mais tempo tem reservado para a propaganda de TV, com 5 minutos e 32 segundos. E fica no ar a dúvida se a TV terá o mesmo papel nesta eleição como teve em outras disputas. Para os analistas, é inegável o peso da televisão. E mesmo com todas as nuances diferentes, ela terá o potencial de afirmar nomes ou virar resultados rapidamente. Olhando pelo retrovisor, é possível lembrar quadros como o de 2002, quando Lula tinha 37% das intenções de voto antes do início da propaganda na tevê, enquanto Ciro Gomes, então do PPS, aparecia em segundo lugar, com 27%, e José Serra (PSDB) tinha 13%. O tucano, que começou seu programa expondo uma gravação em que Ciro chamava um ouvinte de “burro”, precisou de apenas 10 dias de campanha de televisão para encostar no adversário, com 19% contra 20% do ex-governador do Ceará. Mais dez dias depois, Serra já tinha alcançado 21% contra 15% de Ciro. O tucano iria para o segundo turno com 23% dos votos, enquanto Lula, alheio à batalha entre os dois, terminou com 46%. Ou seja, uma campanha bem feita tem o poder de mexer no tabuleiro eleitoral, e de forma rápida.
Segundo José Faria Júnior, sócio da Wagner Investimentos, o cenário deste ano se aproxima mais da eleição de 2014 do que das outras disputas recentes. As pesquisas que mostravam o senador Aécio Neves (PSDB) melhorando nas intenções de voto tendiam a baixar o preço do dólar e elevar o índice da Bolsa, ao contrário do que ocorria quando as notícias eram boas para a campanha de Dilma Rousseff (PT). Nenhuma das duas corridas eleitorais lembra, contudo, os abalos causados no mercado nacional pela campanha de 2002, vencida por Lula. Naquele ano, o Ibovespa acumulou 17% de perda — neste ano, até julho, o índice acumula valorização de 3,69%. “Não teve volatilidade em 2002, foram só perdas. Tinha crise externa, tinha inflação elevada, [taxa] Selic alta, as contas externas eram um problema grande”, lembra Júnior.
A situação, de fato, é outra hoje. Apesar da crime econômica, o Brasil vive uma conjuntura econômica bem mais confortável, e isso permite avaliar melhor o impacto da corrida eleitoral na valorização do dólar. “Nos últimos dias, apesar de Argentina e Turquia estarem sofrendo com suas moedas, a gente observou que o dólar recuou contra as principais moedas do mundo, mas não aqui. Isso é problema adicional, porque ele deve continuar se fortalecendo lá fora. Se continuar subindo, diminui muito o espaço para recuar no Brasil”, diz Júnior, para quem, diante dos resultados das últimas pesquisas, a ex-ministra Marina Silva(Rede) já começa a ser vista como uma boa opção pelo mercado. Segundo o economista, o valor da moeda norte-americana ainda não chegou ao pico e pode ultrapassar os 4,20 reais.
André Perfeito, economista chefe da Spinelli, enxerga o dólar a 4,15 reais nos próximos dias e lembra que o valor de 4 reais já teria sido ultrapassado há mais tempo se não fossem as intervenções do Banco Central. “É engraçado que o mercado diga que a incerteza está aumentando, porque ela está diminuindo. O candidato preferido do mercado, que tem levado para a frente a bandeira das reformas, não melhora. A população já mostrou que não tem interesse em reformas”, diz Perfeito, que aposta em um segundo turno entre o deputado Jair Bolsonaro (PSL) e o candidato do PT, que deve ser o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad após o esperado bloqueio da candidatura do ex-presidente Lula.
Em um cenário como esse, o que aconteceria com o dólar? “Se Bolsonaro ganhar, é possível que o real até se aprecie, por conta do discurso liberal de Paulo Guedes [o prometido ministro da Fazenda de um Governo Bolsonaro]. Mas quando começar a articulação, vai ficar evidente que ele não vai conseguir fazer as reformas na velocidade esperada. Se Haddad ganhar, o dólar pode subir ou cair, a depender do discurso”, prevê André Perfeito.
Apesar das dúvidas quanto ao desfecho da eleição deste ano, há também quem aposte que as reformas sairão mesmo no pior cenário imaginado. “Há boas razões para acreditar que as reformas necessárias para que o país acelere o crescimento serão levadas para votação no Congresso ainda no primeiro ano de governo de quem quer que seja o eleito em outubro”, escreveu Frederico Sampaio, diretor de renda fixa da Franklin Templeton, em relatório recente.
ANOTE AÍ
Fonte: El Pais Brasil