Riozinho, você é mineiro, uai!
Depois de criar a Terra e tudo que nela há, o Criador dedicou carinho especial para dar vida ao rio que, tal como criança nascida do ventre da mãe Terra, chorou.
Não se sabe ao certo a razão desse choro. Talvez, tivesse o riozinho recém-nascido premonição de sua triste sina. Ou ainda, com a insegurança própria dos que têm medo do desconhecido, o riozinho chorou. Um choro longo e demorado.
Por horas a fio o riozinho chorou. Era um chororô comprido, uma lengalenga sem fim. Por vezes chorava alto que parecia pororoca quebradeira em desabalada, depois o choro se aplacava e seu som era de água pura de riacho tímido, desses que se curvejam entre as serras.
O riozinho foi crescendo e já menino orgulhava o broto de sua fonte. Encorpou-se e permitiu novas vidas em suas águas cristalinas. Por ali, serpenteavam peixes de todas espécies e cores, uma dança de sutil leveza sacudia as ramagens… uma buliçosa vida aquática fazia festa em suas marolas. Vida boa, pacata e simples a do rio menino.
O moinho do tempo temblando e riozinho virou rio. Volumoso, água farta e generosa. Abundância. Imensidão. Em suas margens foram brotando plantas, bichos e homens.
No começo eram bons. Uma equilibrada e justa convivência estabelecida pelo rio, que de tão bom, passou a ser chamado de Rio Doce como as doces lembranças dos sabiás, cotovias e quero-queros beliscando o dorso do rio. Doce como o espelho do rio confundindo-se com o plácido azul do céu, o dourado do sol e as emanações do argentum lunar.
A cada dia um novo ambiente, uma nova contemplação. A vida do rio seguia rotineiramente, cumprindo seu destino de alcançar o mar. Este era outro medo do riozinho: enfrentar outras águas e mares e lugares. Por mais que se contorcesse, o rio não parava e o rio chorou de novo, com medo da imensidão do mar.
Para cumprir sua sentença e destino, um dia, desaguou no oceano. E chorou, chorou muito. Chorou alto. Suas lágrimas podiam se ver e ouvir de longe. Saltando do sal da água saíam salgadas também. Em seu auxilio a mãe natureza, força espetacular e amorosa, deu seu regaço e acalentou o riozinho. Ele viu que era bom.
Um mundo novo lhe acenava. E seguia seu curso de percorrer caminhos sinuosos, brincar de esconde-esconde com sereias e Iaras para depois abraçar o infinito com a coragem de quem rompeu barreiras e venceu desafios. Era doce seu desaguar, tocando em suas margens a melodia sonora de quem vai levando e trazendo emoções e esperanças.
Um dia houve, brotava aos borbulhões outro rio que o engolia. Rio de lama, de vergonha, de descaso, de tragédia. E dessa vez o rio chorou também, mas seu choro foi abafado e dolorido. O rio não chora mais. Agora, choramos nós.
Rio Doce, meu benzinho, espera que vai passar! Tem fé que você é mineiro, uai!
fotos: br.blastingnews.com
Obs.: publicado originalmente em 15 de dez de 2015
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