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Haddad, Impecável

Haddad, Impecável –

Do 247 – Último debate do primeiro turno da campanha presidencial, o encontro da Globo não produziu alterações dramáticas na posição entre os principais candidatos mas abriu uma perspetiva promissora para o segundo turno: a reaproximação entre Fernando Haddad e Ciro Gomes.

Distanciados ao longo dos encontros anteriores, quando Ciro testava até onde poderia avançar em sua própria candidatura, o encontro encerrou-se com várias demonstrações de fraternidade, mais do que necessárias para enfrentar a ameaça de caráter fascista que Jair Bolsonaro representa no segundo turno.

Ausente dos debates principais, realizados após a facada recebida em Juiz de Fora, Bolsonaro não compareceu ao encontro da Globo, privando milhões de eleitores de testemunhar seu desempenho num ritual obrigatório das democracias, que são os debates entre candidatos.

A julgar por aquilo que diz a maioria das  pesquisas de intenção de voto, o atentado contra Bolsonaro foi uma tragédia, mas, do ponto de vista eleitoral e político, lhe garantiu o percurso sonhado por todo candidato que ocupa a liderança da campanha. Permitiu-lhe disputar uma vaga no segundo turno sem ser submetido ao confronto democrático presente em toda campanha presidencial, no qual todo candidato é confrontado por seus adversários, muitas vezes de forma orquestrada e agressiva.

Teste de nervos, de capacidade de improvisação e de competência para oferecer respostas rápidas a assuntos complexos, um debate é uma oportunidade particularmente instrutiva para o eleitorado tentar antecipar traços que ajudam a compreender o perfil de um homem público que disputa um cargo tão importante e decisivo.

Visto como candidato sem as qualificações básicas que se exige de quem pretende governar um país de 215 milhões de habitantes, endereço da 9a economia do mundo, Bolsonaro garantiu passagem para o segundo turno na condição do aluno que é diplomado sem prestar todos os exames exigidos dos demais.

Resta saber se conseguirá preservar o mesmo desempenho na segunda fase, um palco para confrontos 1 contra 1, numa campanha na qual todos têm o mesmo tempo de TV — e a obrigação de apresentar projetos coerentes para o país, capazes de interessar eleitores em busca de algo mais do que frases de efeito, slogans e fake news.

Este Bolsonaro, um ilustre desconhecido, transformado num candidato inatingível após a facada, irá enfrentar um confronto no qual o grau de transparência é incomparavelmente maior, dificultando truques e artimanhas que o eleitorado irá perceber com facilidade.

Alvo dos demais presentes, que esboçaram várias tentativas de ataque sempre que possível, Fernando Haddad saiu do encontro maior do que entrou. Enquadrou Alvaro Dias, concorrente irresponsável em sua agressividade tão barulhenta como oca. “Você nem sonha com o que eu fiz”, disse ao senador, enumerando a herança que sua passagem pelo ministério da deixou aos brasileiros pobres e explorados. Nunca deixou de apontar responsabilidades e erros do PSDB que tiveram importância decisiva na abertura e aprofundamento da crise do país. Nem precisou lembrar da auto-crítica do senador Tasso Jereissati para sublinhar o que queria dizer.

Quando a Marina Silva cobrou a autocrítica sobre erros do Partido dos Trabalhadores, exercício típico de quem quer obrigar o adversário a se diminuir perante o eleitorado sem apontar razões objetivas nem definir suas próprias responsabilidades, Haddad deu uma resposta enérgica. Lembrou que já assumiu erros e desvios em diversos pronunciamentos e entrevistas, mas que não iria “jogar fora a criança com a água do banho”.

Em nenhum momento Haddad perdeu o fio condutor da própria candidatura. Homenageou Lula em diversas ocasiões, postura que deve lhe trazer frutos junto aos milhões de eleitores que não fizeram a transição entre as candidaturas. Não se intimidou com os diversos adversários que, sem força própria para crescer junto ao eleitorado, tentaram transformar o debate num show de hipocrisias, escondidos atrás da noção de que, ao lado de Bolsonaro, sua candidatura faz parte de uma disputa entre dois extremos que se equivalem e se complementam, impedindo o país de achar um caminho para sair do atoleiro — noção tão conveniente como desonesta, sabemos todos.

Num país que procura uma saída para vencer a pior crise de sua história, Haddad deixou claro que ocupa o desafiante real de Bolsonaro, muito à vontade diante da responsabilidade que essa condição lhe confere.

Sem nenhum lance dramático capaz de constituir uma daquelas cenas inesquecíveis que marcam encontros dessa natureza, o fim do debate sinalizou uma nova situação política na campanha, em torno de Haddad e Ciro. Este comportamento pode se revelar o salto mais importante de uma campanha que tende a assumir o caráter de uma frente única em defesa da democracia, na qual a luta pelos bem-estar do povo caminha lado a lado com a defesa do regime de direitos e liberdades ameaçado por Bolsonaro. Num pronunciamento final de quem se despede do eleitorado de 2018, Ciro não deixou de pedir votos no domingo — mas abriu um novo caminho a partir daí, ao deixar clara sua oposição à candidatura que representa uma inédita ameaça fascista na história brasileira.

Haddad impecavel Ricardo Moraes Reuters

ANOTE AÍ:

Fonte: https://www.brasil247.com/pt/blog/paulomoreiraleite/371154/Haddad-impec%C3%A1vel.htm

Foto interna: Ricardo Moraes/Reuters

 

Uma resposta

  1. Uma FACADA que, por sinal, pode nunca ter acontecido, mesmo porque, ninguém, nenhum partido, teve a precaução ou assumiu a responsabilidade de exigir provas que atestasse a veracidade do fato, um psicopata / impostor de ocasião abre caminho p/ governar a nona economia do mundo.
    Para mim e para muitos brasileiros esse lapso é imperdoável e pode vir a ser responsável por sérios problemas p/ o País. O futuro dirá.
    O que ainda me deixa alguma tranquilidade é a ESPERANÇA de que as urnas funcionem a favor do BRASIL.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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