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Tem sangue retinto por trás do herói emoldurado

Tem sangue retinto por trás do herói emoldurado

Por Iêda Leal de Souza 

O dia quase amanhecia na madrugada do dia 4 para o dia 5 de março quando a Mangueira, tradicional escola de samba do Rio de Janeiro, abriu na passarela uma bandeira do nos tons verde-e-rosa da escola. Mas o inusitado não parava aí: no lugar do tradicional “Ordem e Progresso”, em um consagrador reconhecimento aos invisíveis da nossa história, ali estava escrito “Índios, Negros e Pobres.”

Ao contar sua “História para ninar gente grande”, a Mangueira mostrou ao uma História do Brasil muito distinta da narrativa eurocêntrica reproduzida e imortalizada em nossos livros escolares. Não, o Brasil nunca foi um país de cordatos que se deixaram aniquilar sem qualquer reação. Ao contrário, nossa História está repleta de heróis e heroínas que tombaram em , que construíram uma valente trajetória de resistência.

Em matéria publicada no portal Geledés, o pesquisador Aydano André Motta, do Colabora, fez um resumo dos principais resgates históricos mostrados pela Mangueira:

DESDE 1500 TEM MAIS INVASÃO DO QUE DESCOBRIMENTO”: Releitura histórica, a partir da constatação de que, como havia indígenas quando as caravelas de Cabral aportaram no litoral da futura Bahia, os portugueses não descobriram nada; na verdade, invadiram um território habitado.

TAMOIOS (“MULHERES, TAMOIOS, MULATOS”): Palavra que, em tupi, define avós (“ta’mõi), denominação dos índios tupinambá, depois ressignificada na Confederação dos Tamoios, revolta dos (tupinambás, tupiniquins, guaianazes, goitacás e aimorés) contra os colonizadores portugueses, entre 1554 e 1567.

DANDARA (“BRASIL, O TEU NOME É DANDARA”): Ícone das brasileiras. Exímia caçadora e conhecedora da região de difícil acesso da Serra da Barriga, em Alagoas, conseguia ludibriar e criar armadilhas entre a vegetação fechada e densa, não permitindo que seus oponentes obtivessem sucesso nas investidas. Dandara lutava, amava e impelia seu povo a resistir.

CARIRI (“E A TUA CARA É DE CARIRI”): Conjunto de etnias indígenas do nordestino que enfrentou, nos atuais Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba, de uma de extermínio logo após a expulsão dos holandeses da região. O episódio, pouco conhecido, ganhou o nome de Confederação dos Cariris (ou Guerra dos Bárbaros).

DRAGÃO DO MAR (“A LIBERDADE É UM DRAGÃO NO MAR DE ARACATI): Francisco José do Nascimento, o Chico da Matilde ou Dragão do Mar, foi um líder jangadeiro que comandou greve no transporte de mercadorias e escravizados para os navios no litoral de Fortaleza, explica o professor Amilcar Araújo Pereira, do ensino de História da Faculdade de Educação da UFRJ. O movimento ganhou força a ponto de provocar a abolição da escravidão no Ceará em 1884 – quatro anos antes da data oficial do Brasil.

QUEM FOI DE AÇO NOS ANOS DE CHUMBO”: Toda resistência à ditadura militar – “inclusive dos negros, invisibilizados porque a Lei Segurança Nacional proibia referências ao racismo”, lembra Amilcar.

MAHINS (“DE OUVIR AS MARIAS, MAHINS, MARIELLES, MALÊS”): Citação a Luiza Mahin, mãe de Luiz Gama, o maior abolicionista negro, rábula (advogado não formado) que conseguiu libertar mais de 500 pessoas na Justiça – isso na época da escravidão. “Ela é uma das protagonistas da Revolta dos em 1835, em Salvador, e era chamada de mahin pela língua que falava”, ensina o professor Amilcar. “A única referência a ela está na autobiografia de Luiz Gama”.

MALÊS (“DE OUVIR AS MARIAS, MAHINS, MARIELLES, MALÊS”): A revolta em Salvador de muçulmanos negros escravizados, em 1835. (Imalê é a palavra em iorubá, a língua mais falada pelos africanos na diáspora, para muçulmano. No Brasil, virou malê.) Eles dominavam a escrita em árabe e organizaram o levante com bilhetes, numa organização que não foi descoberta porque senhores e feitores não sabiam ler. A sublevação pedia liberdade e melhores condições de . “Os malês fogem completamente do estereótipo do escravo. Conheciam matemática e tecnologia e buscaram na Revolução Haitiana seu ideal de revolta”, narra Amilcar, citando a sublevação do país da América Central inspirada na Revolução Francesa.

LECIS, JAMELÕES (“DOS BRASIS QUE SE FAZ UM PAÍS DE LECIS, JAMELÕES”): Leci Brandão, cantora, compositora e atriz, primeira mulher a participar da ala de compositores da Mangueira. Jamelão, José Bispo Clementino dos Santos, o maior e mais longevo intérprete de sambas-enredo da história do Carnaval. Cantou os hinos da Mangueira de 1949 a 2006.

Em 14 de março, completamos um ano do assassinato da militante negra Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes. Que este rasgo de consciência nos fortaleça na luta por justiça, sobretudo neste momento da nossa história em que, uma vez mais, como diz o samba-enredo da Mangueira, continua tendo sangue retinto de nossos mártires por trás dos que matam, mandam matar, e como heróis se emolduram no panteão da pátria brasileira.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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