Holocausto no Congo

Holocausto no Congo

Considerado o maior e mais sangrento conflito desde a Segunda , o combate na República Democrática do Congo já dura 23 anos.  Milícias e grupos rebeldes interessados no contrabando de minérios atacam vilarejos, estupram , matam inocentes e provocam ondas de refugiados. A comunidade internacional e a mídia silenciam.

Por Daniele Rodrigues, Danielle Fernandes, Deborah Delaye e Vivian Estrela/Olhares do Mundo 

Rica em recursos e belezas naturais, a República Democrática do Congo poderia ser a representação de um paraíso tropical em pleno coração da África não fosse a cobiça de países vizinhos e empresas internacionais por ouro, diamante, cobalto, cobre, carvão e coltan (usado na indústria eletrônica). A disputa por minérios envolve a região numa guerra que já deixou cerca de seis milhões de mortos desde 1993. O conflito, praticamente ignorado pela imprensa e a comunidade internacional, é considerado o maior holocausto da história.

As chacinas, estupros e sequestros de mulheres e crianças se tornaram armas de guerra e servem para desestabilizar as comunidades, provocando miséria e ondas de refugiados. Cerca de 80% da população vive abaixo da linha da , com menos US$1,25 por dia. A guerra no leste do Congo está vinculada aos conflitos étnicos da vizinha Ruanda. No início da década de 1990, milhares de hutus ruandeses buscaram refúgio no leste do Congo temendo perseguições das novas forças tutsis no poder. Entre eles, estavam rebeldes hutus que haviam participado de chacinas em Ruanda. Tropas tutsis invadiram o Congo numa caçada aos rebeldes, apoiadas por milícias de Uganda. Vilarejos locais foram tomados por homens armados que até hoje controlam as ricas áreas do leste do país e lucram com o tráfico ilegal de matérias primas.

No total, 200 grupos rebeldes atuam no país, entre eles o poderoso e temido FDLR (Forças Democráticas para a Libertação de Ruanda). A principal dificuldade para conter as milícias, segundo a organização de ajuda humanitária internacional Friends of the Congo (Amigos do Congo), com base em Washington, é a falta de um governo legítimo que possa exercer autoridade e controle sobre todo o país. A ONG, criada em 2004 para ajudar na busca de uma solução de paz, diz que o fim dos combates depende de maior pressão internacional sobre Ruanda e Uganda para que cessem suas intervenções destrutivas e pilhagens, além  da eleição de um governo responsável e confiável.

Acusado de corrupção, o presidente do Congo, Joseph Kabila, filho do ex-ditador Laurent Kabila, está no poder desde 2001 sem conseguir pacificar o país. “O Congo continua a ser roubado por seus próprios líderes, por outros países, por governos estrangeiros, por corporações estrangeiras e instituições multilaterais, como o FMI”, disse a Friends of the Congo em entrevista a nossa reportagem.

O professor de História da África da PUC-Rio Alexandre dos Santos observa que a paz depende de uma grande vontade , não apenas do presidente Kabila ou de seu eventual sucessor, mas de todos os chefes de e de governo da região. Ele lembra que que a sobrevivência dos grupos armados se dá também pelo apoio que recebem dos países vizinhos.“O  mais importante seria restabelecer essas autoridades regionais e locais para que o processo de reestruturação do país comece por elas e que se dê o devido apoio de por meio de tropas do governo ou da Monusco (Missão das Nações Unidas na República Democrática do Congo) para que se evite o medo e se restabeleça o direito de representação e de expressão”, disse o professor.

Santos observa que a distância entre as regiões em conflito e a capital é apenas um dos fatores que atrapalha o controle da atuação dos grupos rebeldes. A porosidade das fronteiras, a distância dessas regiões da capital Kishansa, a dificuldade de acesso e a grande área florestal na qual esses grupos se escondem são grandes empecilhos, mas nada se compara, segundo ele, a falta vontade política efetiva de alguns governos em combater determinados grupos.

O jornalista Anjan Sundaram, correspondente no Congo do jornal “The New York Times” e da agência Associated Press, autor de dois sobre a guerra no Congo, condena a comunidade internacional por apoiar desmandos de Kabila. “Infelizmente, o apoia líderes congoleses que usam o Exército para manter a paz, mas são corruptos e destroem instituições nacionais. Isso apenas fortalece o ciclo de ”, disse ele em entrevista por e-mail.

Segundo o jornalista, a vida dos congoleses é vista como algo menor. “O mundo não lamenta as no Congo, só lamenta quando há mortes ocidentais. Isso faz com que a violência no Congo seja legitimada.”

O refugiado congolês Lubangi Muniania, produtor musical que hoje vive em Nova York, também culpa a comunidade internacional pelos acontecimentos. O jovem congolês perdeu familiares e amigos na guerra  e teve parentes deslocados por causa dos combates. “Há uma única coisa que importa para a comunidade internacional:  o dinheiro da mineração. Eu aprendi que o meu povo e os nossos sonhos não importam.”

Fonte: Olhares do Mundo

Nota Xapuri: Matéria publicada originalmente no ano de 2016. Informação continua atual, razão porque reproduzimos os dados da matéria na íntegra.

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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