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Cura para quase tudo

Cura para quase tudo: Entre raízes e raizeiros, o conhecimento tradicional em Brasília 

Por Eliana Aparecida Santos Feitosa

O conhecimento tradicional faz parte da identidade e da do raizeiro que vive no Distrito Federal. As dos brasileiros constituem a matéria-prima da medicina ancestral praticada pelos erveiros e comercializadas tanto no interior do país quanto em grandes centros urbanos.

Os saberes e fazeres presentes na medicina natural não se estabelecem somente pela identificação das plantas, mas pelo aprimoramento dos usos medicinais a partir dos relatos de cura partilhados entre todos da comunidade. Folhas, caules e raízes e a preparação dos remédios, tudo é repassado às gerações futuras pela experiência relatada, assim se estabelece o ofício do raizei

No Distrito Federal, feiras, pontos de venda e comércio de rua são também espaços de encontro, onde as receitas para quase todos os males são encontradas através da indicação do raizeiro, que, entre outros produtos, oferece a casca, a folha, a semente, ou o preparado que a família já consome e recomenda desde o da migração do seu estado de origem para a Capital Federal.

O atual cenário econômico do Distrito Federal é de crescente desempregou/ou subemprego, com o aumento da atividade informal, fato este que promove na família do raizeiro a opção de dar continuidade ao comércio de venda das ervas por de outra oportunidade ou, ainda, pelo fato de esses sujeitos serem, em sua maioria, pessoas de idade avançada, preocupadas com a continuidade de seu .

Eliana Feitosa rem%C3%A9dios x63Entre garrafadas, , melado, pomadas, raízes, folhas, cascas, sementes, alho, remédios naturais, temperos e receitas tradicionais, seu Damião Dias, 75 anos de idade, nascido na Paraíba e com registro de nascimento assentado em Jacobina-BA, conhecido como Rei das Ervas, possui sua banca na entrada de Taguatinga, próxima à Praça do , importante centro comercial da cidade, onde se oferece cura para quase tudo.

Casado, pai de seis filhos, seu Damião iniciou o comércio de ervas em Ceilândia, “era um poeirão sem tamanho, naquela época eu tinha a barraca na feira de Ceilândia, mas pensei: essa tal de Taguatinga vai ficar uma cidade muito boa, vou colocar a banca no asfalto”.

Quando questionado sobre quais produtos são mais vendidos, ele afirma que vende de tudo e que não sabe ao certo quantos itens possui na banca. Cavalinha, douradinha, quebra-pedra, unguento e xaropes são muito conhecidos. Quem compra faz uso dessa há muito tempo, fato que remete à afetiva dos estados de origem da maioria dos brasilienses clientes de seu Damião.

Seu Damião e sua família trabalham com ervas em Brasília há mais de 40 anos, e ainda possuem juntos outras bancas em feiras da cidade. A procura por “remédios do mato” como popularmente são chamados os remédios naturais é hábito repassado de geração a geração, e hoje muito valorizado pela alta eficiência terapêutica e os altos preços dos remédios “de farmácia”.

Ele afirma que é preciso ter cuidado com a dose e que muita gente hoje vende essas ervas, mas não conhece profundamente as propriedades fitoterápicas e medicinais de cada planta. Nesse sentido, o resgate de ofícios tradicionais como a parteira, o mateiro, a rezadeira e o raizeiro contribuem para a preservação de um conhecimento tradicional que é muito importante na construção da identidade do brasiliense. Para o migrante que saiu de seu estado de origem para dar corpo e forma à capital do país, a essência do conhecimento tradicional consolida o resgate de ofício.

Recorrer aos “remédios do mato” e a tudo que a natureza pode prover é uma prática comum entre as comunidades tradicionais de matriz africana. Agora, esses remédios estão sendo também muito procurados por pessoas que têm sua trajetória totalmente ligada à ciência e à vida urbana, mas que hoje reconhecem a importância do conhecimento tradicional e veem no raizeiro a possibilidade de tratamento sem as contraindicações dos produtos da medicina formal.

Eliana Aparecida Silva Santos Feitosa – Doutoranda em Geografia pela Universidade de Brasília. Fotos: Eliana Feitosa.

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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