Povo Puyanawa faz Festival Cultural da Macaxeira
Os povo indígena Puyanawa da região do Alto Juruá, no estado do Acre, está em fase de preparo para uma grande festa. De 14 a 16 de julho, na Terra Indígena do Povo Poyanawa, ou Puyanawa, na Arena Cultural da Aldeia Ipiranga, acontece mais um Festival da Macaxeira, ponto de encontro festivo da comunidade indígena com suas raízes, com sua visão de mundo, com sua tradição.
Coordenado Associação Agroextrativista Poyanawa do Barão Ipiranga – AAPBI, além os produtos da macaxeira, incluindo a caiçuma, bebida típica muito apreciada por nativos e visitantes, o Festival oferecerá uma grande variedade de comidas típicas da região, uma bela e significativa coleção de arte e artesanato indígena, as danças e rituais de Heygmar, ainda hoje praticadas nas festas das tradições da etnia e, as noites, essas sim serão animadas pelas rodadas de Nixipãe (Hew), Xiruê (Rapé), Sananga, Kambô e muita alegria, praticada pelo povo Puyanawa.
O Festival Cultural da Macaxeira faz parte do resgate cultural do povo Puyanawa. Durante muitas décadas, os Puyanawa, assim como muitos povos Acre, sofreram com o crescimento das atividades extrativas da borracha e do caucho na região no início do século XX.
Desde os primeiros contatos com os não-índios, muitos morreram em confrontos ou por doenças adquiridas nesse processo. Os sobreviventes foram forçados a trabalhar nos seringais e viram rapidamente o seu modo de vida ser ceifado em decorrência dos métodos utilizados pelos “coronéis da borracha” para ter os índios sob seu jugo.
Os Puyanawa foram expropriados de suas terras, catequizados e educados em escolas que proibiam a expressão de qualquer traço de sua cultura. Somente com o início do processo de demarcação de seu território, a cultura Puyanawa voltou a ser valorizada pelos próprios índios, que têm se esforçado para retomar sua língua nativa, tarefa que realizam com dificuldade, tendo em vista o reduzido número de falantes.
Celebrações festivas como o Festival Cultural da Macaxeira em muito contribuem para a recuperação das memórias mitológicas da rica cultura do grande povo povo Puyanawa.
Memórias Mitológicas da Rica Cultura Phêrindawa Vakwu
Nas histórias mitológicas da etnia Puyanawa, Phêyavakwu foi o primeiro homem materializado pelo afermentamento da água e das folhas. Ele passou, na tradição Puyanawa, a representar a gente da folha.
Já a primeira mulher, Dukawá, também originada da mesma Capemba de Paxiubão de que saiu Phêyavakwu, representava gente dos pássaros que dançam sacudindo as penas das asas.
Dukawá, além de ser uma perfeita dançarina das práticas do Hegmar, também trouxe com ela a cultura da pesca, ainda tradicionalmente praticada com alegria e sabedoria pelas mulheres da tribo.
Durante o Festival da Macaxeira, vamos dançar muito Heygmar e saborear os melhores peixes do planeta, aqueles criados pela própria natureza da micro-Bacia do Rio Moa.
Aposta no Desenvolvimento Sustentável como meio de sobrevivência, manutenção da vida Puyanawa e salvação do planeta
Com apoio do PDA (Plano de Desenvolvimento da Amazônia), todo ano o povo Puyanawa produz o suficiente para garantir a segurança alimentar de toda a comunidade sem destruir os recursos naturais do planeta. Já contam cerca de 25 anos sem provocar nenhum desmatamento na área do alargamento da fronteira agrícola.
Para manter seu modelo de produção e de vida sustentável, o povo Puyanawa vem realizando campanha dentro e fora do país com vistas a adquirir por conta própria e com auxílio de seus aliados as terras de onde foram sequestrados no tempo do coronelismo.
A campanha pela ampliação do território Puyanawa, assim como a reativação da cultura Ayhuasqueira no calendário da práticas de vida e cultura tradicional no cotidiano Puya, farão parte dos grandes debates a serem realizados no Festival da Macaxeira.
Eu já comprei minha passagem para participar desta festa imperdível. Venha você também!
foto: pib.socioambiental.org
SOBRE OS PUYANAWA
Os Puyanawa são um povo indígena de cerca de 540 pessoas, segundo dados da Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), 210. Os dados a seguir foram encontrados no site: https://pib.socioambiental.org/pt/povo/puyanawa
Língua
A língua puyanawa pertence à família linguística pano.
Entre os Puyanawa, a primeira pessoa que despertou para a necessidade da manutenção linguística do grupo foi Railda Manaitá, que, mesmo sem apoio externo e material pedagógico, tentou inculcar nos outros índios este valor, através de aulas onde a língua era ensinada. Para estas aulas, criou um alfabeto, baseado no Português, e fez uma lista de palavras e frases na língua.
A língua puyanawa é chamada pelos falantes de Ûdikuî, “língua verdadeira”. O número de falantes ativos era, à época do levantamento de campo (julho de 1990), de doze, em uma população de 385 pessoas.
É interessante destacar que as crianças, que seriam os elementos perpetuadores da língua, são monolíngues em Português, o que gera um processo de obsolescência linguística ou a possível extinção deste valioso patrimônio cultural.
Texto de Aldir Santos de Paula, 1992
Língua ameaçada
A língua puyanawa começou a desaparecer por volta de 1910, quando os índios foram sequestrados e escravizados a mando do Coronel Mâncio Agostinho Rodrigues Lima para trabalhar na extração de borracha e em demais serviços de sua fazenda. A primeira providência dos seringalistas foi proibir o uso do idioma indígena e criar uma escola para que todos aprendessem o português. Quem falava Puyanawa era duramente castigado.
Nas últimas décadas, morreram quase todos os falantes da língua, que eram crianças à época do contato. Após a escravização, os índios passaram a ter vergonha do idioma, que ficou quase esquecido. Em 2009, dos cerca de 500 índios puyanawa, apenas três falavam o Puyanawa: Railda Manaitá, 79, a única fluente na língua; seu irmão, Luiz Manaitá, 85; e o ex-cacique Mario Puyanawa, 65.
Apesar do esforço em retomar a língua, os resultados ainda são limitados: nenhum aluno consegue manter um diálogo em Puyanawa.
Texto de Luiza Bandeira/Folha de São Paulo, 2009
Foto: www.agencia.ac.gov.br/Flaviano Schneider
História do contato
A partir das duas últimas décadas do século 19, os territórios indígenas ricos em caucho e seringa, situados na região banhada pelos rios Juruá e Purus, foram violentamente invadidos por grupos de caucheiros, seringueiros e seringalistas.
No ano de 1888 foi iniciada a exploração por não-índios do rio Moa, afluente do Juruá. Quatro anos depois, todo o rio, inclusive seu braço principal, chamado Azul, encontrava-se povoado pelos exploradores da região. É nesta época, 1893, que surgem as primeiras notícias sobre a presença de índios de língua Pano no Paraná dos Moura e no rio Moa. Alguns anos depois, em 1905, o prefeito do Alto Juruá, Gregório Taumaturgo Azevedo, informou sobre a existência de aldeamentos nas vertentes do Moa.
O rápido avanço das atividades de exploração da borracha nesta região levou à eliminação de grande parte da população nativa. Alguns grupos, à medida que tinham seus territórios ocupados, abandonavam suas casas e roçados e procuravam refúgio nas cabeceiras dos rios ou em áreas ainda inexploradas.
É o que se percebe a partir da leitura da carta do Coronel Mâncio Lima, na qual afirma que desde 1900, quando iniciou a exploração de suas propriedades, vinha tentando estabelecer contato com os índios que habitavam as terras entre o Paraná dos Moura (ou da Viúva) e o rio Moa sem, no entanto, obter resultados satisfatórios. Em carta enviada ao SPI (Serviço de Proteção aos Índios), em 1913, informou que seu intuito era catequizá-los.
Foto dos Puyanawa em 1913 – crjurua.blogspot.com
Primeiros Contatos
Em 1904, os índios voltaram a entrar nas casas dos seringueiros e pegaram ferramentas, roupas etc. Desta vez alguns foram localizados em um varadouro e não conseguiram fugir. Estes ensinaram o caminho até a aldeia, mas quando chegaram, ela já estava vazia. Dez dias depois, em uma nova tentativa, depararam com a aldeia queimada.
No ano de 1911, Antonio Bastos, funcionário do [José Carlos Levinho, 1984]SPI, acompanhado do irmão de Mâncio Lima, de cinco índios do alto Moa, um mateiro e outras pessoas, tentaram localizar os Puyanawa. Desta vez encontraram apenas grandes roçados e malocas vazias.
Resolveram então subir o rio Juruá com o objetivo de trazer alguns Yaminawa para auxiliá-los na atração dos índios, mas não obtiveram êxito. No final do mesmo ano, foi organizada uma nova expedição, desta vez bem sucedida, em que passaram a noite entre os Puyanawa. Após isso, o Coronel Mâncio Lima solicitou apoio governamental para catequizar os índios que há dez anos estavam no centro de seu seringal.
Aqueles que ficaram no Igarapé Preto foram localizados pela equipe de atração dirigida por Antonio Bastos. Os índios contam que estavam dentro da maloca quando foram surpreendidos com gritos na sua língua, para não correrem. As duas portas da maloca foram cercadas, mas as mulheres, assustadas, conseguiram fugir levando quase todas as crianças.
Os homens, no outro dia, foram buscá-las na mata. Algum tempo depois foram todos conduzidos para o Igarapé Bom Jardim, afluente do Moa, onde fizeram dois roçados. Ficaram neste lugar apenas um ano, sendo em seguida transferidos para o igarapé da Maloca, na Fazenda Barão do Rio Branco.
No ano de 1913, o Coronel Mâncio Lima foi informado por intermédio de um seringalista do Riozinho sobre a presença de índios na região. Foi enviada uma expedição que desta vez contou com a participação dos Puyanawa. Conseguiram atrair o grupo de Napoleão, que também foi levado para o igarapé da Maloca.
Sobre a “pacificação” dos índios no Departamento do Juruá, o Prefeito Rego Barros, informou em seu relatório de 1914 que Antonio Bastos “[…] trouxe mais de oitocentos silvícolas a relação amistosa com os seringueiros, permitindo o alargamento do campo de ação da industria extrativa e o terceiro [Mâncio Lima] que tinha o trabalho dos seus seringais perturbados por indígenas vizinhos, conseguiu após um esforço de mais de 12 anos, com vultoso dispêndio de numerário, aproximá-los com o auxílio de Antonio Bastos, localizando na sua fazenda Barão do Rio Branco, no rio Moa, 150 indivíduos da tribo Poyanawa, apresentando alguns belos tipos físicos, vários deles com estatura fora do comum entre os indígenas”.
Os índios permanecem na fazenda Barão do Rio Branco por pouco tempo, pois não se adaptaram ao novo local por diversos motivos, um dos quais o trabalho forçado, o que ocasionou a fuga do grupo. Apenas um homem não conseguiu fugir por estar no igarapé Bom Jardim.
Este índio foi obrigado a seguir o rastro do grupo que se dividiu em três, mas mesmo assim, foram localizados novamente. Nesta captura o tuxaua Napoleão foi assassinado a tiros friamente pelo capanga de Mâncio Lima. Após a morte do líder, o grupo dispersou-se, atravessando o rio Azul.
Os outros dois grupos foram encontrados e levados de volta para o seringal. Finalmente o grupo disperso foi localizado por acaso, pois os Puyanawa utilizaram vários artifícios para confundir o rastreador.
Depois de capturados os homens foram açoitados e reconduzidos para o igarapé da Maloca.
Logo que chegaram, uma epidemia de sarampo dizimou grande número de índios. Aqueles que sobreviveram, foram transferidos para a Colocação Ipiranga.
Texto de José Carlos Levinho, 1984
Período do “cativeiro”
De 1915 a 1950 foi o período que os índios denominaram de “cativeiro”. Os homens foram separados de suas mulheres e enviados para as colocações de seringa onde trabalhavam durante todo o ano: no verão cortavam seringa nas margens do rio Moa e no inverno, nos “centros” do seringal.
As mulheres e os velhos ficavam encarregados das atividades agrícolas. Plantavam grandes roçados de milho, mandioca, arroz, cana-de-açúcar e feijão. Eram obrigados também a fazer longas caminhadas transportando paneiros de farinha e de açúcar e as pélas de borracha.
Somente no final da década de 1930 as mulheres foram dispensadas dos trabalhos na lavoura e receberam permissão para morarem com os homens nas colocações espalhadas no seringal.
Esse período é muito vivo na memória dos velhos Puyanawa. Viveram como verdadeiros escravos do Coronel Mâncio Lima, proprietário do seringal Barão do Rio Branco. Não tinham direito a nada, nem sequer a uma parte ínfima do seu antigo território. Foram completamente expropriados de suas terras. Passaram a fazer todos os tipos de trabalho braçal e pesado no seringal Barão e em troca recebiam a alimentação diária e umas poucas mudas de roupas.
De fato foram os Puyanawa que desenvolveram o seringal Barão, construindo estradas carroçáveis, ligando a sede deste seringal à Vila Japiim e daí à cidade de Cruzeiro do Sul. Movimentaram os engenhos de cana-de-açúcar e as casas de farinha, derrubaram as matas para abrir roçados, canaviais e pastos para o gado, abriram as estradas de seringa na mata e fabricaram muitas pélas de borracha.
A decadência do Seringal Barão do Rio Branco, após a morte do Coronel Mâncio Lima em 1950, os Puyanawa foram liberados, finalmente, do regime de servidão a que foram submetidos.
Somente depois disso os Puyanawa fizeram roçados para as suas famílias, algo que até então eram impedidos de fazer. Continuaram produzindo borracha, apesar da crise desta economia da região, mas ainda eram obrigados a pagar pelo uso das estradas de seringa aos herdeiros de antigo dono do seringal.
O pagamento da “renda das estradas de seringa” significava que os Puyanawa não tinham direito a nenhuma parte de seus antigos territórios e assim continuavam a viver em suas terras como intrusos.
Apenas em 1977 a Funai realizou os primeiros estudos para identificação da Terra Indígena Poyanawa, que foi homologada em 2001.
Texto de Terri Valle de Aquino, 1985