TEMPO DE PANAPANÁ

TEMPO DE PANAPANÁ

Tempo de Panapaná

Entra ano e sai ano e sempre nesta época de quebra das águas, como se diz para o início da vazante dos rios na Amazônia ou início do chamado verão amazônico no mês de julho, nos deparamos com inúmeras e coloridas panapanás. Panapaná é um termo de origem tupi que se refere a um bando de borboletas.

Por Carlos Durigan e Francisco F. Xavier Filho

Especialmente no ano de 2020, um ano particularmente trágico e triste para quem vive na Amazônia, seja em razão da pandemia de Covid19 que nos atingiu tão fortemente, seja pelo aumento da degradação e destruição ambiental que vem aumentando significativamente nos últimos dois anos, estamos testemunhando grandes panapanás por toda Manaus, o que para muitas pessoas é um alento e trás boas energias e inunda nossos sentidos de beleza.

Este fenômeno sazonal é observado em quase toda a Amazônia. É justamente nesta época de início da vazão das águas dos rios amazônicos que diversas espécies de borboletas começam a se expor nas margens e praias formando ambientes atrativos. Elas se juntam numa verdadeira procissão rumo a locais onde já existam solos ou bancos de areia expostos, onde podem encontrar sais minerais essenciais para o desenvolvimento e reprodução.

Nestes grandes agrupamentos predominam espécies de borboletas amarelas, do gênero Phoebis, mas também vemos grande quantidade de indivíduos de Marpesia, borboletas alaranjadas, e ainda Eunica, de asas acinzentadas e azuladas, mais escuras; mas dependendo do ano e mesmo da região, outros grupos podem ser registrados e grandes agrupamentos multicoloridos de quase uma dezena de diferentes espécies podem ser vistos.

Podemos estimar que esta grande revoada pode chegar a centenas de milhares de indivíduos numa só região. Em um trecho do rio Jaú, afluente do rio Negro, há alguns anos, numa viagem de voadeira de horas, resolvi contar as borboletas amarelas que atravessavam o rio na nossa frente e o fiz por aproximadamente 30 minutos, usando um contador manual que trazia em minha mochila. Pude contar nada menos que 2.700! Impossível não reparar neste fenômeno anual quando viajamos pela Amazônia. No século XIX, o naturalista Henry Bates já registrava em sua passagem pela região: “…todo dia fervilhava o ar de miríades destas borboletas que, em bandos de 3 a 8 milhas de largura, atravessavam o rio, voando todas na mesma direção”.

Nas comunidades rurais, nesta época, elas também se aglomeram sobre flutuantes e trapiches, principalmente em locais onde se lavam roupas, e é comum vermos grandes aglomerações sobre as roupas ensaboadas e mesmo sobre o sabão. Nas grandes cidades amazônicas como Manaus, um fator importante para a sobrevivência destas borboletas em sua passagem pelo ambiente urbanizado, são os fragmentos florestais, assim como quintais e mesmo as árvores em praças e calçadas. Elas dependem destes espaços naturais onde se alimentam nas flores e ainda encontram abrigo para o seu descanso.

Apesar da beleza, há quem diga ainda que, quando esta concentração se avoluma, é sinal de verão forte ou ainda que elas prenunciam tempos de seca e queimadas e por isso as vemos também se concentrarem sobre áreas queimadas em áreas abertas para agricultura. Nos últimos anos, com tempos secos extremos e grandes queimadas, observamos as panapanás mais frequentes e mesmo frequentando áreas urbanas, algo que poderia ser explorado como um potencial indicador de extremos na mudança do clima na Amazônia.

Fiquemos, pois, atentos às panapanás, apreciando-as; mas, ao mesmo tempo, que elas nos sirvam de alerta para cuidarmos melhor de nossas florestas em tempos de verão.

Fonte: Amazônia Real/Fotos: Carlos Durigan

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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