Desgoverno e Crueldade: “morra quem morrer”
“Morra quem morrer”: quem leva o Prêmio Bolsonaro de Crueldade nesta pandemia?
Exatamente um mês atrás, em 3 de junho de 2020, o Brasil atingia a marca de 30 mil mortos na pandemia do coronavírus. Para registro, esta coluna publicou uma série de declarações de Jair Bolsonaro ao longo da crise: “e daí?”, “não sou coveiro”, “lamento, mas fazer o quê?” e por aí vai.
De lá pra cá o número de óbitos dobrou. Bolsonaro continuou fazendo pouco caso da pandemia, como quando condenou o “excesso de preocupação” com a saúde e não com a economia. O máximo de humanidade que tentou demonstrar foi quando pediu ao presidente da Embratur para tocar “Ave Maria” na sanfona em homenagem aos mortos. A cena virou piada mundo afora.
Justiça seja feita, Bolsonaro não foi o único a tratar o morticínio como placar de futebol.
Se lançasse o Prêmio Bolsonaro de Crueldade a competição seria dura.
Desde o início da crise já teve dublê de apresentador e dono de hamburgueria chique dizendo para todos ficarem tranquilos porque a pandemia mataria “apenas” velhos e doentes. Quem se importa com eles, não é mesmo?
Teve coach de investimentos que, para atender o desejo de sua patrocinadora pela retomada da vida normal, reinventou a matemática e previu que a pandemia havia atingido o pico nos idos de abril. Desmoralizado, hoje consegue engajamento apenas quando faz chacota do salário dos atendentes de supermercado.
Teve secretária de Cultura desdenhando o destino de pessoas torturadas na ditadura e de infectadas por coronavírus porque preferia ficar leve a carregar um cemitério nas costas.
Teve empresário jurando que a tragédia anunciada por países como Itália não tinham nada a ensinar por aqui.
Teve cosplay de comentarista político dizendo que nada a ver esse negócio de não poder circular, já que nos EUA milhares de pessoas morriam engasgadas e nem por isso estavam proibidas de se alimentar.
Teve médico candidato a ministro da Saúde torturando a ciência e a razão para dizer que a quarentena aumentava o número de contaminados e outras pérolas do terraplanismo sanitário só para cavar uma vaga na Esplanada.
Teve prefeito no Sul escalando saxofonista para recepcionar os clientes do shopping reaberto antes da hora — e que correu para pedir socorro quando a conta chegou desacompanhada de leitos na UTI.
Teve prefeito no Norte obrigando empregadas domésticas a voltarem aos trabalhos porque eram serviços essenciais.
E teve patroa que mandou a empregada passear com seus cães enquanto despachava do elevador para a morte o filho da mulher que se perdeu no prédio de alto padrão e caiu.
Na quarta-feira (1º), a Enciclopédia da Insensibilidade Brasileira ganhou reforço do prefeito de Itabuna, Fernando Gomes (PTC), velho conhecido da política local. Ele disse em uma live que autorizará a reabertura dos estabelecimentos comercias em sua cidade “morra quem morrer”.
A declaração assusta pela crueza, mas está em consonância com atos, omissões e palavras, ditas ou não ditas, de uma classe dominante que segue ranzinza, azeda, medíocre, cobiçosa e que impede o país de seguir em frente, como descreveu há anos o sociólogo Darcy Ribeiro.
Nas lives da vida, mudam os meios, mas não a mensagem escrita desde o Brasil colônia: quem fala é sempre a velha elite escravocrata que jamais saiu de cena.
Fosse de outra forma, o dono de uma investidora da moda não teria dito, há algumas semanas, que o país ia bem no controle do coronavírus porque o pico da doença nas classes altas já havia sido atingido.
Em outras palavras: quem morreria dali em diante era quem nunca jamais importou em vida.
O contato com a Covid-19 será, como já é, uma sentença de morte anunciada para povos indígenas, e populações periféricas, a maioria negra.
Isso não parece franzir a testa de quem tem pressa em escalar seus empregados para fazer girar as rodas da normalidade em bares, restaurantes, transporte público, arenas esportivas e centros de lazer e consumo. Nem que seja de automóvel, como fizeram os gestores de um shopping em Botucatu (SP).
Carro e passeio no shopping sempre foram duas instituições nacionais. A vida é descartável, a depender de quem está vivo.
Fonte:BR Notícias
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