A ESCOLA CONFORME PAULO FREIRE

A Escola, conforme Paulo Freire

Escola é… é criar ambiente de camaradagem, é conviver, é se “amarrar nela”! Ora, é lógico../Numa escola assim vai ser fácil/ estudar, trabalhar, crescer,/fazer amigos, educar-se,/ser feliz.

Paulo Freire

Por Paulo Freire

o lugar onde se faz amigos
não se trata só de prédios,
salas, quadros,
programas, horários, conceitos…
Escola é, sobretudo, gente,
gente que trabalha, que estuda,
que se alegra, se conhece, se estima.
O diretor é gente, o coordenador
é gente,
o professor é gente, o aluno é gente,
cada funcionário é gente.
E a escola será cada vez melhor
na medida em que cada um
se comporte como colega,
amigo, irmão.
Nada de “ilha cercada de gente
por todos os lados”.
Nada de conviver com as
pessoas e depois descobrir
que não tem amizade de ninguém
nada de ser como o tijolo
que forma a parede,
indiferente, frio, só.
Importante na escola não
é só ajudar, não é só trabalhar,
é também criar laços de amizade,
é criar ambiente de camaradagem,
é conviver, é se “amarrar nela”!
Ora, é lógico…
Numa escola assim vai ser fácil
estudar, trabalhar, crescer,
fazer amigos, educar-se,
ser feliz.

Paulo Freire – (1921 –1997) – Patrono da Escola é… é criar ambiente de camaradagem, é conviver, é se “amarrar nela”! Ora, é lógico../Numa escola assim vai ser fácil/ estudar, trabalhar, crescer,/fazer amigos, educar-se,/ser feliz.. Por seu método inovador de alfabetização emancipadora de pessoas adultas e por sua proposta amorosa de mudar o mundo pela Educação, o educador brasileiro mais lido e respeitado no planeta encontra-se sob ataque do atual governo do Brasil.

Paulo Freire MST

Foto: MST

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Por Beto Seabra 

Prezado mestre Paulo Freire,

Em 2016 finalizei a minha primeira experiência audiovisual, ao lançar o documentário Leitores sem fim, que conta a histórias de pessoas que encontraram na leitura, ou no abrigo das bibliotecas, uma saída para suas vidas.

O personagem que me levou a fazer o documentário não esteve presente no produto final. Dorival, um ex-catador de lixo que virou doutorando em linguística quando eu começava a buscar personagens para o meu filme, acabou por desistir de contar a própria história, por razões que não valem a pena explicitar aqui.

Mas conhecer a trajetória de Dorival, que ao buscar alumínio e papelão em um lixão na periferia de São Paulo acabou por juntar uma pequena biblioteca em casa que o levou de volta para a escola e dali para a universidade, me fez desejar buscar outras personagens para o meu propósito. Encontrei essas pessoas no Rio de Janeiro, ao visitar diversas bibliotecas quando iniciava a pesquisa para o meu documentário.

Ali conheci Elizabeth, que limpava os banheiros na Secretaria de Cultura do Estado quando, ao mostrar interesse por uma estante de livros que havia em uma das salas da secretaria, foi convidada por uma servidora a compor a equipe que iria cuidar da nova Biblioteca Parque de Manguinhos, localizada em um bairro da Zona Norte do Rio que abriga a sede da Fundação Oswaldo Cruz, um belíssimo prédio em estilo neomourisco, e que um tempo atrás virou motivo de memes na internet em razão de uma referência de mau gosto feita por uma médica negacionista ligada ao ex-governo federal.

Mas o que nos interessa aqui é a história de Elizabeth, que imaginava que estava sendo convidada para limpar os banheiros da Biblioteca de Manguinhos, e pensou: “meu sonho é trabalhar em um lugar onde eu possa estar perto dos livros”, quando soube que seria na verdade auxiliar de bibliotecária.

Quando finalmente a entrevistei para o documentário, Elizabeth já estava matriculada em um curso de Letras, em uma faculdade particular e com bolsa de estudos. Seu sonho era ser professora de Literatura. Espero que tenha conseguido.

Ali também conheci Daiana, mulher negra e de infância pobre, mas que pelo caminho da leitura terminou os estudos e se tornou professora de dança na Biblioteca de Manguinhos. Perdi o contato com Daiana, ela que foi uma das entusiastas na divulgação do documentário entre os moradores da sua comunidade, até que em 2020 recebi uma triste notícia. Daiana foi uma das vítimas da Covid-19.

Uma mulher jovem, que estava no auge da carreira de formadora de bailarinas, e que teve a vida interrompida por uma pandemia que poderia ter sido controlada desde o início, não tivesse o nosso país imerso naquilo que você tão bem classificou ao escrever sobre a lógica desumanizadora da vida:

“O sadismo aparece, assim como uma das características da consciência opressora, na sua visão necrófila do mundo. Por isto é que o seu amor é um amor às avessas – um amor à morte e não à vida” (Pedagogia da Autonomia, 1996, p.47).

Não é impressionante que esse seu texto de 1996 estivesse tão atual no Brasil de 2021?

Mas vamos em frente, pois quero lhe contar sobre outras figuras maravilhosas que conheci ao produzir o documentário Leitores sem fim.

 
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Na Biblioteca Parque da Rocinha entrevistei o historiador Fernando Ermiro, nascido e criado na favela, e que quando o conheci ocupava o cargo informal de agitador cultural daquele espaço e que hoje, eu descubro dando uma googlada no nome dele, promove cursos pela internet para que as crianças e os adolescentes de sua comunidade possam continuar se educando durante a pandemia e com as escolas fechadas.

Ermiro disse uma frase que nunca me esqueci: “Tem uma fala do Lima Barreto, na inauguração da Biblioteca Nacional, em que ele diz: ‘é um prédio imponente, que assusta. Então a população ‘mais baixa’ não vai entrar porque não vai se sentir convidada.

A Biblioteca Parque da Rocinha tem essa mesma característica. É um prédio muito bonito. E o camarada passa lá fora e acaba achando que isso aqui não é para ele. Então a gente precisa tornar claro, para o público, que isso aqui é público”.

Uma frase simples: “Tornar claro, para o público, que isso aqui é público”.

Mas não é isso que precisamos fazer de mais urgente? Mostrar que a escola pública é do público? Que o hospital público é do público? Parece tautológico, parece óbvio, mas não é. O morador da favela se sente em casa na rua, ou no boteco, discutindo futebol, mas um prédio bonito e repleto de livros o constrange. O que fazer?

E aí me lembro novamente de você, professor Paulo Freire, quando fala da boniteza das coisas. Assim como é fundamental instalar a boniteza na educação e na escola, eu acredito também em uma biblioteca bonita, mas que também seja um lugar para se fazer amizades, para ler e sonhar, estudar e se divertir, trabalhar e refletir. Um lugar onde o leitor se sinta em casa.

E isso se faz desde cedo, levando as crianças e os adolescentes para dentro da casa dos livros, e que essa casa dos livros, por ser muito, mas muito bonita mesmo, possa competir com o shopping, como bem disse outra entrevistada em meu documentário.

Saio da Rocinha e vou para o centro do Rio de Janeiro, perto da Central do Brasil, por onde passam milhares de trabalhadores todos os dias, a caminho do trabalho ou de casa. A trezentos metros da principal estação de trens urbanos da cidade está a Biblioteca Parque Estadual.

Ali conheci a menina Núbia, moradora de rua, que, ao contrário de muitos moradores da Rocinha, não se constrange com a beleza do lugar. Quando não está vigiando carros ou dormindo, ela está dentro da biblioteca, vendo vídeos ou conversando com os amigos, pois não sabe ler.

Núbia adora a biblioteca, mesmo não entendendo uma linha do que está escrito em qualquer dos milhares de livros expostos no lugar. Não é incrível isso? Deixo que ela mesma explique, em palavras simples e certeiras:

“Aqui você faz amizade, conversa, aprende. Vê vídeos, cinema, teatro. Eu gosto daqui, desde que eu entrei. Só não leio os livros, é a única coisa, mas eu sei que um dia eu vou tá aprendendo”.

Núbia é moradora de rua, não sabe ler, mas adora a Biblioteca Parque Estadual do Rio de Janeiro. Quer boniteza maior do que essa? Se conseguíssemos espaços lindos e acolhedores como este em número suficiente para abrigar as milhões de Núbias que estão em busca de educação, cultura, arte e…amizades, não seria uma revolução?

A cada entrevista que eu fazia para o Leitores sem fim, mais crescia a minha vontade de mostrar ao mundo que aquelas pessoas precisavam de algo muito simples para deixarem a feiura da miséria e entrarem na beleza do mundo do conhecimento, seguindo uma utopia que você tão bem explicitou em um depoimento:

“Um dia este país há de se tornar menos feio. Ninguém nasceu para ser feio. Este país será mais bonito na medida em que a gente lutar com alegria e com esperança…” (Dicionário Paulo Freire, p. 61).

Outro morador de rua que conheci no Centro do Rio de Janeiro, Alexander, me disse que quando está frio e chovendo, e ele não consegue vender nada nos semáforos, é na biblioteca que ele se refugia, onde aproveita para buscar emprego pela internet, conversar com as pessoas e ler, ainda que soletrando com dificuldade frases simples de livros infantis. “E aqui tem ar-condicionado e banheiro limpo”, finaliza.

Se essas duas coisas são importantes para quem já tem isso em casa e busca uma biblioteca “apenas” para estudar, imagine para quem leva uma vida como a de Alexander?

Seu amigo Márcio Evangelista, também morador de rua, não esconde que a biblioteca também pode ser um espaço para ele fugir do que mais o ameaça:

“Às vezes quando eu tô a fim de usar droga eu venho pra cá pra dentro, porque aqui dentro eu não posso usar…Pelo menos até sete horas, até a hora de fechar, eu consigo esquecer desse…”

As reticências na fala de Márcio podem ser preenchidas com a palavra crack, que ele não conseguiu pronunciar durante a gravação. E se a biblioteca funcionasse 24 horas e permitisse, de alguma forma, que ele trocasse as drogas pesadas pelos livros e pela internet, tão importante para ele conseguir se comunicar com a família, que só aceitará ele de volta quando deixar o vício?

Não consigo ver nada mais bonito e acolhedor, hoje, quando o nosso país está estraçalhado por uma pandemia que não cessa e por uma guerra cultural entrincheirada dentro do nosso próprio governo contra a educação e a arte libertadoras, do que uma imensa, bela e democrática biblioteca.

Quando a crise sanitária passar, as pessoas precisarão de lugares de encontro, que não sejam apenas espaços para festas e lazer, e imagino milhares de bibliotecas abertas para receber crianças, jovens e idosos; estudantes, trabalhadores e desempregados; pobres, remediados e miseráveis, que estarão sedentos por vida e pelo conhecimento, que por sua vez gera uma vida mais bonita e boa de ser vivida.

Soube dia desses, por uma postagem nas redes sociais, que em uma biblioteca na Dinamarca você pode “pegar emprestado” uma pessoa em vez de um livro para ouvir a história de sua vida por trinta minutos. Cada pessoa tem um título. Pode ser “um desempregado, um refugiado, um bipolar”, continua a notícia, e ao ouvir tais histórias você percebe que não pode julgar uma pessoa pela aparência, assim como não se julga um livro pela capa. O projeto se chama “Biblioteca Humana”.

Vejo essa ideia como mais uma aproximação daquilo que você, Paulo Freire, chama de dialogicidade. E cito uma frase que aparece novamente em sua Pedagogia da autonomia, um livro que leio e releio para aprender todos os dias:

“Testemunhar a abertura aos outros, a disponibilidade curiosa à vida, a seus desafios, são saberes necessários à prática educativa” (op. Cit. P. 153).

Leitores sem fim não termina com uma fala, mas com um clipe de imagens de mais ou menos um minuto, apenas com uma música ambiente, mostrando o trabalho feito pela professora Daiana com as crianças e adolescentes da comunidade de Manguinhos.

Depois de mais de trinta minutos falando de livros e leitura, por que terminar o documentário com dança e música? A ideia não partiu deste diretor e roteirista, mas sim do editor do filme, que ao final achou que tinha muitas imagens bonitas ainda não utilizadas e me sugeriu fazer esse final sem palavras. Na montagem final vi que a ideia era boa e deixei assim.

Mas, hoje, vejo que a decisão do montador do filme foi além do mero intuito de produzir “beleza plástica” a uma obra já encharcada de histórias e palavras. Ao mostrar o trabalho da Daiana e de suas meninas, Leitores sem fim parece dizer que o resultado final do conhecimento, da educação, da arte e da cultura são justamente isso: a beleza.

Mais paulofreireano do que isso, impossível!

Um abraço do Beto Seabra

Brasília, inverno de 2021.

Beto Seabra – 13/04/23 – Texto publicado originalmente em 2021, no livro Cartas a Paulo Freire: escritas por quem ousa esperançar (vol. 3), lançado pela Editora da Universidade Estadual da Paraíba.

Paulo Freire governo do Ceara
Foto: Governo do Ceará
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Como o legado de Paulo Freire é visto no exterior

 
Tratada pelo governo Bolsonaro como bode expiatório da má qualidade do ensino público brasileiro, a obra do educador Paulo Freire (1921-1997) pode ser controversa. Mas o trabalho do pedagogo e filósofo, nomeado em 2012 patrono da educação brasileira e autor de um método de alfabetização que completou 50 anos em 2013, não deixa de ser bastante relevante nas discussões mundiais sobre pedagogia.
Freire é estudado em universidades americanas, homenageado com escultura na Suécia, nome de centro de estudos na Finlândia e inspiração para cientistas em Kosovo. De acordo com levantamento do pesquisador Elliott Green, professor da Escola de Economia e Ciência Política de Londres, na Inglaterra, o livro fundamental da obra do educador, ‘Pedagogia do Oprimido’, escrito em 1968, é o terceiro mais citado em trabalhos acadêmicos na área de humanidades em todo o mundo.
Para especialistas em educação ouvidos pela BBC News Brasil, entretanto, a raiz da controvérsia em torno da pedagogia de Paulo Freire não é sua aplicação em si – mas o uso político-partidário que foi feito dela, historicamente e, mais do que nunca, nos dias atuais.
“Li a maior parte dos livros dele. Minha tese de doutorado foi amplamente baseada em seus ensinamentos. Tenho aplicado seu método de várias maneiras em minha carreira profissional, na prática e na pesquisa”, afirmou a pedagoga Eeva Anttila, professora da Universidade de Artes de Helsinque, na
“A maior vantagem de sua metodologia é a abordagem anti-opressiva e não autoritária, a pedagogia dialógica e respeitosa que ele promoveu. O problema é que suas ideias têm sido usadas para fins políticos – o que, em meu entendimento, nunca foi seu propósito inicial”, disse a finlandesa.
Freire tornou-se conhecido a partir do início dos anos 1960. Ele desenvolveu um método de alfabetização de adultos baseado nos contextos e saberes de cada comunidade, respeitando as experiências de vida próprias do indivíduo. Aplicou o modelo pela primeira vez em um grupo de 300 trabalhadores de canaviais em Angicos, no Rio Grande do Norte. De acordo com os registros da época, a alfabetização ocorreu em tempo recorde: 45 dias.
Painelcvsobre Paulo Freire no CEFORTEPE - Centro de Formação, Tecnologia e Pesquisa Educacional Prof. "Milton de Almeida Santos", em Campinas (SP)Direito de imagemLUIZ CARLOS CAPPELLANO/DOMINIO PUBLICO
Image captionPaulo Freire está entre os pensadores mais citados do mundo

Homenagens pelo mundo

Referência mundial em qualidade do ensino, a Finlândia conta, desde 2007, com um espaço dedicado a discutir a obra do educador brasileiro. O Centro Paulo Freire Finlândia fica na cidade de Tampere.
“É um hub para os interessados em Paulo Freire e em seu legado para tornar o mundo mais igualitário e justo”, de acordo com a definição da própria instituição. Eles publicaram, online, três livros com artigos – em finlandês – analisando a obra do brasileiro. O material teve 17 mil downloads.

Mural de Paulo Freire na Faculdade de Educação e Humanidades da Universidade do Bío-Bío, no ChileDireito de imagemNEFANDISIMO /CC BY-SA 4.0
Image captionUm mural retratando o pedagogo pernambucano na Universidade do Bío-Bío, no Chile

Há centros de estudos semelhantes, todos batizados com o nome do brasileiro, na África do Sul, na Áustria, na Alemanha, na Holanda, em Portugal, na Inglaterra, nos Estados Unidos e no Canadá. Na Suécia, Freire é lembrado em um monumento público.
Localizada no subúrbio de Estocolmo, ‘Depois do Banho’ é uma obra em pedra-sabão esculpida entre 1971 e 1976 pela artista Pye Engström. Sentadas lado a lado, estão retratadas sete personalidades com apelo político, como o poeta chileno Pablo Neruda (1904-1973), a escritora sueca Sara Lidman (1923-2004) e a sexóloga norueguesa Elise Ottesen-Jensen (1886-1973).
Mas a obra do educador brasileiro está longe de ser unanimidade entre os países que costumam liderar o ranking Pisa (sigla em inglês para Programa Internacional de Avaliação de Estudantes).
Em Cingapura, que apareceu na primeira colocação na edição 2016 da avaliação trienal realizada pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) com escolas conhecidas por adotar um método linha-dura, a BBC News Brasil procurou a mais importante instituição de ensino superior do país para saber se algum pesquisador comentaria a obra do brasileiro Paulo Freire.
Professor destacado pela assessoria de comunicação da Universidade Nacional de Cingapura para atender à reportagem, Kelvin Seah disse que “não era a melhor pessoa para comentar sobre Paulo Freire”. “Eu não sou familiarizado com seu método”, afirmou.

Retrato de Paulo FreireDireito de imagemINSTITUTO PAULO FREIRE

Convidado a comentar sobre qual seria o método mais adequado ao contexto brasileiro, o especialista recomendou que os gestores analisassem caso a caso. “O método mais apropriado para os alunos em uma escola depende do perfil dos alunos da escola, do treinamento prévio recebido pelos professores, bem como dos recursos de instrução e financeiros disponíveis para a escola.”

Pedagogia do diálogo nos Estados Unidos

Em artigo acadêmico analisando o legado de Paulo Freire pelo mundo, o professor de filosofia da educação da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, Ronald David Glass aponta que o mérito de Paulo Freire está no método que valoriza a “consciência crítica, transformadora e diferencial, que emerge da educação como uma prática de liberdade”.
“Paulo Freire viveu sua vida no espaço desta consciência; é por isso que inspirou e energizou pessoas no mundo inteiro, e é por isso que seu legado se prolongará muito além de qualquer horizonte que possamos enxergar agora”, escreveu o professor. “Freire sempre estava buscando se tornar mais humano, tornar possível que outros fossem mais humanos e, se acolhermos esta busca com tanto amor e determinação quanto ele, então uma maior medida de justiça e democracia estará ao alcance.”
Professor da Faculdade de Educação da Universidade Cristã do Texas, Douglas J. Simpson causou certa polêmica no meio acadêmico ao publicar, anos atrás, um artigo intitulado ‘É Hora de Engavetar Paulo Freire?’. “Na verdade, não acho que suas ideias devam ser arquivadas”, esclareceu ele à BBC News Brasil.
“Meu texto foi pensado para atrair a atenção daqueles que acham que sempre estamos recorrendo a Freire. Pessoalmente, acho importante descobrir de novo ou pela primeira vez por que precisamos combinar uma forte paixão reflexiva ‘freireana’, de respeito e amor, a pessoas carentes de justiça pessoal.”

Retrato de Paulo FreireDireito de imagemINSTITUTO PAULO FREIRE

Simpson afirma que a pedagogia baseada no diálogo é fundamental “para que a educação e a democracia prosperem, ou pelo menos sobrevivam”. Ele culpa justamente a falta de diálogo pelo fato de as sociedades – e as escolas – estarem fortemente polarizadas politicamente.
“Não temos sido efetivamente ensinados a praticar o diálogo nas escolas, muito menos nos governos.” Para o professor, Paulo Freire ensinou, acima de tudo, que precisamos aprender “a ouvir, a entender e a respeitar uns aos outros” e a “trabalhar juntos nos problemas”.
Considerando o contexto brasileiro, Simpson acredita que não deveria haver uma padronização – ou seja, que as escolas não deveriam seguir todas o mesmo método pedagógico. “As escolas precisam de culturas e responsabilidades que se baseiem em uma ética profissional, políticas e práticas meritórias”, disse.
Para ele, os métodos são necessários, “mas devem ser vistos como revisáveis, porque as escolas, sociedades, trabalhos e aprendizados são dinâmicos”. “A padronização nas escolas muitas vezes leva a uma inércia indevida, de mesmice, de regulamentação estéril”, complementou.
Nos anos 1970, o pedagogo John L. Elias, então professor da Universidade de Nova Jersey, escreveu muito a respeito de Paulo Freire. O educador brasileiro foi tema de sua tese de doutorado. Em texto de 1975, Elias apontou “sérios problemas no método” do brasileiro.
“A teoria da aprendizagem de Freire está subordinada a propósitos políticos e sociais. Tal teoria se abre para acusações de doutrinação e manipulação”, afirmou ele. “A teoria de Freire da aprendizagem é doutrinária e manipuladora?”, provocou.

A escultura "after Bath", em EstocolmoDireito de imagemBERGNT OBERGER/ CC BY-SA 3.0/ PAULO FREIRE FINLAND
Image captionPaulo Freire é a segunda figura, da esq. para a dir., nesta escultura de 1976 de Nye Engström. A obra fica em Estocolmo, na Suécia

Elias apontou que o educador brasileiro via “os sistemas educacionais do Terceiro Mundo como o principal meio que as elites opressoras usam para dominar as massas”. “Conhecimento e aprendizado são políticos para Freire, porque eles são o poder para aqueles que os geram, como são para aqueles que os usam”, argumentou.
Professora de Educação Internacional e Comparada na Faculdade dos Professores da Universidade Columbia, nos Estados Unidos, Regina Cortina já abordou a metodologia de Paulo Freire em diversos estudos sobre educação na América Latina, mas disse à BBC News Brasil que não se sentia “confortável” em comentar o tema no momento “por causa das mudanças administrativas no Brasil”. Cortina afirmou, por meio da assessoria de imprensa da universidade, que não é possível vislumbrar com clareza “como as coisas vão seguir nas escolas brasileiras”.

REPRODUÇAO DA CAPA DO LIVRO PEDAGOGIA DO OPRIMIDO, DA EDITORA PAZ E TERRADireito de imagemEDITORA PAZ E TERRA/ REPRODUCAO
Image captionPrincipal obra de Freire, “Pedagogia do Oprimido” foi escrito em 1968, mas só foi publicado no Brasil anos depois, em 1974

Quais as ideias de Freire?

Para Freire, o ensino ocorre a partir do diálogo entre professor e aluno, desenvolvendo assim capacidade crítica e preparando os estudantes para sua emancipação social. No jargão do meio, o método Freire é o oposto ao conceito “bancário” de educação – aquele no qual o professor “deposita” o conhecimento nas mentes dos alunos. Para Freire, a educação é construída em conjunto.
O método Paulo Freire chegou a ser adotado pelo governo de João Goulart (1919-1976) em esforços para alfabetização de adultos. Com a ditadura militar, entretanto, o educador passou a ser perseguido, chegou a ser preso por 70 dias e viveu no exílio na Bolívia e no Chile. Após a publicação da ‘Pedagogia do Oprimido’, em 1968, Freire foi convidado para ser professor visitante na Universidade Harvard, nos Estados Unidos.
Reconhecido desde 2012 como o Patrono da Educação Brasileira, Paulo Freire é considerado o brasileiro mais vezes laureado com títulos de doutor honoris causa pelo mundo. No total, ele recebeu homenagens em pelo menos 35 universidades, entre brasileiras e estrangeiras, como a Universidade de Genebra, a Universidade de Bolonha, a Universidade de Estocolmo, a Universidade de Massachusetts, a Universidade de Illinois e a Universidade de Lisboa. Em 1986, Freire recebeu o Prêmio Educação para a Paz, concedido pela Unesco, a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciências e Cultura.
Há instituições de ensino que seguem o método Paulo Freire em diversos países. É o caso da Revere High School, escola em Massachusetts que em 2014 foi avaliada como a melhor instituição pública de Ensino Médio nos Estados Unidos. Em Kosovo, um grupo de jovens acadêmicos criou um projeto de ciência cidadã inspirado na pedagogia crítica do brasileiro. Os participantes recebem um kit para monitorar as condições ambientais e, assim, juntos, pressionar o governo por melhorias na área.
“Acredito que seria ótimo que a pedagogia em qualquer escola de qualquer país partisse do pensamento de Freire”, comentou a pedagoga finlandesa Anttila. “Especialmente no Brasil, dada a atual situação política e a história do país.” Ela diz que um método de ensino, para funcionar bem, precisa levar em conta as situações de vida dos alunos. “Não acredito em pedagogia autoritária.
As aulas não precisam ser autoritárias. É preciso diálogo, discussão, negociação, exploração. Construir conhecimento para que haja capacidade de expressar ideias e ouvir os outros. Eis a chave para a democracia. E a educação democrática é a única maneira de salvaguardar uma sociedade democrática”, declarou.
Fonte: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-46830942

Paulo FreireDireito de imagemARQUIVO NACIONAL/ DOMINIO PUBLICO
Image captionPaulo Freire em retrato de 1963

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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