Procura
Fechar esta caixa de pesquisa.

A incivilidade dos mimos

A incivilidade dos mimos

Infantilização perpétua cria adultos despreparados

Por Valério Fabris 

O psicanalista Contardo Calligaris tem reiteradamente advertido, em artigos e entrevistas, para uma das questões que considera entre as mais graves na brasileira. É a infantilização perpétua. Impede-se, sistematicamente, que as sintam tédio e frustrações. Mimos.

As milícias da infantilização vitalícia, formadas por milhões de fanatizados e incansáveis pais brasileiros, receberam a unção dos aiatolás, as autoridades supremas: os avós. O conjunto dessas forças empreende sistemática jihad psíquica. Aprisionando a de hoje a uma só perspectiva de : a de ser sempre criança.

Os pais que dissentem da do fundamentalismo pueril geralmente são condenados ao apedrejamento social. As crianças foram sentenciadas a não ter autonomia, uma vez que são portadoras da missão que lhes é autocraticamente imposta: a de serem felizes. “Ou melhor”, como diz Calligaris, de “encenar a felicidade para os adultos”. Ao mesmo , acrescenta o psicanalista, os pais e avós querem que as crianças cresçam.

“Esses dois deveres são um pouco contraditórios, pois, crescendo e saindo da , a gente descobre, por exemplo, que os picolés não são de graça. Portanto, torna-se mais difícil saltitar sorrindo pelos parques à espera de que a máquina fotográfica do papai imortalize o momento. Em suma, se obedeço ao dever de crescer, desobedeço ao dever de ser feliz”. Assim escreveu o psicanalista no texto intitulado “O direito à tristeza”.

O drama das vastas legiões de crianças mimadas, que se tornam adultos despreparados para a vida, sem ânimo e sem vontade de assumir seus atos, tomados pela depressão ou pela hiperatividade, é resultado de uma infantocracia patrocinada, em tempo integral, por supostos pais e avós. O fato é que crescem em ambientes ricos na paparicação e pobres nos cuidados.

 MIMOS

“Eu mimo, mesmo. E daí?”, desafia o irredutível avô. Em todos os idiomas, excetuando-se o português, mimar é sinônimo de estragar. Por exemplo: spoil (inglês), gâcher (francês), rovinare (italiano), verwöhnen (alemão), estropear (espanhol), ni’ài (chinês), leia (grego), portit’ (russo).

Foi dado aos pais, avós e circundantes, portanto, o inquestionável direito de arruinar uma vida inteira. Sem que o estupro psíquico seja objeto de qualquer sanção. Nasceu assim, como diz Calligaris, um tipo de abuso que é muito mais grave do que a palmatória do passado.

Há a ilusão de que o provimento de todas as necessidades da criança, como a da alimentação, do agasalho e do teto diluem os efeitos do recorrente mimo. Colocam-se as crianças em colégios renomados, fornecendo-lhes, também, atividades extracurriculares, como a academia de ballet, o curso de inglês e as práticas esportivas. A elas são disponibilizados acessos às tecnologias de e às frequentes reuniões com coleguinhas. “Ainda assim”, escreve o psicólogo argentino, Sergio Sinay, “esses meninos e adolescentes são órfãos funcionais”, porque têm pouco contato com a impossibilidade, a frustração e a perda, enfrentando escassos limites que, com frequência, são frouxos e ambíguos.

“Estão cercados de adultos que se comportam como eles e que os imitam, adultos que em sua vida pública e social podem ser bem-sucedidos, poderosos, respeitados, invejados, mas que se negam a ser, além de adultos, maduros”, escreve Sinay, no seu A Sociedade dos Filhos Órfãos” (Editora Best Seller). Calligaris arremata: “Os pais viraram constantes entertainers, estão aterrorizados com a ideia de que as crianças sintam tédio. Mas o tédio é um dos grandes fatores da civilização. Se você não tem tédio, não tem vida interior”.

Conclusão: os avós devem ser, sobretudo, pacientes e obstinados demolidores das incivilidades dos mimos.

Valério Fabris – Jornalista e avô dos gêmeos Manuela e Vicente, em https://avosidade.com.br/a-incivilidade-dos-mimos/

[smartslider3 slider=25]

Deixe seu comentário

UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

PARCERIAS

CONTATO

logo xapuri

posts relacionados

REVISTA

[instagram-feed]