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A LUTA DOS POVOS INDÍGENAS  FRENTE ÀS MUDANÇAS CLIMÁTICAS

A LUTA DOS POVOS INDÍGENAS  FRENTE ÀS MUDANÇAS CLIMÁTICAS

“A relação que resultou na crise climática é anunciada pelos povos originários americanos desde sempre.” Ailton Krenak

Por Maria Letícia 

Mais de 30 mil indígenas das etnias Charrua, Guarani e Kaingang estão entre as milhares de pessoas impactadas pelas inundações no Rio Grande do Sul. Com as enchentes, centenas e centenas de famílias indígenas tiveram que abandonar suas casas, suas lavouras e seus modos de vida nos campos do Rio Grande. Os dados são da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas).

Em consequência, a renda das famílias indígenas está sendo diretamente impactada, gerando insegurança alimentar, umas das maiores preocupações do momento para os movimentos indígenas e órgãos indigenistas, que vêm organizando campanhas de captação de recursos para atender às famílias afetadas pela crise climática. 

O Rio Grande do Sul é o estado sulista com maior quantidade de povos indígenas, com cerca de 36 mil habitantes distribuídos nos municípios gaúchos, segundo os dados do último censo do IBGE (2022). Diante deste quantitativo, pode-se afirmar que praticamente 100% dos povos indígenas que vivem no estado foram atingidos de forma direta ou indireta pelo evento climático extremo.

DECLARAÇÃO URGENTE DOS POVOS INDÍGENAS 

As enchentes que assolam severamente o estado do Rio Grande do Sul persistem desde o final de abril, poucos dias após o encerramento do Acampamento Terra Livre (ATL), e no mesmo período em que a Declaração Urgente dos Povos Indígenas do Brasil foi divulgada nas mídias. 

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ATL 2024 – Foto: Eduardo Weiss

Com o título: “Terra, Tempo e Luta”, a Declaração foi lida em 26 de abril, último dia do ATL. O texto, assinado por dezenas de organizações indígenas, marca a resistência dos povos indígenas na luta pela terra, além de seus direitos fundamentais, e deixa um alerta em relação à situação climática no Brasil, destacando a importância da preservação ambiental para combater o aquecimento planetário. 

Diz um trecho da Declaração:

Rejeitamos veementemente qualquer tentativa do governo federal de retomar políticas públicas sem garantir o essencial: a demarcação, proteção e sustentabilidade dos territórios indígenas em primeiro lugar. Qualquer iniciativa que não priorize esses aspectos será apenas uma medida paliativa e insuficiente. É fundamental que a demarcação de terras seja respeitada e protegida, sem desvios ou manipulações, incluindo ações que visem desvirtuar esse processo, como as declarações recentes do presidente Lula. Os direitos territoriais dos povos indígenas são INEGOCIÁVEIS e devem ser preservados a todo custo.

Além disso, o documento destaca a Lei nº 14.701, a lei do marco temporal, sancionada no final de 2023, identificada na Declaração como a “Lei do Genocídio Indígena”, onde ficam evidentes os interesses ruralistas e a tentativa de desmonte da política indigenista.

O Parlamento brasileiro tem virado as costas para a causa indígena e ambientalista no país, ignorando fatores indiscutíveis em relação à preservação e à proteção dos direitos indígenas. Ou seja, ignorando uma população que é considerada uma das mais vulneráveis diante das mudanças climáticas.

A IMPORTÂNCIA DA DEMARCAÇÃO E DA PRESERVAÇÃO AMBIENTAL NAS TERRAS INDÍGENAS

A liturgia dos processos demarcatórios pode demorar anos, prejudicando diretamente o modo de vida e a segurança de diversos povos indígenas, como é a realidade dos povos que vivem na região do Rio Grande do Sul.

Em pesquisa realizada pelo laboratório jornalístico da UFRG, cerca de 65 terras indígenas aguardam demarcação no Rio Grande do Sul.

Ainda segundo o levantamento, o estado tem falhado em atender às especificidades dos povos indígenas que vivem no Rio Grande do Sul. Há um longo e recorrente histórico de protestos e reivindicações dos povos Kaingang, Guarani e Charrua, que vivem em constante disputas fundiárias com os ruralistas da região.

A morosidade de um processo de demarcação pode acarretar diversos tipos de insegurança, por isso é imprescindível que o governo garanta o direito dos/as indígenas às suas terras tradicionais, o que é fundamental para garantir autonomia, segurança e proteção de seus direitos originários. “Os povos que mais preservam o meio ambiente são os que mais sofrem com as mudanças climáticas”, dizem especialistas e lideranças indígenas.

No âmbito geral, os povos indígenas possuem exímios conhecimentos sobre a fauna e a flora, eles são capazes de viver em um território e manejá-lo sem degradar o meio ambiente e, ao invés disso, contribuir para a conservação da natureza que os cerca.

De acordo com o MapBiomas, entre os anos 1985 e 2022, as terras indígenas ocupam cerca de 13% do território brasileiro, sendo 112 milhões de hectares (ha) e 19% de toda a vegetação nativa do país, chamando a atenção para a grande necessidade de demarcar e homologar mais terras indígenas, que é uma das grandes reivindicações de diversos povos.

Entretanto, ainda existem diversas barreiras para que os processos de demarcação e homologação avancem, sendo um deles o atual Parlamento, que não mede esforços para prejudicar e atrasar os processos demarcatórios.

A demarcação e proteção de territórios indígenas é uma garantia pétrea resguardada pela Constituição Federal, portanto, é inaceitável que quem mais preserva o meio ambiente esteja entre uma das populações mais vulneráveis e afetadas pelas mudanças climáticas. Apesar dos incessantes protestos da luta indígena chamando atenção dos Poderes quanto à importância da preservação do meio ambiente, ainda há um longo percurso para ser traçado rumo à plena garantia de seus direitos originários.

OS POVOS INDÍGENAS DO RS PRECISAM DO SEU APOIO SOLIDÁRIO

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Casa destruída pelas chuvas na comunidade Kaingang – Foto: Divulgação/ Arpinsul

Para enfrentar esta tragédia climática, a Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (ARPINSUL) e demais instituições indígenas e indigenistas estão se mobilizando em ação conjunta que está concentrando todos os esforços em uma campanha centralizada, voltada para prestar apoio às vítimas das fortes chuvas que estão afetando territórios e populações indígenas que vivem no Rio Grande do Sul.

Os povos indígenas do Rio Grande do Sul carecem ainda mais de apoio e assistência nesse cenário de evento climático extremo e, diante desta urgência, o seu apoio será fundamental para ajudar na garantia de alimentação e recuperação das comunidades afetadas.

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Maria Letícia Marques – Voluntária da Revista Xapuri.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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