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A PRAÇA DOS TRÊS PODERES E A REVOLUÇÃO DOS POMBOS

A PRAÇA DOS TRÊS PODERES E A REVOLUÇÃO DOS POMBOS

A PRAÇA DOS TRÊS PODERES E A REVOLUÇÃO DOS POMBOS

É com zelo e parcimônia que Maria Félix Fontele vai contando a história de Mariana e sua sua visita à Praça dos Três Poderes, ela encantada com os monumentos, com as formas retilíneas e geométricas do famoso arquiteto.

Tanta diferença nas construções que lembrou dos versos do Poeta cordelista, seu primo: “Caatinga do Padim Ciço/ caatinga do Frei Damião/Do romeiro com sua fé/ Nas estradas do sertão/ Deus e o diabo na luta/Pra haver transformação”. Procura pelo Pombal de Jânio e lembra das mais de 180 mil mortes ceifadas pela Pandemia. No outro dia a Praça foi invadida por milhares de pombos – eles sentem o amor e Mariana fez o chamado: eles ouviram – Coisas do realismo fantástico

Enfim, Mariana de Castro começava a avistar a Praça dos Três Poderes. Passara ao lado do Congresso Nacional, cujas cúpulas pareciam flutuar sob o sol ainda brilhante do final da tarde. Antes do motorista do táxi parar o carro, ela suspirou ao ver as formas retilíneas e geométricas do Palácio do Planalto com suas colunas pontiagudas cravadas no chão, e a cobiçada rampa, em sentido contrário, a alcançar o topo.
Desceu da condução, retirou a máscara porque não havia ninguém por perto, e queria respirar um pouco daquele ar. Mas um sentimento de solidão lhe invadia, ao se ver no meio daquele enorme pátio vazio de mais de 26 mil metros quadrados. Absorta e quase imóvel, via os monumentos. Em frente ao Supremo, a estátua “A Justiça” modelada pelas mãos de Alfredo Ceschiatti, a lhe dar a imponência das deusas greco-romanas, espécie de Atena dos trópicos com olhos vendados em sinal de imparcialidade.
À sua frente, luzia o bronze dos Dois Candangos, de Bruno Giorgi. Avistou, além da praça, o faustoso Mastro da Bandeira Nacional com seus cem metros de altura a suportar a bandeira de 286 metros quadrados, bem mais visível que a Pira do Panteão da Pátria com a “chama eterna da democracia”, logo ali, ao lado.
Tudo era novo para a jovem estudante de arquitetura, saída da caatinga nordestina, no norte da Bahia, do Brasil profundo revelado no livro “Os sertões”, de Euclides da Cunha. Inspiração para o cordel de Gustavo Dourado, primo da moça visitante, cujo trecho nos lembra: “Caatinga do Padim Ciço/ caatinga do Frei Damião/Do romeiro com sua fé/ Nas estradas do sertão/ Deus e o diabo na luta/Pra haver transformação”.
Por fim, Mariana lançou um olhar ao pombal, única obra feita em Brasília pelo então presidente Jânio Quadros, em 1961, aquele que renunciou. Não ouvia um arrulho. Os pombos tinham abandonado a praça? Aves que, dizem, transmitem muitas doenças. Contudo, os males viam da pandemia importada, motivo, naquele instante, da tristeza da jovem com a lúgubre notícia das 185 mil mortes confirmadas por Covid 19. Mariana ficou encabulada com a ausência dos pombos. Seu desejo era vê-los fazendo barulho, pelo menos eles já que o local estava ermo. Mas logo partiu de uber em direção à casa do primo, onde estava hospedada.
No outro dia, intrigante noticiário chamou a atenção: A Praça dos Três Poderes foi tomada, de manhã, por milhares de pombos. Além do pombal, eles se colocaram estrategicamente nos tetos externos do Supremo, do Palácio do Planalto e nas torres e cúpulas do Congresso Nacional. Manchetes anunciavam que cerca de dois milhões de pombos do Distrito Federal invadiram a Praça dos Três Poderes e revolucionavam o centro do poder.
Especialistas foram chamados. Disseram muitas coisas sobre o comportamento dessas aves. Um comentário, em particular, me chamou a atenção: os pombos têm cérebros avançados e são capazes de diferenciar pessoas boas das malvadas. Saem de perto das ruins e gostam de quem os trata bem, bem assim como os humanos. Mariana não tinha dúvidas, aquelas aves ouviram seu chamado. Para muitos, os pombos foram em bandos, por proteção, infernizar a vida dos malvados. Para Mariana, apenas um gesto de carinho. Coisas do realismo fantástico.

E renascer das próprias cinzas!

Maria Félix Fontele – Jornalista. Escritora. Do livro “Versos que me habitam”. Confraria do Vento Editora. Colaboradora via ALANEG – Academia de Letras e Artes do Nordeste Goiano/RIDE

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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