A sociolinguística justificará

 

A sociolinguística justificará

Começamos desde a linguagem.

Para o puro e simples da nossa:

eu era um verbo intransitivo,

autossuficiente, sucinto,

elegantemente fiel ao conselho

que carregava em mim mesmo

e à mensagem que aos outros eu passava;

você era um adjunto adverbial,

uma inútil,

mas doravante interessante.

Tragicamente, quase…

De Camões: “E eu morri de amores”.

De repente, uma reviravolta cruel

destrói e refaz a sintagmática, fantástica,

relação entre nós; e em novas orações:

eu era sujeito de uma oração sem o mesmo,

desusado, mal usado, e em nada só;

você era sujeito simples,

despretensiosa, inocente;

qual primeiro (de hoje) e também só.

De Drummond, era como quase…

“Eu chovia, mas você sorria”.

Feita a hemodiálise sintática

do que passava em meu metafórico sangue,

usei-me de todos possíveis instrumentos

linguísticos (ou mesmo não!)

para transformar o que éramos,

o que quer fosse que fôssemos,

primeira pessoa do plural

do pronome oblíquo do caso reto.

Mas nós não éramos senão estranhos um para o outro.

Eu, tu, e, depois, chegou ele.

Um aposto absurdo, intruso.

Vestido em seus finos parênteses,

ostentando o seu inútil e desdenhado sorriso

de mais que perfeito do subjuntivo.

Mas o escritor sou eu e digo que aposto é obsoleto,

ainda que para um leitor não seja.

E digo que Capitu traiu Bentinho, ainda que não.

Até porque se Bentinho se sentiu traído,

Capitu se desfez da moral função de par

em se fazer parecer fiel, e falhou:

tal qual traição. Interjeição, Machado!

Os olhos de ressaca dela parecem até os seus.

…E de pensar que eu aceitaria

até que você fosse para mim uma coordenada.

Ou uma adverbial adversativa. Mas, não…

Se toda competência comunicativa me serve para algo,

servirá para alterar o desse verão.

Não mais pretérito imperfeito do subjuntivo,

mas do presente do indicativo, e “será”.

Será a semântica minha e eu também, para você, serei.

E o que estiver errado, esteja a gramática ao lado,

para nos preservar, proteger, reservar, assegurar,

ou a sociolinguística justificará.

Reinaldo Bueno Filho


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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