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A Tradição da Folia da Roça

A Tradição da Folia da Roça

Por Josyra Sampaio

O sagrado, a mobilização permanente, a criatividade e o código de raiz dos foliões de Formosa irão resistir?

Sou vira-mundo virado/pelo mundo do sertão/mas inda viro esse mundo/em festa, trabalho e pão

Gil Capinam

 

O que está escriturado no espaço de manifestações das danças de Formosa, quando são observados como símbolos significantes a subversão da ordem na folia da roça, a imitação de status na folia da cidade, o deslocamento na questão do sagrado, o conjunto de signos interativos nas representações e a mobilização permanente da criatividade dos foliões?

Observa-se que eles não chegam a sentir perplexidade diante de sua condição desumana de pobreza material, porque simbolizam instantaneamente seu pensamento, seus desejos e suas carências, através da linguagem artística e gestual que elegem para expressá-los. Na folia da roça, resgatam o orgulho ao sobrepujar os patrões quando cantam, dançam e dirigem os ofícios dos autos e no momento em que conseguem subverter a ordem estabelecida. (…)

Com o tributo à entidade religiosa, garantem o espaço e o tempo de convivência que vai consagrar a fartura fugaz do alimento. Na construção dos espaços comuns, com suas flores, bandeirolas e adereços manifestam a vocação das harmonias plásticas. Na composição das modas, no repique das violas e percussões e nas danças organizam, com estruturas rítmicas e melódicas, seus objetos do cotidiano, promovendo a congregação e a fraternidade entre grupos e pessoas.

Observa-se que os foliões de Formosa transcendem o estado de perplexidade escriturando, no espaço/tempo em que ela ocorreria, a reconstrução de seus recursos de sobrevivência, física e psicológica, coletiva. A perplexidade tem entre eles, desse modo, uma existência imanente que gera energia criadora.

O processo atual de internacionalização dos bens materiais e de cultura possui recursos sofisticados de mobilização e massificação para atingir o comportamento das pessoas, e apartá-las de suas raízes culturais e transformá-las em seres submissos ao consumismo, desprovidos de determinação e de força criativa.

Tudo indica que, por via contrária ao que se observa entre os foliões de Formosa, o estímulo à inventividade e à criação de beleza resgatará nos outros as forças naturais que estão entorpecidas pelo discurso fascinante da mídia, favorecendo neles o reconhecimento de sua identidade cultural, para, finalmente, poderem criar beleza a partir de seus códigos de raiz. Então serão pessoas completas, porque prontas para atingirem a capacidade de espanto diante das diferenças injustas (…).

Fonte: Formosa – foliões e violeiros – Projeto Danças do Brasil, 1999, pp 151, 152. Edição Iêda Vilas-Bôas.

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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