A VÊNUS PIAGA DO CÂNYON DO POTY

A Vênus Piaga do  Cânyon do Poty 

Em épocas primitivas, toda a descendência era julgada pela linha feminina, sendo essa a única parte da herança que estava assegurada, pois antes da ideia de casamento e monogamia, era impossível saber quem eram os pais biológicos das crianças. 

Por causosassustadoresdopiaui

A família primitiva que surgia do vínculo sanguíneo biológico instintivo da mãe e do filho, inevitavelmente, era uma família matriarcal; e muitas tribos ativeram-se, por muito tempo, a essa organização.

As raças mais primitivas atribuíram pouco crédito ao pai, considerando o filho como vindo apenas da mãe. Eles acreditavam que os filhos pareciam-se com o pai, em consequência da ligação, ou que eles tinham sido “marcados” desse modo, porque a mãe desejava que eles se parecessem com o pai. As mulheres eram sábias e respeitadas.

O predomínio das imagens femininas no Paleolítico sobre as representações masculinas sugere que a mulher desempenhava um papel preponderante naquelas sociedades, possivelmente refletindo uma organização matriarcal, ou que a divindade mais importante era feminina e que teria as funções de uma Deusa ou Grande Mãe, ou da Mãe Terra.

Vênus

Muitas estatuetas femininas, chamadas de Vênus Paleolíticas,  foram encontradas ao longo da Europa Oriental até a Sibéria).

A referência a Vênus (deusa grega do e da beleza) é porque acredita-se que essas estátuas representem o ideal da época. Podem representar mulheres ideais ou deusas dos povos primitivos.

Há um grupo de vênus paleolíticas, denominado esteatopigias, com certas partes da anatomia exageradas: são obesas, com o abdômen, a vulva, as nádegas e as mamas extremadamente grandes.

Enquanto isso, o resto das partes do são desprezadas ou minimizadas: Os braços são muito pequenos, os pés apenas são visíveis e o rosto, no geral, é inexistente.

Assim se apresenta o ideal de beleza da época, ressaltando a função reprodutora da mulher, elevando a capacidade de prover a vida a algo quase que divino no feminino.

Embora estas estatuetas tenham sido encontradas na Europa e na Sibéria, o Piauí também teve povos primitivos que muito provavelmente se organizaram em algum momento na forma de matriarcal. Vestígios dos nossos habitantes pré-históricos são encontrados em várias cidades do Piauí, como Batalha, Piracuruca e São Raimundo Nonato, por exemplo.

Alguns vestígios de antigos habitantes do Piauí estão presentes também no Cânion do Poty e em regiões próximas. Tratam-se de inscrições itacoatiaras. De acordo com a pesquisadora Gabriela Martin (2005) em tupi, a palavra “itaquatiara” significa “pedra pintada”.

Já para o historiador Vanderley de Brito, membro da Sociedade Paraibana de Arqueologia, essa palavra significa “pedra lavrada” ou “petróglifos”. Segundo ele, há muitos indicativos simbólicos que sugerem relações desses grafismos com a , a reprodução e a .

A pesquisadora da UFPE, Gabriela Martin, diz o seguinte sobre os grafismos itaquatiaras:

“Nos cursos de muitos rios, arroios e torrentes do Brasil existem disseminados de norte a sul, desde o Amazonas ao , gravuras indígenas realizadas nas rochas das margens e nos leitos dos cursos d’água.

São conhecidas pelo nome de itaquatiaras (pedras pintadas, em língua tupi) e que são, de todas as manifestações rupestres pré-históricas do Brasil, aquelas que mais se têm prestado a interpretações fantásticas. Estes petróglifos são de feitura, tamanho e técnica de gravura muito diferentes, dependendo da ampla geografia brasileira. […]

Nessa tradição, típica da região nordestina, predominam grafismos puros, porém deve se registrar a presença de antropomorfos, alguns muito elaborados, inclusive com atributos, como os encontrados na beira do São Francisco, em Petrolândia, PE. […]

Por estarem quase sempre nos cursos d’água e, muitas vezes, em contato com ela, resulta difícil relacioná-las com algum grupo humano, sobretudo pela impossibilidade, na maioria dos casos, de estabelecerem-se associações com restos de cultura material.

Entretanto, existem algumas exceções quando as itaquatiaras identificam-se com culturas de caçadores, em abrigos próximos a rios ou em caldeirões. Estes depósitos naturais que se enchem d’água na estação das chuvas, têm, às vezes, as paredes cobertas de petroglifos e tem sido possível realizar-se escavações nas proximidades com bons resultados. É também muito difícil fixar cronologias para esta variedade de arte rupestre. (MARTIN, 2005)

Em uma pedra encontrada próxima do trecho em que o Cânion do Poty passa por dos Montes (PI) foram verificadas algumas inscrições. Uma delas é o que alguns já têm chamado de Vênus Piaga, em razão de seu formato lembrar as Vênus Esteatogípias da Europa. O termo Piaga, por sua vez, é relacionado aos antigos habitantes do Piauí.

venus piaga

De fato a inscrição lembra em muito se aproxima daquelas representações primitivas da mulher. Embora representações de povos primitivos, é de se ressaltar que estão separadas não só no espaço, como no tempo. As inscrições piauienses, embora de difícil datação, foram feitas por índios que viviam nessas terras em tempos bem antigos.

Acredito que os autores das inscrições eram povos nômades, que viviam da caça, da pesca e da coleta, e que atribuíam um importante papel social e religioso às mulheres. As relações em sua maioria eram poligâmicas e dependia das mulheres parte essencial do sustento da tribo, além de que desempenhavam um papel fundamental na localização do homem no tecido social e na preservação do seu conforto pessoal.

Vênus

Uma outra figura mostra uma mulher de cabelos compridos às margens do rio, recebendo bençãos da chuva, o que demonstra claramente a importância da mulher naquela sociedade, até mesmo no que se relaciona a questões religiosas e sociais.

Acredita-se que a imagem da Vênus Piaga seja a representação de uma divindade associada às águas, à fertilidade e abundância, e é interpretada como uma Deusa-Mãe, geradora de vida. O fato de estar próxima da água é uma clara referência ao fato de que sem água não há vida. Assim, essa Deusa-Mãe, a Mãe Terra, seria uma divindade associada também às águas.

As águas parecem representar importante papel para os povos que deixaram tais inscrições nas pedras às margens do Poty. Outra gravura parece representar um peixe (abaixo), habitante do rio, que era fonte de alimento, mas, possivelmente, também, de culto religioso, dado sua importância na dieta daquele pré-histórico, considerando, ainda, o fato de que era comum a adoração à natureza naquelas sociedades.

Vênus

A importância das águas era tamanha que ali também são encontradas inscrições representando o curso das águas (imagem abaixo), um curso sagrado, o próprio fluxo da vida.

Vênus

Assim, a Vênus Piaga, como Deusa-Mãe de tudo que existe na natureza, teria recebido devoção naquele lugar, como forma de agradecer e preservar a água, presente dos deuses, de modo que a mulher teve importante participação nesse culto, em especial por, assim como a água, gerar vida. É a Vênus Piaga, ainda, uma deusa primitiva do amor e da beleza, protetora da natureza e das mulheres.

Vênus

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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