Abdias Nascimento: Líder mundial do movimento afro
O livro “Grandes Vultos: O Legado Vivo de Abdias Nascimento”, escrito por Elisa Larkin Nascimento, sua viúva, foi lançado no Senado no dia 24 de agosto último, em evento organizado pelo senador Paulo Paim. Estiveram presentes líderes afro-brasileiros e africanos, incluindo Woyle Solinka, o único autor africano detentor do Prêmio Nobel de Literatura, e Anani Dzidzienyo, brasilianista ganiano, estudioso das relações latino-africanas
Por Joseph Weiss
Neto de pessoas escravizadas, Abdias é considerado por muitos autores o brasileiro mais importante na luta pela efetivação da Abolição. Segundo o professor Ollie Johnson, da Wayne University, nenhum brasileiro lutou mais e por mais tempo, no período pós-escravatura, contra a supremacia branca e o racismo.
Ator, dramaturgo, escritor, pintor, professor, pesquisador, deputado e senador, Abdias foi tema de tese de doutorado de André Luís Pereira. De acordo com o estudo que abordou o pensamento social e político de sua obra, Abdias percebia um Brasil alicerçado num modelo hierárquico de supremacia racial, de “exclusive criação luso-brasileira, sutil, difusa, evasiva, camuflada, assimétrica e mascarada”, junto com a hipócrita democracia racial reforçada por “uma classe dirigente e seus cientistas sociais, porta-vozes teóricos”, como também “pelo monopólio dos meios de comunicação, do controle dos recursos econômicos e das instituições educativas e culturais”.
Assim, se “destrói qualquer tipo de solidariedade política, econômica, religiosa e familiar dos grupos negros”. A oralidade, a persistência cultural e as religiões africanas tornam-se centrais à resistência e à defesa contra as ameaças e agressões.
A Frente Negra Brasileira foi a mais importante organização após a Abolição, em 1888. Tentava-se articular um movimento nos anos 1920, mas, somente em 1938, Abdias e outros cinco jovens realizaram o I Congresso Afro-Campineiro. “A Frente fazia protestos contra a discriminação racial em lugares públicos… combatia os hotéis, bares, barbeiros, clubes, guarda-civil, departamentos de polícia, etc. que vetavam a entrada ao negro”, afirmou Abdias em depoimento publicado em 1976.
O alcance do movimento multiplicou-se a partir de 1944, com a fundação do Teatro Experimental do Negro – atores negros retratando, pela primeira vez, os heróis afro-brasileiros, como crítica ao ator branco que se pintava de negro para desempenhar personagens humilhantes.
Em 1945, fundou o Comitê Democrático Afro-Brasileiro que lutou pela libertação de prisioneiros políticos e apresentou, à Constituinte de 1946, propostas de direitos para empregados domésticos e políticas afirmativas para afrodescendentes, efetivados 70 anos depois.
Em 1968, plena ditadura militar, Abdias fundou o Museu de Arte Negra, com obras doadas por artistas comprometidos com a luta antirracismo. Sob a pressão de vários inquéritos policiais militares, deixou o país às vésperas do Ato Institucional nº 5 (AI-5).
Exilado, continuou seu trabalho como artista, agora como pintor, escritor e intelectual. Foi professor universitário emérito da Universidade Estadual de Nova York em Buffalo, de 1971 a 1981, e criou a cadeira de culturas africanas no programa de estudos porto-riquenhos. Também lecionou em Yale e Wesleyan.
Engajou-se na luta do pan-africanismo, progressista e anticapitalista, por meio de valorização da identidade e da cultura. Propôs ao governo brasileiro o ensino da história e da cultura da África em todos os níveis da educação, tornada política pública em 2003, 26 anos depois.
Abdias propôs o modelo quilombista como ideia-força para inspirar alternativas aos arranjos sociais hegemônicos. Os quilombos resgataram a liberdade e a dignidade com a evasão do cativeiro e organizaram uma sociedade livre, segundo modelos africanos adaptados à realidade brasileira. Contribuíram ainda às insurreições e guerrilhas em momentos históricos da consolidação da nação brasileira.
O mestre detalhou sua concepção do Quilombismo para a superação do racismo e da exploração, fundamentado no comunalismo
(organização social coletiva, na cooperação, na criatividade e na propriedade de forma equitativa), em contraste com a realidade brasileira.
Antes de voltar ao Brasil, participou da criação do PDT (Partido Democrático Trabalhista). Já aqui, participou do histórico 7 de julho de 1978, quando, perante três mil pessoas, foi lançado, nas escadarias do Teatro Municipal de São Paulo, o Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial (MNUCDR). Veio a se eleger deputado federal e senador e trabalhou pela criação do Dia Nacional da Consciência Negra.
Sua viúva mantém vivas sua luta e sua memória no Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros, no Rio de Janeiro.
Joseph Weiss
Engenheiro Agrônomo, Ph.D., com história de luta no Movimento Negro.
Fontes:
- www.abdias.com.br
- CUSTODIO, Tulio Augusto Samuel, 2009. Caminhos e Trajetos: a Trajetória Intelectual de Abdias do Nascimento Durante o Período de Exílio nos Estados Unidos (1968–1981) em Sociologia e Política, I Seminário Nacional Sociologia & Política, Curitiba: UFPR.
- NASCIMENTO, Abdias do, 1980. O Quilombismo. Petrópolis: Ed. Vozes.
- PEREIRA, André Luís, 2011. O Pensamento Social e Político na Obra de Abdias do Nascimento, tese de doutorado, Sociologia, Porto Alegre: PPGS/UFRGS.