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Acordei com o barulho do mar

Acordei com o barulho do mar 

Mas, hoje, o sol perfila as cortinas e é mais fácil fechar os olhos; assim há paz.

Por Reinaldo Filho Vilas Boas Bueno

Acordei com o barulho do mar
distante, sereno, infalível a beijar as pedras,
com a eterna calma da imensidão,
enquanto o sol perfila sua ignorância
por dentre as falhas da minha cortina pesada.
Beirando-mar, beija-flores também cantam;
não eu, talvez não seja o Marinheiro,
talvez Cecília não falasse de mim:
e não canto porque o instante não existe.
Talvez nem seja . Sou triste, isso sou.
E o “mar absoluto” será desde sempre
e pra sempre o mar, beijando o cais,
o caos, as pedras, sonoramente distante,
acordando aflição, chorando distante:
perdição de mim o salgar o branco dos olhos.
Acordei com o barulho do mar.
E com os murmúrios de minha
que ondeiam e batem nas minhas pedras,
constantemente, infelizmente, insanamente.
Na imensidão que ondeia salgadamente
meus pensamentos rotos de poetizar.
Mas, hoje, enquanto faço jus a Bukowski,
procurando por minhas pílulas de sedar,
enquanto faço jus a Meireles,
deixando-me saber que o mar sempre foi,
e independente de mim sempre será mar,
enquanto sofro perfeitamente como Camões,
mas não em versos perfeitos, jamais,
enquanto envergonho Castro Alves
por não ser um dos heróis do novo ,
enquanto espinho drummondiando a ,
sendo as pedras, o caminho, e haver,
enquanto procuro Motivos de Cecília,
e descanso minha alma de trabalhador,
do mar, de amar, o meu rosto cansado
e triste de hoje, outro dia sem falar em âncora,
enquanto sofro as dores e confusões
de todas pessoas de Pessoa (ah, e como),
acordei com o barulho do mar
distante, calmo, ondeando a beijar pedras.
Volto ao sonho de dormir sereno,
segurando o mar de mim que de calmo,
nunca teve sequer uma gota.
Mas, hoje, o sol perfila as cortinas
e é mais fácil fechar os olhos; assim há paz.

(O menino que ouve o mar, talvez só quisesse ser surdo e mudo, e não poetizar, e dormir tão longamente que talvez confundissem sem sono com a própria morte. Mas a morte não pertence a . É só mais um inverno, pensa ele. Incrédulo de ter a força ou a calma do mar, de insistentemente arrebatar as pedras – O fugaz despertar, a fuga, e o conforto de esquecer novamente os problemas e sonhar – Rio de Janeiro, 14 de Maio, de 2020).

Fonte: @mestrebueno


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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