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AILTON KRENAK: O MUNDO EM SILÊNCIO

AILTON KRENAK: O MUNDO EM SILÊNCIO

Ailton Krenak: O mundo em silêncio

Quando a barragem da mina da Vale rompeu e jogou os resíduos de minério sobre as águas do Rio Doce, em Minas Gerais, os técnicos que foram designados pra reparar os danos pediram a opinião de alguns moradores sobre o que fazer.

Por Jaime Sautchuk

Um desses moradores, do município de Resplendor, é o jornalista e escritor Ailton Krenak, que disse ao engenheiro:

– Temos que parar todas as atividades humanas a 100 quilômetros de cada lado do rio.

O técnico retrucou:

– Mas isso é impossível de fazer. Vamos ter que parar o Mundo.

Anos depois, agora com 66 amos de idade, o líder indígena observa, em entrevista ao jornal O Estado de Minas:

– Pois agora o mundo parou!

E tomara que a sociedade que sobreviver ao ataque da pandemia do Coronavírus, que fez o mundo parar, não continue igual depois. Se houver depois. Não sabemos se estaremos vivos amanhã, segundo ele, temos de parar de vender o amanhã. O Rio Doce segue merecendo condolências e luto. E Krenak comenta:

– Parei de andar mundo afora, suspendi compromissos. Estou com a minha família na aldeia krenak, no Médio Rio Doce. Já estávamos aqui de luto com o nosso Rio Doce. Não imaginava que o mundo faria esse luto conosco.

Remanescente dos aimorés, que viviam na orla do Sudeste, o grupo krenak soma hoje cerca de 350 pessoas. Na adolescência, Ailton foi morar no Paraná, onde foi alfabetizado aos 17 anos de idade e seguiu os estudos. Lá mesmo, virou produtor de comunicação e jornalista, e logo passou a participar dos movimentos políticos que renasciam no Brasil, em plena ditadura militar.

CONSTITUINTE

Com o fim do regime fechado, em 1985, muitos indígenas faziam parte dos movimentos populares que tomavam conta do País, com pautas de reivindicações democráticas.

No ano seguinte, Krenak foi eleito membro da Assembleia Nacional Constituinte (ANC), com atuação marcante. Quando os debates em torno da questão indígena na nova Carta pareciam refluir, ele foi protagonista de um dos momentos mais fortes e emocionantes daquele processo.

Chegou à tribuna trajando um terno branco e tingindo o rosto de preto com tinta de jenipapo, em gestos de Rin’tá, que significa luto na cultura de sua etnia, como forma de protesto. Proferiu, então, um poderoso discurso, que mudou a história da Constituinte.

Como fruto de sua fala e de sua luta junto com outras lideranças indígenas da época, uma conquista inédita: a inclusão de um capítulo sobre os direitos dos povos indígenas na Carta Magna que passou a reger o País.

Krenak conta que outros povos indígenas, como os Caiapó, Xavante, Guarani e Terena levaram centenas de pessoas pra Brasília e ocuparam o Congresso, debateram e participaram das comissões. “A minha presença ganhou destaque porque eu fiz a defesa pública dessa emenda dentro do plenário do Congresso Constituinte; mas milhares de pessoas participaram desse processo”, lembra ele.

NOVO ENFOQUE

Há algumas décadas, o Brasil vem passando por mudanças na maneira como a questão racial é tratada pela sociedade e suas instituições. Agredir negros e índios de forma escancarada passou a ser uma atitude condenável, embora a posição oficial do atual governo federal seja a favor da livre exploração dos recursos naturais das terras indígenas, inclusive madeira e minérios.

De toda forma, é certo que as elites brasileiras e seus aliados gostam de se parecer com os brancos europeus. Esta sociedade não gosta de ver índio intelectual – índio tem que morrer logo, arranjar um trabalho braçal qualquer ou ficar quieto no seu canto. Este é um dos preconceitos que Ailton Krenak sempre enfrentou, nas diversas frentes de luta em que atuou.

Em 1985, ele criou a ONG Núcleo de Cultura Indígena, que atua na promoção da cultura indígena. Em 1988, participou da fundação da União dos Povos Indígenas, que representa os interesses indígenas no cenário nacional. E, no ano seguinte, participou da Aliança dos Povos da Floresta, movimento que propunha a criação de reservas naturais na Amazônia.

Desde 1998, o Núcleo de Cultura realiza, na região da Serra do Cipó, em Minas Gerais, um festival idealizado por Krenak: o Festival de Dança e Cultura Indígena, que promove a integração entre diferentes tribos indígenas brasileiras.

Em 1999, seu estudo O Eterno Retorno do Encontro foi publicado no livro A Outra Margem do Ocidente, organizado por Adauto Novaes. Um ano depois, apresentou o documentário Índios no Brasil, em dez capítulos, produzido pela TV Escola, que trata dos povos indígenas brasileiros desde o descobrimento até os dias atuais.

Em 2015, durante a Mobilização Nacional Indígena, foi lançado um livro da Azougue Editorial, que reúne diversas entrevistas concedidas por Ailton Krenak, entre 1984 e 2013. Os textos foram organizados pelo editor Sérgio Cohn e contam com apresentação de Viveiros de Castro.

Em fevereiro de 2016, a Universidade Federal de Juiz de Fora (MG) concedeu o título de Professor Doutor Honoris Causa a Ailton Krenak, em reconhecimento por sua luta pelos direitos dos povos indígenas e pelas causas ambientais no País. Nesta mesma universidade, Krenak leciona as disciplinas “Cultura e História dos Povos Indígenas” e “Artes e Ofícios dos Saberes Tradicionais”.

Ele tem, ainda, dois outros livros publicados, que são Ideias para adiar o fim do mundo (SP; Cia das Letras, 2019) e O amanhã não está à venda (SP; Cia das Letras, 2020).

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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