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ARTE RUPESTRE NO CERRADO: UMA PEQUENA REFLEXÃO

ARTE RUPESTRE NO CERRADO: UMA PEQUENA REFLEXÃO

Ainda estamos engatinhando na busca do que representa e do que significa toda esta arte rupestre do Brasil Central.

Claramente se percebe que os diferentes estilos são limitados localmente e que pertencem a tradições amplamente espalhadas pelos quatro cantos do país. Para cada um deles não há só conteúdos diferentes, mas também diferentes maneiras de representar as coisas e, em certo sentido, até lugares diversos para colocar as figuras.

Por Altair Sales Barbosa 

Cada um dos estilos não é, em si mesmo, tão rigidamente padronizado como às vezes nos sugere o termo, mas pode usar extrema flexibilidade nos objetos representados, na maneira de representá-los e nos lugares para isso escolhidos. Dos estilos estudados, o de Serranópolis apresenta maior variabilidade, mas Caiapônia não fica muito atrás.

Algumas populações foram capazes de elaborar pinturas naturalistas com muito movimento e cenas de grande criatividade, como as de Caiapônia. Outras produziram cenas altamente estilizadas, mas muito sugestivas, como as de Jaraguá.

A maior parte não soube ou não quis dar movimento às figuras e simplesmente as justapôs ou distribuiu no espaço uma forma mais naturalista em Serranópolis, mais estilizada em Itapirapuã e na Bahia, ou simplesmente geométrica, em Formosa e também em Monte do Carmo.

ARTE RUPESTRE NO CERRADO: UMA PEQUENA REFLEXÃO
Foto: Acervo Altair Sales

Há as que usam só a pintura, como em Caiapônia, Formosa e Bahia; outras, a pintura e a gravura, como em Serranópolis;  e outras só a gravura, como as demais, mesmo se às vezes preenchem os sulcos com pigmentos, como em Monte do Carmo-TO.

O lugar das sinalizações costuma ser o próprio abrigo onde moram, ou um lajedo ou bloco de pedra na proximidade de uma aldeia, quando agricultores.

O que as figuras representam? A maior parte das cenas e outras figuras naturalistas parecem clichês ou representações da realidade cotidiana, como a caçada, o abastecimento, a família, as brincadeiras, os animais em movimento ou parados.

Jaraguá também? Ou temos aí algo diferente, como uma cena de sacrifício real ou mitológico? Os altamente estilizados de Itapirapuã, tão obscuros para nós e ao mesmo tempo tão sugestivos: imensas serpentes estendidas, enroladas, com perninhas; plantas com flores; pisadas dos mais variados animais do Cerrado. E a quantidade de figuras que classificamos como geométricas em todos os lugares?

Como eles se encaixam no cotidiano das populações? Certamente são excelentes marcadores de lugar. Qualquer morador indígena poderia identificar sem erro, nem problemas, o “paredão das araras”, onde existe o melhor material para fazer instrumentos de pedra; o imenso salão coberto da “mulher pintada”, onde cabia todo o bando para a estação das chuvas; a aldeia junto ao “lajedo das cobras”, onde o moço agricultor tinha de escolher a sua noiva.

Para esta identificação, poderia servir tanto uma figura isolada como um conglomerado sem sentido aparente, ou uma cena como a “ciranda dos macacos”. Poderia servir também para marcar e delimitar o território de cada um dos grupos nômades.

Mas seria só isto? Com certeza, não. A pintura “veste” os abrigos por mais inóspitos que eles tenham parecido inicialmente, tornando-os domésticos e hospitaleiros.

Isto é evidente nos grandes abrigos de paredes verticais, cheios de quadros muito elaborados, mas aparece mais ainda nas pequenas furnas, onde as irregularidades das paredes e dos tetos são cobertas por rudimentares volutas e arabescos, que decoram todo o espaço; ou em abrigos de tetos inatingíveis, contra as quais se jogam mãos cheias de tinta para que os seus respingos os transformem em verdadeiro céu estrelado.  Só os espaços decorados são habitados. Abrigos com pouca decoração eram poucas vezes utilizados.

E poderia servir, também, à competição e ao treinamento. As pinturas mais bonitas estão nos lugares de mais difícil acesso, obrigando o artista a subir na ponta de árvores, nas saliências perigosas das rochas, ou a armar um andaime primitivo. E os mais simples estão perto do chão, como se fossem produto de mão infantil, imitando o que o mais velho fazia mais para cima.

Os lajedos com gravuras à beira dos córregos e das lagoas, onde mora a sucuri, seriam excelentes lugares para os rituais coletivos ou para a meditação particular.

O que é certo é que as pinturas e gravuras representam algo de muito importante para os seus criadores: elas continuaram durante ao menos dez mil anos e foram respeitadas de tal modo que só raramente se encontram figuras sobrepostas, apesar de terem sido complementadas durante inumeráveis gerações.

Nelas certamente está representada parte da sua história, da sua sociedade, da sua cultura. E, ao mesmo tempo em que sucessivas gerações indígenas aprendiam através delas, como um patrimônio do passado, com satisfação as complementavam, aumentando o legado para as gerações futuras.

As gerações indígenas terminaram e as suas gravuras e pinturas foram abandonadas e esquecidas. Até que nós as encontramos. Hoje são patrimônio da humanidade e nossa responsabilidade.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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