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AMAZÔNIA: DE FORA, PRA FORA

AMAZÔNIA: DE FORA, PRA FORA

Amazônia: De fora, pra fora

“O neocolonialismo de hoje representa o imperialismo no seu estágio final e talvez o mais perigoso. No passado, era possível converter uma nação à qual tivesse sido imposto um regime neocolonial – o Egito é um exemplo do século XIX. Hoje, esse processo não é mais viável. O colonialismo de velho estilo não está, de modo algum, abolido. Constitui ainda um problema africano, mas está em retirada por toda parte. Uma vez um território se tornando nominalmente independente, não é mais possível, como no século passado [o XIX], inverter o processo. As colônias existentes podem continuar por mais tempo, mas não serão criadas novas colônias. Em lugar do colonialismo, como principal instrumento do colonialismo, temos hoje o neocolonialismo.

Por Lúcio Flávio Pinto

A essência do neocolonialismo é que o Estado a que ele está sujeito é, teoricamente, independente e tem todos os adornos exteriores da soberania internacional. Na realidade, seu sistema econômico e, portanto, seu sistema político, é dirigido do exterior”.

Com essas observações proféticas, Kwane N’Krumah abriu seu livro Neocolonialismo, último estágio do imperialismo, de 1965, dedicado “aos lutadores pela liberdade da África, vivos e mortos”. Com 56 anos, era presidente de Gana desde 1960, depois de três anos como seu primeiro-ministro. Além de político, era um intelectual respeitado, que se declarava católico. Criara o movimento pan-africano, que buscava a independência e a autonomia das antigas colônias europeias. Foi deposto por um golpe militar no ano seguinte ao lançamento do livro. A Inglaterra apoiou o golpe. N’Krumah morreu no exílio, em 1972.

O líder africano foi esquecido, seu último livro costuma não aparecer na bibliografia dele, quando citada. O neocolonialismo não foi a última etapa do imperialismo. O mecanismo de exploração permanece e até se intensificou, mas o mundo trocou a expressão por uma nomenclatura mais favorável: agora é império. À África e à Ásia do tempo do movimento pan-africano, que teve o egípcio Gamal Abdel Nasser como sua maior figura, juntou-se a Amazônia.

Na sua dimensão continental, partilhada por nove países, 60% da região no interior das fronteiras brasileiras, ela formaria o sexto maior país do mundo. Como tem a maior floresta tropical, a maior bacia tropical é uma das áreas com mais chuvas, sua ocupação acelerada, caótica e violenta é a maior destruição de recursos naturais na história da expansão econômica da humanidade.

O processo de “amansamento” da nova terra é o mesmo que levou à submissão da África e da Ásia, com uma acentuada diferença tecnológica, graças ao avanço acelerado da inventiva do homem nas últimas décadas e do uso intensivo de capital. Essa celeridade não tem similar no passado. Extravasa a própria capacidade de controle e gestão do governo nacional, contando, para isso, com a própria incapacidade estatal de firmar uma definição adequada sobre a região. A matriz dessa discrepância está na recusa do poder central de reconhecer que na Amazônia, com 20% de todas as formas de vida na Terra, o principal personagem é a natureza e não o homem.

Calcula-se que quando o europeu chegou à Amazônia, no século XVI, havia 5,5 milhões de nativos, que se sucediam havia pelo menos 15 mil ou 20 mil anos, em perfeita harmonia e equilíbrio com a natureza, seu meio de sobrevivência e fonte de religião, lendas e regras de consulta. Hoje, a população amazônica é cinco vezes maior, e os remanescentes pré-cabralinos são menos de 1%.

Seu colonizador, que herdou a última página do Éden, cuja criação Deus delegou ao homem, segundo a metáfora de Euclides da Cunha, em apenas meio século destruiu 34 vezes mais. Em algumas dessas frentes pioneiras, o que era propriamente amazônica (um organismo fechado e harmônico de água, luz e floresta) desapareceu. O Brasil do desmatamento venceu.

A observação de mais de meio século de N’Krumah continua verdadeira. A ordem para as principais decisões tomadas na Amazônia vem do exterior. É para lá também que vão os produtos solicitados, com ênfase nas mercadorias que exigem muita energia para serem produzidas, como os minérios – de ferro, cobre, nível, caulim, ouro e bauxita principalmente – e seus derivados, à frente o metal primário de alumínio, o produto mais eletrointensivo do mercado.

A observação de mais de meio século de N’Krumah continua verdadeira. A ordem para as principais decisões tomadas na Amazônia vem do exterior. É para lá também que vão os produtos solicitados, com ênfase nas mercadorias que exigem muita energia para serem produzidas, como os minérios – de ferro, cobre, nível, caulim, ouro e bauxita principalmente – e seus derivados, à frente o metal primário de alumínio, o produto mais eletrointensivo do mercado.

A impressão que dá é a de artérias de circulação abertas pelo centro da região e de uma grande hemorragia de riquezas naturais, drenadas por diversos portos interiores e por um dos maiores terminais marítimos do mundo. Não por acaso, o porto da Ponta da Madeira, em São Luís do Maranhão, deslocou do topo do ranking nacional o porto de Santos, em São Paulo.

O porto paulista é o símbolo de um antigo neocolonialismo, centrado no café, por longos anos o maior produto de exportação, o café, que conseguiu se industrializar a partir da renda agrícola, ocupando em boa parte o papel dos exploradores internacionais na sua relação com as áreas mais pobres do Brasil, o Nordeste e, nas últimas cinco décadas, a Amazônia. O porto maranhense é a principal base de lançamentos de minérios de Carajás, a maior província mineral do mundo, situada no Pará, transportados pela terceira maior de todas as ferrovias de carga do mundo, concessão da Vale, até o porto da mineradora.

De janeiro a julho deste ano, Ponta da Madeira movimentou 65,9 milhões de toneladas (10,3% do total). Com o porto público de Itaqui, além de Ponta da Madeira, o Maranhão registrou, no período, o segundo maior movimento de cargas pelo transporte marítimo, atrás apenas do Rio de Janeiro. Nos sete meses, segundo a Confederação Nacional do Transporte, os portos brasileiros movimentaram 638,6 milhões de toneladas de produtos, 3,9% a mais do que o mesmo período de 2019.

Considerando o perfil de carga, os granéis sólidos (minérios, frutos, oleaginosas, fertilizantes etc.) lideram em volume movimentado, com 386,5 milhões de toneladas. Vêm em seguida: granéis líquidos e gasosos (combustíveis, óleos etc.), com 157,1 milhões de toneladas, cargas conteinerizadas (64,8 milhões de toneladas) e carga geral (30,2 milhões de toneladas). O perfil de um país exportador de commodities.

Na soma da carga movimentada entre 2010 e 2020, até julho, o Pará ocupa o 5º lugar, com 630 milhões de toneladas, depois do Rio de Janeiro (1,9 bilhão), Maranhão (1,75 bilhão), São Paulo (1,73 bilhão) e Espírito Santo (1,6 bilhão). Na Amazônia, o estado do Amazonas é o 10º (256 milhões), Rondônia o 14º (72 milhões), o Amapá o 16º (35 milhões) e o Acre o 21º (14 mil).

A expressão neocolonialismo pode ter entrado em desuso, mas o modelo de exploração funciona como nunca.

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p style=”text-align: justify;”>Lúcio Flávio Pinto – Jornalista. Matéria originalmente publicada no site www.amazoniareal.com.br

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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