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AMAZÔNIA: UM MOSAICO DE DIFERENTES DOMÍNIOS

AMAZÔNIA: UM MOSAICO DE DIFERENTES DOMÍNIOS

Amazônia: um mosaico de diferentes domínios

Borracha, madeira, , minério, pecuária ou simplesmente o sonho de ter um pedaço de terra. Quatro moradores da contam os motivos que os levaram à Amazônia.

Por Cristiane Prizibisczki/O Eco

No dia 4 de dezembro de 1971, Expedito Aparecido Cândido, então com 6 anos, chegou ao município de Altamira, no Pará, com a mãe e mais três irmãos, vindos do Rio Grande do Norte. 

O pai havia chegado alguns meses antes. Fugindo da que havia assolado o nordeste do país no ano anterior e em busca de melhores condições de vida, o patriarca foi atraído pelas notícias que corriam sobre a abertura da Transamazônica e a possibilidade de um pedaço de terra na nova fronteira que se abria no país.

A de Expedito e sua família é apenas uma dentre as milhares que compõem o complexo processo de ocupação da Amazônia. Foram diferentes fases – confira linha do na página especial – e diferentes processos que levaram ao intrincado mosaico dominial do solo amazônico.

Na primeira matéria do especial sobre regularização fundiária na Amazônia, você vai conhecer a história de quatro atuais moradores do maior município do país, Altamira, no coração da Amazônia paraense. 

A história deles ilustra alguns dos diferentes processos de ocupação da floresta tropical, sempre com um sonho comum: ter um pedacinho de terra para chamar de seu.

Expedito Aparecido Cândido

“Eu nasci no , e na época que viemos a gente morava no Rio Grande do Norte. Papai viajava pra São Paulo, Minas a e quando ele ouviu falar que tava alistando o pessoal pra vir pra cá, ele fez esse alistamento e nós viemos”, diz Expedido Aparecido Cândido, relembrando de quando chegou à floresta, ainda com pouca idade.

O “alistamento” que Expedito cita era uma das ações do Programa de Integração Nacional (PIN), lançado em 1970, durante a Ditadura Militar, como parte do movimento nacionalista que pregava a unificação do país e promoveu uma série de grandes obras rodoviárias em direção à Amazônia. 

A proposta do PIN era baseada na utilização de mão de obra nordestina – afetadas pelas grandes secas de 1969 e 1970 – para a ocupação da floresta tropical. O programa previa que cem quilômetros de cada lado das estradas a serem abertas deveriam ser utilizadas para a colonização.

“Integrar para Não Entregar” e “Terra sem homens para homens sem terra” foram as famosas expressões usadas na época. A Transamazônica foi a principal via utilizada pelo programa.

Foi desta forma que a família de Expedito conseguiu o tão sonhado pedaço de chão. Ao longo das décadas que se seguiram, o título adquirido pela família de Expedito junto ao Instituto Nacional de Colonização e (INCRA) foi vendido para a compra de outros pedaços de terra. Hoje com 56 anos, ele tem sua própria casa, com a documentação em dia.

Dona Martinha

Tal sorte ainda não teve Maria Martim de Castro Vila, uma senhora com cerca de 70 anos que ainda espera a documentação de sua propriedade, na gleba Assurini, também em Altamira, do outro lado do rio Xingu. 

Maria Martinha, como é conhecida, chegou ao município no começo dos anos 2000, vinda de outra parte da Amazônia, a comunidade de Cipó Ambé, em Vitória do Xingu. “Pro Cipó as terra era muito fraca. Pra cá a terra era boa e meu filho interessou em vir pra cá. Aí a gente, eu mais meu marido, se interessou em vir pra cá também”, conta a aposentada.

As primeiras comunidades do Assurini começaram a se formar em 1975. Eram migrantes vindos de distintos estados brasileiros que vieram para o Pará à procura dos benefícios, vislumbrados pelo Programa de Integração Nacional (PIN).

Em 1983, o INCRA iniciou a demarcação das propriedades rurais do local. Em 1995, o órgão reconheceu a área como Projeto de Assentamento, com capacidade de assentar 500 unidades agrícolas. Atualmente, o projeto conta com cerca de 450 famílias assentadas, nem todas com o título definitivo de posse, como é o caso de Dona Maria Martinha.

“Vai chegar, vai chegar”, repete a aposentada, quando questionada se já tem o título da propriedade. A documentação já está toda no INCRA, explica, só aguardando a finalização do processo pelo órgão.

Raimundo Luzio, hoje um senhor altivo de 60 anos, nasceu no . Ainda jovem veio para o Pará, em busca de trabalho e terra. Já sua esposa, Maria José, com também 60 anos, é nascida e criada em solo altamirense.

Ambos já moraram em vários lugares do maior município do país e, no início dos anos 2000, conseguiram finalmente comprar um pedaço de terra no Ramal Cajá 1, da Gleba Assurini. 

O antigo dono era um goiano, cuja família, segundo o casal, havia adquirido várias propriedades no Pará. “Esse lá foi comprado. Ele [o dono goiano] deu o papelzinho e foi passado no cartório e tudo”, explica Maria José, quando questionada sobre o título da antiga propriedade. Segundo Raimundo, o “papelzinho” era um Contrato de Compra e Venda, registrado no cartório. 

Na atual propriedade em que vivem, no entanto, a situação é ainda mais complexa quando se fala em dominialidade. Segundo o casal, as terras em que moram foram “doadas” pelo antigo amigo goiano, que as teria recebido de herança de um parente falecido. Apesar de viverem ali há seis anos, não há qualquer documentação.

“Ele não deu nenhuma papelada. Aí é isso que eu acho mais difícil pra fazer o documento, eu fico pensando o que eu faço pra fazer. É porque ele não mora aqui. Ele mora em Goiânia. Ninguém tem endereço dele. E aí como é que faz?”, se pergunta Raimundo Luzio.

As histórias de Expedito, Maria Martinha, Maria José e Raimundo ilustram a complexidade de se rastrear a dominialidade da terra para fins de regularização. E estamos somente falando de áreas passíveis de “privatização”. 

 A Amazônia possui milhares de km² de terras que precisam ainda de um destino, seja ele voltado para uso particular ou para usos comuns. Quem é responsável por essa escolha você conhece na próxima reportagem do especial.

Fonte: O Eco. Foto da capa: Jaime Souzza.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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