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As maracutaias vão continuar devidamente legitimadas

As maracutaias que sempre se repetem

Documentário clássico ‘Inside Job – a Verdade da Crise’ é uma boa sugestão para assistir nestes tempos fantasmagóricos do retorno dos ‘Chicago boys’

Créditos da foto: (Reprodução/JustWatch)

Na língua inglesa inside job significa transgressão, crime. Ou sem rodeios: maracutaia. É justa a expressão escolhida pelo diretor Charles Ferguson para título do seu clássico filme, Oscar de Melhor Documentário de 2011, Inside Job, que circula há tempos pelas plataformas digitais. O doctem picos de acessos dependendo dos sinais cíclicos e mais evidentes alertando para que a tragédia – a crise da bolha especulativa de 2008 – não se repita. Agora, este é um desses momentos de desorganização econômica geral em que o delírio verde-amarelo aponta para uma fusão (venda) do Banco do Brasil com o Bank of America, da Embraer com a Boeing, e o pesadelo da privatização indiscriminada mira na venda da Petrobrás aos capitais estrangeiros.

No filme de Ferguson, aliás, o ex-diretor do banco central americano, Alan Greenspan, nomeado por Bush/pai e renomeado por Bill Clinton e pelo Júnior para a presidência do Federal Reserve, fala sobre a criação dessas mega empresas. Comenta a consolidação do setor financeiro com a criação de organizações gigantes. Mas anos depois, na década dos 90, quando o Citigroup viu a luz do dia e se constituiu na maior empresa financeira do mundo, se sentiu obrigado a reconhecer que ‘’o fracasso dessas empresas, com o seu gigantismo, pode ameaçar todo o sistema. ’’

Cientista político de 63 anos, nascido em São Francisco e egresso de Berkeley e do MIT (Massachussets Technology Institute) Charles Ferguson produziu e dirigiu este documentário porque, segundo ele, ficou ‘’revoltado com a ganância de pessoas que ainda hoje ocupam papeis importantes na alta finança americana com influência a nível mundial. ’’ Ele comenta ter sido ‘’ um horror a desregularão do mercado financeiro e o fim da limitação da atuação dos bancos de investimento. ’’ Observações de sete anos atrás.

Inside Job – A verdade da crise* é narrado pelo ator Matt Damon e tem objetivo pedagógico. Relembra que o desastre começou na Islândia, em 2000, no início da política de desregulamentação no país. Três bancos foram privatizados, um terço dos profissionais reguladores de finanças do governo passaram a trabalhar para essas instituições bancárias e a Alcoa entrou para construir usinas geotérmicas nas terras dos planaltos islandeses.

O desemprego triplicou num país antes de sólida economia, baixo desemprego e completa infra-estrutura de saúde e educação. O rombo na economia da Islândia foi de 100 bilhões de dólares. Nos Estados Unidos, o custo da crise de 2008 foi de 200 trilhões de dólares. Dezenas de milhões de pessoas perderam empregos, casas, economias e muitas se suicidaram.

“Professores de Economia davam aulas e palestras defendendo a desregulamentação dos mercados e escreviam artigos enaltecendo a robustez do sistema financeiro islandês. Os mesmos que depois ocuparam postos chave em vários bancos americanos; Goldman Sachs, Citigroup, Chase Manhattan Bank, ‘’ lembrou Ferguson, em entrevista de 2011.

O filme detalha as relações promíscuas e corruptas praticadas entre vários segmentos da sociedade – indústria, finanças, política, mídia, justiça e academia – e ressalta, além da falta de regulamentação firme do mercado financeiro, a hipocrisia das agências de rating.

Nesta aula de (bom) cinema extensiva às platéias não familiarizadas com o economês, a saga é dividida em capítulos. Como Chegamos Aqui, A Bolha, A Crise, A Responsabilidade, e concluindo: Onde Estamos Agora.

Mas uma das coisas que mais afeta o leigo no doc de Ferguson é o papel desempenhado por respeitados professores de Economia das mais vetustas universidades, muitos deles omissos, que silenciaram na época do escândalo de bancos que lavavam dinheiro de Pinochet, como o Riggs Bank; que subornaram funcionários do governo, como o JP Morgan; do Crédit Suisse que lavou dinheiro iraniano numa boa ou do Citibank ajudando a financiar 100 milhões de drogas que saíram do México.

O economista superstar Nouriel Rubini é um dos entrevistados. “Causada por uma atividade inteiramente fora de controle, a crise não foi um acidente, ’’ ele diz. ‘’E se uma nova vier, 15 milhões de pessoas podem cair abaixo da linha da pobreza. ’’

Outra boa entrevista do filme é com o primeiro Ministro de Singapura, na época, Lee Hsien Loong, que examina a crise sob o ângulo da onipotência humana. “Quando se pensa que se pode criar algo a partir do nada é muito difícil resistir a essa ideia. ’’ Sabe-se que uma das elementares síndromes que afetam os ambientes do job das finanças é justamente as pirâmides de cocaína consumida por muitos dos seus frequentadores.

A jornalista editora executiva do Financial Times da época é outra presença em Inside Job. Ela confessa: “Nós estávamos há tempos preocupados. Alguns operadores também. Mas não podíamos publicar nada sobre essas nossas preocupações. ’’ O notório Dominique Strauss, ex-diretor do FMI e outro personagem daquele tempo aparece meteoricamente no filme. Com a arrogância proverbial.

“Excessivos, ’’ responde Paul Volcker, hoje com 91 anos (foi um dos principais conselheiros de Barack Obama) quando Ferguson indagou dele o que achava dos lucros de Wall Street.

No fim do filme, ficam no ar algumas perguntas para o espectador. Como está se comportando, qual é o papel da universidade, e dos professores de Economia e Administração diante dos riscos de novos desastres de tal porte como ocorreu em 2008? O que ensinam aos seus alunos, a essa nova geração de jovens economistas que está ingressando no mercado de trabalho neste infeliz momento em que o grupo dos Chicago boys passam a ter o poder nas mãos novamente? São professores e, paralelamente, consultores de bancos, agências e de instituições financeiras? São pagos para escreverem artigos louvando o status quo – como se fez antes?

O respeitado professor emérito de Economia Política do MIT, Carl Kaysen, de 89 anos, fecha o filme de Charles Ferguson lamentando: “Os mesmos homens e as mesmas instituições ainda se encontram no poder. ’’

Mas por algumas coisas vale a pena lutar, ele diz. Para que o desastre não se repita.

ANOTE AÍ

Fonte: Carta Maior

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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