ATAQUE À FLORESTA

ATAQUE À FLORESTA

Ataque à floresta

Essa luta da gente é uma história meio assim, meio comprida. Começou a partir de todo o movimento dos empates pela defesa da floresta, principalmente em [19]76. Em 76, a gente [es]tava no auge, no momento mais acirrado, no momento mais difícil, no momento mais de desespero que já ocorreu nesse Acre…

Por Chico Mendes

Na época que os fazendeiros começaram a chegar, a partir de [19]70, começa então a expulsão em massa dos seringueiros. Os seringueiros foram expulsos, [viram] seus barracos queimados, suas casas… de repente os jagunços cercavam, tocavam fogo nos barracos.

No Seringal Albrácia, em 72, tinha nove pistoleiros. O seringal foi comprado por um paulista por nome Vilela, ele trouxe nove pistoleiros, expulsaram todos os seringueiros dessa região. [E o que é que eles queriam, eles queriam expulsar vocês da região, dos seringais, botar o que no local, eles queriam destruir a floresta, desmatar pra botar o boi, é isso?] Botar o boi. Eles conseguiram destruir a floresta, tirar o seringueiro, tirar a seringueira, a castanheira, as riquezas que existe[m] lá dentro em troca do boi, [de] colocar o boi lá dentro.

Ou seja, a substituição do homem na floresta pelo boi. A Bordon nesse momento compra uma grande área no rio Xapuri. A Bordon expulsou em massa e tocou fogo em barraco de seringueiro, matou mulher de seringueiro, queimada.
Os outros fazendeiros também reagiram [da mesma forma] e toda a região de Xapuri foi bombardeada. Mais de 70%, naquele momento, dos seringueiros em desespero são expulsos dessa região aqui e se mandam pra Bolívia e outros pra Rio Branco, pra periferia da cidade, lá. [É] um momento de grande desespero.

[Em] 76, eu assumo a diretoria do Sindicato em Brasiléia, no Acre. Começa a primeira implantação do Sindicato lá. Em 76, nós sentamos e pensamos: como, como vamos barrar esse processo de desmatamento? Apelamos pra justiça, pro advogado, porque o Estatuto da Terra dá o direito ao posseiro, lá na sua colocação não poderia ser expulso. Mas isso, naquele momento, prevalecia a força e o dinheiro.

A força policial já vinha em cima do dinheiro do latifúndio. Naquele período de 70 a 76, eles compraram aqui nessa região seis milhões de hectares de terras, não tiraram um tostão [do bolso], não venderam um boi no Sul pra comprar essas terras… [A Bordon?] A Bordon e outros fazendeiros que vieram do sul do País. Essas terras foram compradas todas com o apoio dos incentivos fiscais da SUDAM.

O governo abriu as pernas pra esses latifundiários e, nesses seis anos, nessa nossa região, foram destruídas 180 mil árvores de seringueira, 80 mil castanheiras e, entre madeira de lei e cedro, o abio, o cumaru-de cheiro, o cumaru-ferro, o amarelão, foram destruídas mais de 1 milhão e 200 mil árvores, fora as árvores médias que [es]tavam crescendo.
Os fazendeiros reagem e dizem que nós [estávamos] trazendo dinheiro de fora pra comprar armas, para organizar a guerrilha. Aí chega a polícia federal, o SNI. Mas nós resistimos, a gente insistiu. [Você se lembra, houve mortes, nesse período?] Sim, eu vou chegar lá. Nesse período então, se organizam várias frentes de luta.

E em 79, o maior movimento rompeu-se no Acre, no município vizinho do Acre, fronteira com o Acre, no município de Boca do Acre, do estado do Amazonas, um grupo de seringueiros são ameaçados por jagunços, por pistoleiros, e o Acre, aqui, nós mandamos 300 homens pra cercar o acampamento dos pistoleiros, tomamos todas as armas, eu não fui, mas o companheiro Raimundo, meu primo, foi, e foi o primeiro movimento mais forte que se rompe, que cresce no Acre, liderado pelo companheiro Wilson de Souza Pinheiro, presidente do Sindicato de Brasileia.

Isso deu uma repercussão muito forte, e como naquele momento Wilson Pinheiro era a figura principal, nos empates de derrubada, em todo o Acre, os fazendeiros, no mês de junho, todos os fazendeiros da região fazem uma reunião e decidem pela morte de Wilson Pinheiro e de Chico Mendes, que também estava começando a crescer naquele momento.

No dia 21 de julho de 1980, eu estava numa Assembleia Sindical no Vale do Juruá, no outro lado do Acre, e Wilson Pinheiro estava na sede do Sindicato, assistindo uma televisão com seus companheiros. E nessa noite, um pistoleiro se deslocou pra Brasiléia e outro aqui pra Xapuri. O que chegou aqui em Xapuri perdeu a viagem porque aqui eu não estava.

O de Brasiléia acertou em cheio no Wilson Pinheiro. Por ali, no canto da casa, deu três tiros e matou o Wilson Pinheiro. [1980?] 1980. Aquele momento, taticamente, os fazendeiros avaliaram que o Sindicato de Brasileia apesar de ser forte, mas ele tava centralizado numa liderança que era o Wilson Pinheiro e que ele deveria morrer, porque matando o Wilson Pinheiro o Sindicato recuaria e eles conseguiriam com isso seu trunfo principal, que era o domínio sobre a terra.

Chico MendesDepoimento histórico, gravado em áudio (em fita cassete) por Lucélia Santos, em sua primeira visita ao Acre, a convite de Chico Mendes, em maio de 1988. Transcrição feita por Zezé Weiss e Agamenon Torres para a peça Vozes da Floresta, de Zezé Weiss, produzida e apresentada por Lucélia Santos no SESC Ipiranga, em São Paulo, nos meses de outubro e novembro de 2022. As marcações em itálico são questionamentos de Lucélia durante o diálogo da entrevista. Título do texto criado por Zezé Weiss, para a edição 98 da Revista Xapuri.

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p style=”text-align: justify;”>HOMENAGEM DO SINDICATO DOS BANCÁRIOS DE BRASÍLIA
NOS 34 ANOS DO ASSASSINATO DE CHICO MENDES

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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