Baviera Tropical, Mengele no Brasil
Ler Mengele – Baviera Tropical é compreender que o passado nunca desaparece sozinho – ele precisa ser enfrentado. E esse enfrentamento começa pelo conhecimento
Por Oliveiros Marques/Brasil 247
Ou falar sobre como o amor familiar da família Jordy se expressa através dos adjetivos usados pelo irmão do deputado Carlos Jordy para se referir a ele – em que o mais simpático é chamá-lo de ladrão contumaz? Não.
Preferi comentar e sugerir a leitura de uma obra fantástica da jornalista Betina Anton, Baviera Tropical. Betina – sim, já estou íntimo, dada a intensidade com que mergulhei nesta obra -, com uma prosa que mistura linguagem jornalística e romance realista, nos brinda com um trabalho estupendo que transborda o jornalismo investigativo e o romance histórico.
A obra reconstrói, com precisão quase cinematográfica, a trajetória de Josef Mengele – o médico nazista que simboliza a perversão científica e a moral do regime hitlerista – desde sua fuga da Europa até seu ocultamento no Cone Sul, especialmente no Brasil.
Mas o mérito do livro não está apenas na biografia do carrasco; está na maneira como a autora costura esse enredo com documentos, cartas, depoimentos, arquivos da inteligência internacional e episódios da política latino-americana. A narrativa se move como um thriller histórico, a partir de uma personagem de sua infância, mas sem renunciar à integridade investigativa.
O livro revela como Mengele encontrou abrigo em uma teia complexa de proteção, construída por simpatizantes do nazismo, redes empresariais, agentes infiltrados e até membros das elites locais. Mostra também como a Alemanha Ocidental e os Estados Unidos, em plena Guerra Fria, decidiram calibrar o esforço de perseguição a nazistas conforme suas conveniências geopolíticas.
É perturbador – mas essencial – perceber como o Brasil de então ofereceu terreno fértil para que criminosos de guerra circulassem quase com naturalidade.
Outro ponto central da obra é expor o contraste entre a brutalidade absoluta de Mengele e sua vida aparentemente banal na Estrada dos Alvarenga, na divisa entre São Paulo e Diadema, em sítios na região metropolitana e no litoral paulista, onde, inclusive, viria a morrer de forma anônima. A autora nos lembra que monstros históricos não vivem em cavernas: vivem no interior das sociedades, nas brechas da lei, na indiferença institucional.
Além da reconstituição factual, o livro oferece reflexões sobre memória, justiça e a responsabilidade dos Estados diante de crimes contra a humanidade. A pergunta que percorre as páginas é desconfortável, porém necessária: como um dos maiores assassinos do século XX pôde viver por décadas numa “Baviera tropical” sem ser incomodado?
Recomendar este livro é recomendar coragem intelectual. Ele ilumina um período em que Brasil, Paraguai e Argentina foram abrigo para fugitivos nazistas, desmonta mitos, confronta omissões e nos convoca a reconhecer que nossa história também carrega sombras profundas.






