BLA BLA BLA… e eu de volta!
Por Jairo Lima
Fevereiro indo para o seu ocaso, e novamente ressurjo para mais um ano de escrevinhações e percepções que nem sempre são as mais coerentes, mas que, de certo modo, afaga-me as angústias.
Desde o final da 1a Conferência Indígena da Ayahuasca que submergi em projetos próprios, como a música, principalmente quando na aventura gastronômica e etílica da festividade utópica e ilusória da ‘virada de ano’, o amigo Rafael Castro inventou de fazer uma interessante ‘macumbagem’ alemã que, entre sustos e risos de todos que dela participaram, e do esforço poliglota do amigo Rafael, ficou claro que 2018 se apresentaria como eu vinha refletindo logo no dia seguinte ao fim da conferência.
Mas o que seria esse novo ciclo do astro-rei e de dos solstícios que adiante de mim se mostravam para mais 365 dias e noites? Bem… assim como eu, certamente os que me acompanham nas reflexões deste blog, descobrirão.
No ‘mundo‘ do Acre indígena pouco ou quase nada se apresentou entre as últimas linhas por mim traçadas em 2017 e as que aqui ‘zonzamente’ expresso.
Coisas legais como as reuniões com os txai para discussão do calendário 2018 dos festivais e vivências nas aldeias; Uma leitura aqui e ali sobre os movimentos de bastidores para o certame político deste ano; Umas visitas interessantes em minha casa… ou seja, coisas mais simples e numa movimentação típica de começo de ano em aldeia: momento de se dedicar a coisas mais caseiras e se afastar desse mundão louco e esquizofrênico que, se nos dedicarmos a acompanhá-lo, nos engolirá facilmente enredando-nos em suas teias e peias cotidianas.
Voltei minha atenção para um projeto pessoal (mais um) que, claro, tem a ver com esse mundo indígena: a música. Caí de cabeça, melhor, mergulhei nesse mundo musical mais uma vez para ajudar nessa nova empreitada de expansão da cultura indígena. Um novo estúdio para produções de áudio e vídeo, bem como um canal de música no YouTube nasceram nessa nova caminhada.
Mas, pra seguir em frente nesse novo ano é preciso antes voltar os pensamentos e lembranças para o ano anterior, mais especificamente para a conferência indígena da ayahuasca. Demorei um bom tempo para me ‘recuperar’ de tudo o que aconteceu naqueles dois dias e meio do encontro que, se por um lado estava atrelado às correntes temporais de um relógio e do calendário, por outro, mostrou que seus resultados extrapolariam, e muito, essa temporalidade.
Eu fiquei como alguém que, após ter vencido uma íngreme escalada, ao seu final, perscruta o infinito do horizonte sem vontade de fazer o caminho contrário.
Assisti e divulguei os vídeos, textos e o escambau que foram produzidos durante e depois do evento. Espantei-me com o impacto desse evento e da divulgação de seus ‘produtos’. Matutei muito nas palavras ditas pelos txais que se fizeram presentes. E nas noites insones (que foram muitas) fiquei revivendo as sensações, visões e tudo o mais que aconteceu na esfera material e espiritual dos rituais que participei.
Assim como aprendi com os txais resolvi passar o ‘tempo das chuvas’ (fim de ano e começo do outro) cuidando de casa e dos afazeres aprazíveis que não demandem ausentar-se por muito tempo ou ir muito distante dos limites do meu ‘shubuã’ (casa indígena). Olhava a chuva que caía, me escondia à sombra quando o sol e o calor mostravam sua força e me perdia em pensamentos saudosos e profundos constantemente, guardando-me no silêncio, tentando ouvir os conselhos e pensamentos de Pawa, assim como fazem os Ashaninka em seus momentos diários de meditação, e nos explicam: ‘se não ficarmos em silêncio, como ouviremos Pawa?’
Nesse meu ‘tempo das chuvas’ particular quase não acessei o ‘feicebuqui’; não acessei de maneira nenhuma o e-mail e me puz distante o quanto pude das lamúrias e arengas jornalísticas e ideológicas que, tal qual um gatuno, tentava de todas a maneiras perturbar meu recolhimento. Não foram poucas as vezes que algumas das poucas visitas que recebi me comentavam: Você viu…? Você ficou sabendo…? O que você acha daquela notícia que…?– E eu, com cara de de desinteresse usava sempre uma frase prefeita, aprendida há muito tempo (e nem lembro com quem): Rapaz… txai… tô sabendo não ó! Mas que saber, txai, é melhor nem saber né? – E logo passava a outro assunto.
Claro que também fiquei distante das pessoas queridas com quem sempre diálogo ou troco mensagens… até mesmo o viciante e pentelho ‘zap zap’ experimentou ficar às traças. E não posso dizer que não achei graça quando, numa rara necessidade de acessar o email dei de cara com uma mensagem do ‘feicebuqui’ me admoestando por ter ‘abandonado’ os amigos que certamente estariam sentindo minha falta.
Mas, assim como a chuva passa, também chega o momento que temos que emergir, ou melhor, descer o rio saindo da aldeia e indo pro movimento do mundo. E assim, terminada as férias, fui voltando aos poucos, como quem faz a descida do rio parando aqui e acolá. Evitando os dissabores das más notícias vindas da internet ou das arengas do momento, por causa de alguma ideologia ou opinião barata nas redes sociais.
E assim, como fizeram as cronistas Claudia Aguirre e Raial Orotu, também dou o ar da graça’. Claro que sem conteúdo como as que elas trouxeram, com profundidade e bastante propriedade.
Mas, então o que é esse texto de hoje?
Bem… basicamente é para dizer que: blá blá blá e eu de volta em 2018.
Em tempo: Já está sendo discutida a próxima conferência da ayahuasca… em breve trago notícias.
Foto: Pedro Delvanir
Jairo Lima é indigenista, graduado em Pedagogia pela UFAC, com especialização em antropologia. Atua há mais de vinte anos junto aos povos indígenas do Acre e desde 2012 é servidor da FUNAI, no Acre.
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Publicado originalmente em 26/02/2018.