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Realidade

QUANDO A “REALIDADE PARALELA” INVADE A “REALIDADE REAL”

Quando a “Realidade Paralela” invade a “Realidade Real”

Antes de mais nada: ou se aprova a criminalização das fakenews, ou sucumbiremos enquanto sociedade…

Por Marconi Burum

Vivemos um tempo grotesco como pouco vi em toda a minha vida e com menos frequência me deparei junto aos estudos sobre os fatos históricos podres da humanidade (e olha que são diversos estes fatos).

É o tempo em que a “Realidade Paralela” invade a “Realidade Real”. Tempo de “Realidades” em colisão. É, contudo, um tempo em que a banalidade do mal (parafraseando Hannah Arendt) se torna comum entre pessoas comuns da sociedade reverberando o discurso cruel de certos líderes (e influenciadores gananciosos) que não possuem qualquer empatia ou sentimento pelo outro humano.

É um tempo em que o desprezo e a frieza com a vida das pessoas tem mais valor que a saúde mental da coletividade e de cada sujeito individualmente. Tempo realmente difícil de viver, ou de se enxergar esperança na raça humana. Saímos muito pior que éramos antes da pandemia da e estamos saindo ainda piores na tragédia climática que assola o Rio Grande do Sul neste ano de 2024. Mas fica uma pergunta: qual é a solução para não sucumbirmos de vez?

O mundo paralelo das fake news, da pós-verdades e da dissimulação de fatos e falas assassinou 700 mil vidas de brasileiros no tempo do coronavírus. É verdade que um percentual significativo de pessoas morreriam em consequência da COVID-19. Entretanto, a ciência já provou que ao menos 400 mil (se não mais) vidas TERIAM SIDO SALVAS não fosse um comportamento deliberado para a ação ou omissão ao enfrentamento da pandemia em questão.

E este modus operandi (da negação, da crueldade, da desinformação, da construção de uma pedagogia da morte), liberada por Bolsonaro e por líderes importantes da sociedade, levou milhões de pessoas, i) a não obedecerem o isolamento social; ii) a se aglomerarem; iii) a não usarem máscaras; iv) a não se vacinarem… enfim, a descumprirem a maior parte das recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS). Isto é um fato, uma verdade; que foi distorcida para um “outro” fato, uma pós-verdade. Resultado: MORTES E MAIS MORTES!

(E se, do nada, hoje não existisse internet, não existissem as redes sociais, como estariam sendo cuidadas as pessoas vítimas de tragédias e desastres em geral?)

O que vemos neste instante acontecer quando das enchentes que atingem cerca de 85% dos municípios do Rio Grande do Sul, não “apenas” tendo centenas de vidas ceifadas, contudo, os projetos de vida de milhões de gaúchos completamente destruídos (seus móveis, suas fotografias de família, suas casas, seus sonhos, tudo…), é estarrecedor! E é duplamente estarrecedor, mas por quê? 

Além da dor de cada família que perdeu um ente querido, ou perderam suas memórias construídas por décadas, talvez séculos de história de um povo, o que lideranças políticas e influenciadores digitais têm feito – espalhando toda ordem de fakenews ou a dissimulação de verdades – é de dar nojo! Vejamos: quando um tal de Pablo Marçal, Nego Di, Eduardo Bolsonaro, Carla Zambelli, Paulo Bilynskyj e dezenas de tantos outros espalham essas nojeiras pelas redes sociais, não estão apenas cometendo uma “pequena” imoralidade diante de um modelo civilizatório de coexistência: ESTÃO ATRAPALHANDO E MATANDO PESSOAS. Portanto, é CRIME! 

Nunca foi liberdade de expressão criar barreiras cognitivo-sociais para o socorro às vítimas das enchentes. Não é nem de longe levar informação às pessoas, contudo, confundi-las propositalmente para “lacrar” e ganhar mais dinheiro (no caso dos influencers), ou mais poder (no caso dos políticos da extrema ).

As pessoas, tratadas na indeterminação da sociedade (logo, são sujeitos difusos de direito), estão sendo contaminadas, ou a espalhar estes conteúdos produzidos por estes seres abjetos e repugnantes, ou estão com medo de agir, de fugir (de suas casas em risco), de enfrentar o problema por outras fontes seguras e com os verdadeiros aliados de sua necessidade. 

Este texto começou como deve terminar. Não se trata aqui de uma manifestação a mais para discursar sobre o que TODOS NÓS JÁ SABEMOS: que as fakenews matam! Trata-se de exigir dos governos sérios, do sistema de Justiça e dos congressistas – que sobraram – sérios que, para ontem,

1) suspendam sumária e imediatamente as redes sociais de pessoas, seja o grau de poder que tenham, que produzam conteúdos os quais inibam o salvamento e o enfrentamento das tragédias no Rio Grande do Sul; e

2) que aprovem um projeto de Lei criminalizando este tipo de prática para levar para a cadeia quem tem matado pessoas, ainda que não usando uma arma de fogo, entretanto, a partir da força irresponsável da palavra disseminada pelo submundo paralelo da internet – que invadiu o mundo real – a destruí-lo em certo prazo…

Segue abaixo um anteprojeto de Lei [2]. Vejam, senhoras e senhores congressistas, se lhes é útil para criar alguma esperança diante da “Realidade Paralela” – que até aqui está vencendo!

…………

[1] A este respeito, leia uma síntese perfeita da comparação entre os tempos e pessoas “do ódio” no nazismo de Hitler e os tempos atuais “do ódio” disseminado pelas redes sociais.
Link do texto: https://ufmg.br

[2] Anteprojeto de Lei

ANTEPROJETO DE LEI Nº___________, DE 2024

(Do Poder Legislativo Federal)

Dispõe sobre o crime de transmissão de notícia falsa, ou dissimulação de informação ou fato em tempos de epidemia, pandemia, desastres naturais e tragédias de comoção nacional, e dá outras providências.

O POVO BRASILEIRO, por seus Representantes Constitucionais, APROVOU, e eu, Presidente da República, sanciono a seguinte Lei:

CAPÍTULO I

DAS CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Art. 1º. Fica expressamente proibida a transmissão de notícia falsa (fakenews), ou dissimulação de informação ou fato em tempos de epidemia, pandemia, desastres naturais e tragédias de comoção nacional.

Art. 2º. Cabe ao Poder Judiciário, imediatamente provocado pelos órgãos competentes da República, suspender os meios de comunicação, sejam estes, páginas na internet, redes sociais e outros meios que possua o agente promotor de conteúdos nos termos descritos no artigo 1º desta Lei.

CAPÍTULO II

DA PREVISÃO PENAL

Art. 3º. Os dispositivos a seguir indicados do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, passam a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 359-T – Transmitir, pela internet ou por outros meios de comunicação, notícia falsa (fakenews) ou informação dissimulada em tempos de epidemia, pandemia, desastres naturais e tragédias de comoção nacional.

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos. 

Parágrafo único. Incorre nas penas deste artigo quem produz o conteúdo e quem o compartilha, sendo aplicada a penalidade de forma proporcional à capacidade de público recipiente do agente causador, ou à potência viral do conteúdo criminoso.”

CAPÍTULO III

DOS AGENTES COM IMUNIDADES CONSTITUCIONAIS

Art. 4º. Aos agentes promotores de conteúdos previstos no artigo 1º desta Lei e que sejam amparados por imunidades constitucionais, o prazo para a contagem de prescrição legal à devida responsabilização penal será iniciado ao fim do respectivo mandato eletivo.

Parágrafo único. As denominadas “fakenews” e as dissimulações intencionais de informação ou fato do caput não são consideradas livres opiniões e palavras, mesmo que uma vez proferidas no desempenho das funções dos parlamentares exatamente por ferirem os princípios do interesse público, da fé pública e da democracia, em sentido lato, para os quais correspondem como premissas do cargo eletivo.

 

CAPÍTULO IV

DAS CONSIDERAÇÕES FINAIS

Art. 5º. O princípio da liberdade de expressão não poderá ser invocado junto ao Poder Judiciário para justificar cometimento do crime previsto nesta Lei, ou os de quaisquer natureza.

Art. 6º. O ato comunicativo conhecido como “Fakenews” que cause comoção negativa na sociedade é crime em flagrante delito.

Art. 7º. A penalidade aplicada poderá ser atenuada se restar provado pelo agente causador da desinformação ou da informação distorcida a autêntica busca pela checagem de verdade do conteúdo antes de sua publicação.

Art. 8º. A punição penal do agente causador de disseminação de conteúdos tipificados no artigo 3º desta lei não exclui sua responsabilização administrativa e civil, quando for o caso.

Art. 9º. Esta Lei entrará em vigor na data da sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

, aos ________ dias do mês de ________ de dois mil e vinte e quatro.

NOTA DA REDAÇÃO: O conteúdo desta matéria é de responsabilidade do autor. A não se sente preparada para propor Leis, mesmo considerando o debate sobre tais iniciativas extremamente necessário.

Capa: Gilvan Rocha/Agência Brasil

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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