Brasil: país onde o pobre passa fome e o rico ri à toa
A retomada de desenvolvimento com progresso social está a depender de a futura nova ordem governante – na expectativa de um governo de centro-esquerda – dispor, ademais de firme decisão política, de sustentação em uma nova maioria, de que careceram os governos Vargas (1951-1954), Jango e Dilma, com as consequências conhecidas…
O Brasil, que perdeu a primeira revolução industrial (porque a casa-grande optou pela persistência de uma arcaica sociedade agrário-exportadora fundada no latifúndio e no escravismo), corre o risco de mais uma vez deixar passar vazio o bonde da história; quando o mundo avança tão celeremente no domínio de novas tecnologias, abrindo um leque inimaginável de transformações políticas e sociais, com a atividade econômica exigindo cada vez mais conhecimento científico e tecnológico, ou seja, mais escolaridade, o Brasil do capitão Bolsonaro, da burguesia financeira e dos engalanados que lhe dão sustento vira as costas para o ensino, a pesquisa e a inovação. Breve, o fosso tecnológico que já nos separa dos desenvolvidos – os países produtores de conhecimento – será intransponível, condenando as futuras gerações a novas formas de subdesenvolvimento, com seu contingente de fome e injustiça social.
Quando se exacerbam as rivalidades de blocos, anunciantes do confronto entre o imperialismo norte-americano e a emergência eurasiana, liderada pela China, ensejando a países com as nossas características a oportunidade de abrir seu próprio caminho, o governo do capitão, dos generais comissionados e dos empresários sem pátria opta pela aliança subalterna à geopolítica do grande irmão do Norte. É o preço de uma classe dominante alienada e forânea, refletida no bolsonarismo.
Este verdadeiro antiprojeto nacional, no qual se empenha o bolsonarismo, é, contudo, obra partilhada pela classe dominante, porque dele usufrutuária; não se ouve, até aqui, um pio de protesto do chamado empresariado quando o governo, com o concurso de um congresso dominado pelo fisiologismo do “centrão”, corta quase todo o orçamento do CNPq, 90% das verbas destinadas à pesquisa. O país vai mal; o povo, desempregado, subempregado ou desalentado, de mal a pior; mas a casa-grande ri a bandeiras despregadas.
O neoliberalismo do ministro da Economia levou o país à estagnação, os trabalhadores ao desemprego; no entanto, quanto mais aumenta a pobreza, mais crescem os dividendos da burguesia rentista, beneficiária de um capitalismo de marginalização social, cujo leitmotif é aumentar o lucro dos que já têm tudo. Dos pobres se extrai o salário, a previdência, o trabalho e a esperança. Se o real –arrastado pela estagnação econômica – é desvalorizado, os especuladores, como o inominável Paulo Guedes, acumulam dólares nos paraísos fiscais onde enfurnam suas fortunas, que não param de crescer enquanto a economia nacional desliza ladeira abaixo.
Possuímos uma orgulhosa agricultura, altamente capitalizada, de alta produtividade e de alta lucratividade, mas que não alimenta a população. Hoje, na segunda década do terceiro milênio, 112 milhões de brasileiros sofrem algum grau de insegurança alimentar e 20 milhões enfrentam a fome, diariamente (Dados da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar).
A produção industrial, enquanto a FIESP nem tuge nem muge, observa a quarta queda mensal consecutiva e a sétima em nove meses, imposta por redução de demanda. Caiu em outubro (0,4%) quando em setembro já estava em 19,4% abaixo de maio de 2011, assinalando um comportamento negativo persistente. Qualquer hipótese de desenvolvimento vai requerer investimento, uma dependência do mercado interno que não se conjuga com concentração de renda e desemprego.
Por Roberto Amaral Cientista político e ex-ministro da Ciência e Tecnologia entre 2003 e 2004
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