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Brumadinho: No Paraopeba já não existem mais peixes. Nas bordas tampouco se sentem os insetos

Lama com rejeitos da Vale vai matando rio Paraopeba aos poucos –

Ali já não existem mais peixes. Nas bordas tampouco se sentem os insetos

Em um dos locais mais simbólicos da tragédia de Brumadinho – onde o pontilhão da ferrovia sobre o Córrego do Feijão foi rompido ao meio pela força da onda de lama de rejeitos da Vale e o que restou é uma terra arrasada que mais lembra um cenário de guerra –, os passarinhos ainda cantam. Ali já não existem mais peixes. Nas bordas tampouco se sentem os insetos. Mas quatro, cinco, meia dúzia de espécies de aves – encarapitadas na mata que testemunhou o desastre – ainda catarolam como se a natureza não tivesse sido alterada.

O cenário foi observado pela reportagem neste e em outros pontos ao longo do curso do rio Paraopeba entre quinta (31), e domingo (3), uma semana após o desastre. Pode ser apenas uma questão de tempo, porém, para que tudo ali silencie. Foi assim há cerca de três anos na Bacia do Rio Doce, atingida pelo rompimento da barragem da Samarco, em Mariana. A morte do rio é a consequência imediata do desastre ambiental. Algum tempo depois, outros bichos vão desaparecendo ou migrando para outras regiões.

“Um ano depois do desastre, não se ouvia mais nada. A gente via aves com o papo vazio, morrendo de fome. Aqui pode ser que ocorra algo semelhante. Espero estar errada”, comenta a bióloga Marta Marcondes, pesquisadora da Universidade Municipal de São Caetano do Sul, enquanto monitora com sondas e outros instrumentos indicadores como o nível de oxigenação, em um ponto a cerca de 80 km do local onde ele foi atingido pela lama.

Marta acompanha uma expedição da Fundação SOS Mata Atlântica, que começou na quinta-feira para monitorar a qualidade da água em diversos trechos do rio, seguindo seu rumo em direção ao encontro do São Francisco, por 356 quilômetros.

O trabalho partiu do que o grupo denominou como “marco zero”, um ponto imediatamente anterior ao local onde a onda de rejeitos que desceu na barragem rompida encontrou o Paraopeba. Ali a água não estava tomada pela lama, mas já começava a ficar comprometida, com nível ruim. Uma medição anterior ao acidente dava o local como regular. Quase todos os demais pontos analisados, porém, já apareciam como péssimos, com exceção de apenas dois locais.

O Estado acompanhou a expedição até a altura de Juatuba e se deparou o tempo todo com uma imagem marrom-avermelhada, densa, que em nada se parece com um rio que possa suportar alguma vida. Nas palavras de Malu Ribeiro, coordenadora do projeto, a água virou uma espécie de chocolate derretido ou ferro líquido.

Em um dos poucos pontos em que a qualidade foi identificada como ruim, em Juatuba, a equipe chegou a se empolgar com a presença de alevinos e alguns insetos. Parecia que a vida não tinha sido tão afetada. Mas foi uma falsa impressão. Nas margens do rio, nascentes limpas protegidas por uma fina faixa de mata ciliar serviam de proteção aos bichos. Mas já no meio do corpo d’água, os indicadores não deixavam dúvida. “A turbidez está em 5.510, quando o máximo aceitável é 100. Não tem como chegar luz, não tem como ter vida”, afirmou Malu diante dos resultados.

Peixe podre

Em um outro ponto, no município de São Joaquim de Bicas, onde estão um grupo indígena “desgarrado” dos Pataxós da Bahia e um acampamento do MST, o cheiro de peixe podre prenuncia metros antes o cenário de devastação.

“A meu ver, isso aqui não é lama, rejeito, nada, é sangue”, disse, chorando, a agricultora familiar Antonia Aguilar Santos, de 61 anos, referindo-se às 121 vítimas do desastre. “Este rio significava muito pra gente. É onde a gente toma banho no calor. No almoço de domingo, quando os amigos vêm visitar, a gente descia com as comidas para a beira do rio e ficávamos lá. Fora a pesca, a água para as plantações…”

Tahhão, de 55 anos, que faz as vezes de guarda indígena, conta que o rio é fonte de peixes para a tribo. Uma prainha que se formou perto da aldeia acabou se tornando um local de celebrações e rituais e já é considerada sagrada para eles, apesar de ocuparem a região há apenas dois anos.

“É que sem água não existe vida, então virou sagrado para a gente”, conta, quando nos aproximamos do local. Pelos seus cálculos, uns 300 quilos de peixes mortos já foram retirados da região desde que o rio foi contaminado pela lama.

Brumadinho Vale Metrópoles

 

Foto: Metrópoles

ANOTE:

Fonte: O Tempo – MG: https://www.otempo.com.br/cidades/lama-com-rejeitos-da-vale-vai-matando-rio-paraopeba-aos-poucos

 

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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