Brumadinho

Brumadinho: Os mortos soterrados pela lama custam barato para a Vale.

Brumadinho: Os mortos soterrados pela lama custam barato para a Vale. O que importa mesmo é a China

Os mortos de Brumadinho custam barato para a Vale. O que importa mesmo é a China –

Por: Alexandre Andrada/The Intercept

Tragédias como a de Mariana e Brumadinho, no final das contas, saem barato para gigantes como a Vale. Basta acompanhar o mercado de ações.

O preço das ações de uma empresa na bolsa de valores, uma medida básica sobre o valor da própria empresa, é determinado por uma infinidade de variáveis. Uma, porém, se destaca: a expectativa em relação ao lucro da empresa, por parte dos investidores.

Imagine que uma empresa abre seu capital, oferecendo 100 ações. Se, por qualquer motivo, os investidores acreditam que essa empresa terá um aumento nos seus lucros, os papéis serão um bom investimento. Haverá um aumento na demanda por eles, e o preço unitário das ações sobe. Se por outro lado a expectativa é de queda no lucro da empresa, o público vai querer se livrar desses papéis, provocando uma queda no valor dessas ações.

O valor da Vale já vinha em queda desde 2012. Mas, após a tragédia de Mariana, em novembro de 2015, a empresa – que é dona de 50% do capital da Samarco – perdeu 8% de seu valor de mercado em uma única semana. Naquele ano, aliás, a Vale foi a empresa de capital aberto que mais perdeu valor na bolsa brasileira, com uma queda da ordem de R$ 45,9 bilhões. Essa desvalorização se deveu não apenas à tragédia de Mariana, mas também à queda da cotação do minério de ferro no mercado global.

Mas, a partir de então, as ações da Vale voltaram a subir. No final de 2018, o valor de mercado da empresa fechou em R$ 263 bilhões, quase três vezes mais do que em 2014, antes do desastre, quando era de R$ 107 bi. Tudo leva a crer que deve ocorrer o mesmo com a tragédia de Brumadinho. Tudo será como antes.

Os cadáveres soterrados para sempre naquela lama têm importância mínima para a empresa e seus investidores. Eles são custos já precificados pelos investidores da Vale.

Torcida a favor

Desastres como o de Mariana e Brumadinho são didáticos para contemplar a pior face do capitalismo brasileiro. Neles, se somam ganâncias privadas, a captura do legislativo estadual e federal por poderosos interesses econômicos e a brutal incompetência, e vistas grossas do poder público.

No meio disso tudo, no trajeto do rio de lama, há não “uma pedra” (como no do poeta de Itabira), mas uma flora e uma fauna – incluídos aí os humanos sem nome que, para os atores graúdos envolvidos, não têm importância comparável aos bônus de fim de ano distribuídos pela empresa.

Na economia de mercado, as empresas buscam mais lucros e menos custos. Tratar rejeitos de mineração (ou “dejeitos” no léxico presidencial) é custo, não é receita. Como alertou o professor Bruno Milanez, da Federal de Juiz de Fora, as mineradoras cortam custos exatamente nessa área ambiental quando sua rentabilidade cai.

A única forma de forçar a empresa a se comportar é por meio da legislação e da pressão social. O público pode se recusar a comprar produtos de uma empresa poluidora, forçando o empresário a se preocupar com o . Esse cenário, porém, não vale para a Vale. Seu comprador é a China, que está a milhares de quilômetros de distância de Minas Gerais. E os governantes que podem puni-la dependem dos seus impostos para pagar os funcionários públicos – o governo de Minas, em especial, está em situação falimentar e não pode abrir mão desse dinheiro.

Segundo dados divulgados pela própria Vale, no primeiro semestre 2018, a empresa pagou R$ 676 milhões em tributos para o governo de Minas, além de ter realizado compras da ordem de R$ 4,9 bilhões – 77% de empresas daquele (R$ 3,8 bi). Em 2018, o minério de ferro respondeu a 8,4% das exportações brasileiras – é o terceiro produto mais importante, atrás apenas da e do petróleo – e a 30% das de Minas Gerais, o principal produto de exportação do estado. Em 2017, a participação do ferro foi ainda maior: 34% das exportações de Minas.

Ainda que a economia dos mineiros seja bastante sofisticada, especialmente para os padrões brasileiros, é evidente que a mineração é ainda muito importante para sua economia. E poder econômico se traduz sempre em poder político.

Precisando desses recursos e dos empregos diretos e indiretos gerados por projetos da Vale, políticos são incentivados a atender aos desejos dessa empresa gigantesca, inclusive facilitando a concessão de licenças ambientais ou fazendo vista grossa para irregularidades.

Nas eleições de 2014, por exemplo, a Vale “doou” quase R$ 30 milhões para campanhas de deputados federais, notadamente de Minas, e Pará. Tais doações se dividiram entre PMDB (R$ 13,8 mi), PSB (R$ 5,7 mi), PT (R$ 4,3 mi), PSDB (R$ 3,6 mi) e PP (R$ 1,7 mi). Isso deixa claro que o poder econômico da empresa irriga quase todo o espectro político brasileiro.

Na Assembleia de Minas, o deputado tucano João Vítor Xavier tentou aprovar um projeto que endurecia as regras para liberação de barragens das mineradoras. O texto, amplamente discutido com técnicos e representantes da sociedade civil, foi derrotado, em favor de um projeto virtualmente escrito pelas próprias mineradoras.

Num hipotético – que em nada lembra o , felizmente –, uma empresa rica pode simplesmente subornar os agentes envolvidos no processo. Desde um simples fiscal de um órgão público, a um juiz encarregado de alguma demanda de seu interesse, passando pelo governador ou presidente. Uma hipótese remota.

É hora de comprar?

Nas páginas especializadas, já há matérias do tipo “É hora de comprar ações da Vale?” Não sou trader, mas eu diria que sim. Afinal, já sabemos que as punições são leves em termos monetários (R$ 250 milhões de multa ambiental, como se diz pela avenida Paulista, é peanuts) e ninguém vai para cadeia (ninguém graúdo, pelo menos).

O que preocupa mesmo os compradores de suas ações é o apetite dos chineses por minério de ferro.

E só.

ANOTE AÍ

Fonte: The Intercept

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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