Caatinga: sapos ficam enterrados na areia sem comer por mais de dois anos

Caatinga: sapos ficam enterrados na areia sem comer por mais de dois anos

Caatinga: sapos ficam enterrados na areia sem comer por mais de dois anos

Saltando a esmo, davam a impressão de estar à procura de poças d’água para se alimentar e acasalar.
Começava ali um longo trabalho de pesquisa dos dois, que se estende há quase três décadas, para entender um comportamento pouco conhecido – pelo menos do público leigo: a estivação. Trata-se de um fenômeno semelhante à conhecida hibernação, só que causado pelo calor e a em vez do frio.
Assim como os que hibernam – dos quais os ursos são os mais famosos -, os que estivam reduzem suas atividades metabólicas por um longo período, podendo chegar a mais de dois anos em algumas espécies.
“É um fenômeno que ocorre com vários anfíbios que vivem em desertos ou em outros ambientes com escassez de água, ao menos temporária”, explica Jared.
“Semelhante à hibernação, induzida pelo frio excessivo, pode-se definir a estivação como o de letargia em que esses animais entram em um longo sono, quando as condições climáticas se tornam muito secas e quentes.”
Levados por Jared a também estudar os anfíbios da caatinga que estivam, os fisiologistas Carlos Navas, da de São Paulo (USP), e José Eduardo Carvalho, do campus de Diadema da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), começaram seu trabalho na região em 2007.
“Nosso objetivo central era investigar quais mecanismos fisiológicos permitiam aos sapos daquela região ocupar este ambiente aparentemente tão inóspito para este grupo de vertebrados”, conta Carvalho.

Carlos Jared, pesquisador do Instituto ButantanDireito de imagemMARTA ANTONIAZZI
Image caption‘Esses animais entram em um longo sono, quando as condições climáticas se tornam muito secas e quentes’, diz Jared

De acordo com ele, aos olhos de uma pessoa leiga, poderia parecer improvável que qualquer anfíbio, tipicamente conhecidos por sua dependência de locais úmidos e com maior disponibilidade de água, pudesse viver na caatinga.
“Contudo, existem relatos já há bastante tempo da ocorrência de anuros nesse bioma, e nosso trabalho foi no intuito de explorar as caraterísticas que permitiam tal modo de “, explica. Apesar das condições adversas, há mais de 40 espécies de anfíbios nesse bioma.
Ao longo dos 30 anos em que pesquisa esses animais na região, Jared e Marta realizaram 15 expedições científicas, 10 das quais a locais de maior probabilidade de surpreender os animais em estivação.
“Em todas elas realizamos escavações no leito de rios temporários, com medidas de aproximadamente um metro de diâmetro e profundidade variando em torno de 1,5 metro”, conta Jared.
“Estudamos as espécies Proceratophrys cristicepsPleurodema diplolister e Physalaemus sp, tanto enterradas durante os meses secos como ativas durante os úmidos.”
Durante a seca, para se defender da desidratação, os animais se enterram ou procuram micro-habitats, onde exista umidade e a temperatura se mantenha mais fria em relação ao .

Caatinga: sapos ficam enterrados na areia sem comer por mais de dois anosDireito de imagemCARLOS JARED
Image captionNa seca, para se defender da desidratação, os animais se enterram ou procuram micro-habitats com umidade e temperatura mais fria

Entre os exemplos extremos desse comportamento está o australiano Neobatrachus aquilonius, que, durante um mês de preparação para a seca, secreta até 45 camadas de pele, que formam um casulo, onde ele aguarda as chuvas e um clima mais ameno. Outra espécie, a Scaphiopus couchii, que vive em desertos norte-americanos, demora cerca de quatro horas para sair da dormência, quando perturbado.
Os anfíbios brasileiros que vivem na caatinga e estivam não chegam a tanto. Eles não entram num torpor tão intenso quanto os sapos australianos e norte-americanos, mas ficam em um estado de depressão fisiológica moderado, com queda pela metade do consumo de oxigênio – medida que indica o gasto de energia.
Além disso, embora fiquem enterrados na areia, numa profundidade que pode chegar até 1,80 m, ao serem encontrados e tocados, eles saltam de imediato, mostrando que seus músculos não se atrofiam durante a estivações.
“No caso de Pleurodema diplolistris, não encontramos diminuição significativa da função muscular”, diz Carvalho. “Os níveis de proteína muscular são mantidos praticamente inalterados, mesmo quando o animal passa longos períodos de inatividade enterrado sob o solo seco dos leitos do rios temporários na caatinga.”
Outras funções de seus metabolismos sofrem alterações, no entanto. Durante a estivação, o estômago dos anfíbios permanece vazio, o intestino encolhe e os ovários das fêmeas ficam cheios, prontos para liberar os óvulos assim que chova.
“A medida que se realiza a escavação, os animais vão sendo expostos e, independentemente da espécie, mostram-se inertes, envoltos por areia úmida, com postura fetal, sempre com os olhos fechados e os membros junto aos corpos”, informa.
“Quando tocados e expostos à luz do dia, respondem com reflexos de fuga, comumente expelindo pela cloaca a água estocada, que se espalha pela areia circundante. Não existe agregação, mas, muitas vezes, os indivíduos podem ser encontrados bem próximos uns dos outros.”

Homem segura sapo da espécie Proceratophrys cristiceps logo após ser retirado do seu local de estivaçãoDireito de imagemCARLOS JARED
Image captionCom os conhecimentos adquiridos sobre os sapos dessas regiões, uma das possibilidades que pesquisadores enxergam é de ‘gerar ferramentas para um potencial desenvolvimento de tecnologias de aplicação médica para uso em humanos’

Jared constatou ainda que, ao longo do período de seca, à medida que a água da areia vai evaporando, eles vão migrando gradativamente no sentido descendente. “Nesse contexto, a pele fina e delicada deve trabalhar, detectando rapidamente qualquer diminuição do nível de umidade e fazendo com que o animal se movimente no sentido mais favorável”, diz.
Mas nem sempre dá certo e muitos não conseguem dar origem a nova geração depois da estivação.
“A frenética atividade desses animais pode, também, não ser recompensada, ficando dependente do volume das chuvas”, explica Jared. “É comum, principalmente depois de chuvas de pouca intensidade, deparar-se com poças secas, ou com sua água sendo evaporada rapidamente, mostrando girinos mortos ou agonizando.”
Seja com for, entender como eles funcionam e como lidam com as condições do ambiente ajuda os pesquisadores a compreender, por exemplo, de que forma as mudanças climáticas irão impactar não somente estes grupos de anuros, mas também outros animais.
“Podemos ainda, com os conhecimentos adquiridos sobre os sapos dessas regiões, gerar ferramentas para um potencial desenvolvimento de tecnologias de aplicação médica para uso em humanos”, prevê Carvalho.
“Por exemplo, se entendermos de que forma esses anfíbios regulam seu metabolismo e preservam suas capacidades musculares, podemos tentar transferir este conhecimento para aplicação médica e melhorar as condições de pacientes que permanecem por longos períodos imóveis sobre os leitos e, invariavelmente, estão sujeitos a atrofia muscular.”
Fonte: Matéria publicada na página Bichos da Caatinga no Facebook: Bichos da Caatinga – BBC


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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