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Cabeças

Cabeças

Uma a uma, os soldados retiram as onze cabeças das latas de querosene. Ajeitadas em forma de pirâmide invertida nos quatro degraus da Prefeitura de Piranhas, interior de Alagoas, elas fedem, pingam uma mistura de álcool, salmoura e fluídos humanos.

Por Wagner G. Bandeira

Lampião ocupa o centro do primeiro degrau, a pele morta e encharcada puxa olhos, bochechas e boca para baixo, as orelhas estão desalinhadas. Os tecidos não parecem colados ao osso.

Na fileira de cima, a cabeça altiva de Bonita, o queixo alto, amparado por duas pedras, guarda melhor seus traços de viva, os olhos semicerrados.

A outra do grupo, Enedina, tomou um tiro na testa, falta parte do crânio, o vazio é ocupado por seus cabelos fartos, socados no que sobrou da cabeça.

A pequena escada, enchendo-se de vencidos, torna-se um altar grotesco. Pistolas automáticas, fuzis, cartucheiras, bornais e apetrechos com bordados coloridos compõem a cena. Há doze chapéus para as onze cabeças.

No alto, uma sela e duas máquinas de costura serão registradas na foto que entrará para a como parte do butim levado de Angico, o último refúgio daquele cangaceiro (Lampião).

A população se aproxima. A montagem, isolada pelos praças da polícia, causa repugnância, mas todos sabem que são testemunhas de um evento importante, que precisam estar ali, ver com os próprios olhos.

Wagner G. Bandeira – Escritor, em “Lampião & Maria Bonita”, editora , 2018.


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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