Cabeças
Uma a uma, os soldados retiram as onze cabeças das latas de querosene. Ajeitadas em forma de pirâmide invertida nos quatro degraus da Prefeitura de Piranhas, interior de Alagoas, elas fedem, pingam uma mistura de álcool, salmoura e fluídos humanos.
Por Wagner G. Bandeira
Lampião ocupa o centro do primeiro degrau, a pele morta e encharcada puxa olhos, bochechas e boca para baixo, as orelhas estão desalinhadas. Os tecidos não parecem colados ao osso.
Na fileira de cima, a cabeça altiva de Maria Bonita, o queixo alto, amparado por duas pedras, guarda melhor seus traços de viva, os olhos semicerrados.
A outra mulher do grupo, Enedina, tomou um tiro na testa, falta parte do crânio, o vazio é ocupado por seus cabelos fartos, socados no que sobrou da cabeça.
A pequena escada, enchendo-se de vencidos, torna-se um altar grotesco. Pistolas automáticas, fuzis, cartucheiras, bornais e apetrechos com bordados coloridos compõem a cena. Há doze chapéus para as onze cabeças.
No alto, uma sela e duas máquinas de costura serão registradas na foto que entrará para a história como parte do butim levado de Angico, o último refúgio daquele cangaceiro (Lampião).
A população se aproxima. A montagem, isolada pelos praças da polícia, causa repugnância, mas todos sabem que são testemunhas de um evento importante, que precisam estar ali, ver com os próprios olhos.
Wagner G. Bandeira – Escritor, em “Lampião & Maria Bonita”, editora Planeta, 2018.