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Rio Doce

Cadê o meu Rio Doce?

Em 1832 começou a navegação no Rio Doce por meio dos barcos a vapor, que escoavam a produção agrícola até o litoral do Estado. Com a intensificação do movimento comercial pelo rio, entre Regência Augusta e o Porto do Souza, e os estímulos oficiais, com maior povoamento nos extremos da linha, alguns anos depois, surgiu o interesse pela colonização da região intermediária: a região onde se plantaria a futura cidade de Colatina seria palco da primeira tentativa de colonização organizada na região.

O povoamento do Vale do Rio Santa Joana se deu por alemães e italianos. Em Itapina, na Barra do Rio Lajes, ao sul do Rio Doce, os imigrantes eram alemães, italianos e brasileiros de Minas Gerais, como Osvaldo Costa e Antonio Felisberto. Em 1907 foi construída a Estação Ferroviária, mas o desenvolvimento do povoado, que se chamou “Ita”, se deu a partir de 1915, principalmente, após a chegada do Coronel João Albuquerque, em 1919.

Por ser uma região com rico potencial e por sua localização estratégica como caminho para escoamento da produção vinda das Minas Gerais, Colatina passou a ser alvo de cobiça dos desbravadores e dos políticos.

Por esses motivos, o seu desenvolvimento se dá a partir de lutas quase permanentes. Ora entre os próprios colonos. Ora entre colonizadores e colonos. Não foram poucas as refregas dos ocupantes com os índios botocudos, além das disputas entre as oligarquias que se formavam na região.

O Rio Doce – mineiro como o Velho Chico –, cujas nascentes convergem dos contrafortes da Serra da Mantiqueira, na região da Zona da Mata das Minas Gerais, rasga as terras capixabas ao meio e deita nas planícies colatinenses em busca do oceano.

O rio era a artéria de vida e de morte da região. De vida, pela exuberância de sua fauna e flora. De morte, porque facilitou a exploração e a devastação das florestas da região. Através de suas águas foi conduzida grande parte das árvores derrubadas pelos madeireiros.

Durante anos, milhares delas desceram pelo seu curso, em forma de balsas feitas de toras gigantescas, vagarosamente, como o sangue de artérias dilaceradas. Era a devastação que abria caminho para as grandes plantações de café, o ouro do momento. O mesmo que ocorre hoje em várias regiões do Brasil, onde vastas extensões são degradadas para plantação de soja, o ouro de hoje.

Aquele comboio macabro fazia a alegria da criançada. Ficavam às dezenas esperando a correnteza do rio trazendo aquele imenso tapete de toras de madeira. Daí, os navegantes das balsas macabras iam até os ingazeiros, depois da Cadeia Pública, onde se agarravam aos galhos das árvores, e as embarcações improvisadas seguiam o seu percurso até a serraria da cidade de Barbados, o destino final do que foi a floresta capixaba, onde seriam transformadas em tábuas, para abastecer a indústria moveleira e de exportação de madeiras.

Devastada a floresta, parte dela foi substituída pela imensidão de eucaliptos que abastece a empresa Fibria, gigante na produção de celulose, para fabricação de papel.

Há um ano, o meu Rio Doce sofreu o maior atentado da sua vida, promovido pela Vale/Samarco. O vazamento em Mariana é o maior desastre ambiental do país, e até hoje a Justiça não conseguiu punir nenhum dos responsáveis. Afinal, este é um país onde a degradação ambiental não é considerada crime hediondo.

Se o fosse, dezenas de grileiros, como é o caso de grandes invasores de terras, grupo de que fazem parte capitães do agronegócio, políticos, ministros de Estado, representantes do judiciário, estariam condenados por “crime ambiental contra a vida”. Enquanto isso não ocorre, eles vão invadindo áreas de proteção ambiental para criar gado, plantar soja e cana de açúcar.

Quanto à morte do meu Rio Doce, do nosso São Francisco e de tantos outros mananciais, não tem a menor importância. O que interessa é o lucro. Nesse sentido, vale repetir o que disse o presidente da Nestlé, o maior produtor de alimentos do mundo.

Ele acredita que a resposta para as questões globais da água é a privatização. Esta afirmação está no registro da maravilhosa empresa que vende junk food na Amazônia e tem investido uma fortuna em dinheiro para impedir a rotulagem de produtos cheios de organismos geneticamente modificados, objeto de preocupação dos setores de saúde do mundo inteiro.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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