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Carolina Schaffer: os primeiros 17 dias de desgoverno ambiental

17 dias de desgoverno ambiental

Por: CAROLINA SCHÄFFER

Muito antes de assumir o governo, o presidente eleito já anunciava sua desafinidade com a área socioambiental. Ainda em novembro de 2018, ao retirar a candidatura do Brasil para sediar a COP-25 (Greenpeace, 28/11/18), ele dava os sinais do retrocesso na agenda ambiental e da vergonha que o Brasil passaria, perante o mundo, no seu governo.

Dito e feito. Infelizmente!

Os 17 primeiros dias do governo Bolsonaro indicam que todas as promessas de desmonte da área ambiental e social feitas na campanha estão sendo implementadas. Durante a campanha os seguidores mais fanáticos do candidato chegavam a dizer “não se preocupe, ele não vai fazer isso”, “ele fala assim apenas para ganhar votos”. Avisos não faltaram, mesmo assim muita gente resolveu se iludir. Alguns já se arrependeram mas até agora só se passaram 17 dias de uma gestão que promete ser desastrosa para todos os brasileiros, inclusive os que nele votaram. Os retrocessos já implementados ou anunciados serão sentidos na pele pelas gerações vindouras.

Primeiro, ainda durante o período de transição, anunciou a extinção do Ministério do Meio Ambiente (MMA). Depois, que ele seria fundido com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). A sociedade reagiu, inclusive a parte moderna do setor agrícola, e, num jogo de cena, ele voltou atrás. Na prática, manteve o MMA, mas promoveu seu fatiamento e o desmonte por dentro. Sob o comando de um condenado por fraude ambiental (El Pais, 09/12/18), o MMA não apenas perdeu poder político, mas está agora subordinado a interesses econômicos e a outras áreas da administração (ISA, 07/01/19).

A transferência da Agência Nacional de Águas (ANA) do MMA para o Ministério do Desenvolvimento Regional, junto com a competência sobre a Política Nacional de Recursos Hídricos (Decreto 9.666/2019), muito além de regionalizar as demandas, mostra a influência que a bancada ruralista tem sobre o governo (Direto da Ciência, 03/01/19). Essa transferência também ignora os conflitos na gestão da água com relação a questões energéticas, comunidades tradicionais e a biodiversidade aquática.

A retirada da identificação, delimitação, reconhecimento e demarcação das Terras Indígenas das funções da Fundação Nacional do Índio (Funai) e a transferência do órgão para o MAPA (MP 870/2019), sinalizam o descaso que a gestão tem com os povos originários e tradicionais e demonstra a lógica que será adotada com os temas fundiários, como a reforma agrária e a regularização fundiária na Amazônia Legal e nos territórios tradicionais (Greenpeace, 07/01/2019)

Uma agenda que foi relegada a escalões secundários foi a de clima. Na nova estrutura do MMA restou apenas o Comitê Gestor do Fundo Nacional sobre Mudança do Clima, cabendo à Secretaria de Inovação, Desenvolvimento Rural e Irrigação a competência de desenvolver políticas de adaptação aos impactos causados pelas mudanças climáticas. Para agravar o problema tem o fato de que o principal responsável pelas negociações internacionais sobre mudanças climáticas, o chanceler Ernesto Araújo, ministro das Relações Exteriores, ser um negacionista climático e em pleno século 21 questionar o aquecimento global. Aparentemente o Meio Ambiente passou a ter papel secundário em toda a esfera diplomática (ISA, 09/01/2019).

Além disso, não bastou só desvincular o Serviço Florestal Brasileiro (SFB) do MMA e integrá-lo ao MAPA, comandado pela representante ruralista Tereza Cristina, conhecida como “musa do veneno”, Bolsonaro indicou o ex-deputado ruralista Valdir Colatto de Santa Catarina, para chefiar o SFB (G1, 17/01/19). Colatto, que é o autor do Projeto de Lei que tenta liberar a caça de animais silvestres no Brasil, vai agora ser responsável pela implementação do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e pela gestão das florestas púbicas do Brasil. Colocar um crítico do CAR e adepto à liberação da caça de animais silvestres para cuidar da proteção e recuperação das florestas, é o mesmo que colocar a raposa para cuidar do galinheiro.

As primeiras iniciativas do novo ministro do Meio Ambiente sinalizam um ministério sem causa, pois a principal ação até agora é a feroz busca para achar “pelo em casca de ovo”. Numa tentativa de controlar as atividades do terceiro setor, o ministro teve a sagacidade de determinar a suspensão da execução dos convênios e parcerias pactuados pelos Fundos Administrados do MMA, Ibama, ICMBio e JBRJ com as ONGs (G1, 16/01/2019). Em manifestação pública, o Observatório do Clima afirma que o ofício fere o princípio da legalidade e levanta, sem elementos mínimos de prova, dúvidas sobre a idoneidade da sociedade civil, o que é ilegal e inconstitucional (OC, 14/01/2019).

Aonde foram parar as agendas ambientais?

Quem tratará das suas políticas?

Quem fiscalizará o cumprimento das leis?

Quem fará cumprir os códigos e tratados?

A Advocacia Geral da União (AGU) pelo visto não exercerá papel algum nessa empreitada, afinal também entrou no jogo do “mestre mandou”, e foi rápida em anular, a pedido, a multa ambiental que o presidente tinha em seu nome por pescar em reserva ambiental onde a pesca é terminantemente proibida (O Eco, 09/01/2019).

Os efeitos negativos dos 17 primeiros dias do governo Bolsonaro já superam os erros cometidos ao longo dos mandatos por seus últimos quatro antecessores (Congresso em foco, 15/01/2019). Mas ele não age sozinho. O (des)governo inteiro não entende nem em teoria e nem em prática a necessidade e a urgência das agendas socioambientais.

Apesar de dados científicos revelarem, por exemplo, que o desmatamento na Amazônia aumentou 13,7% entre agosto de 2017 e julho de 2018, que perdemos 7.900 km² de floresta, e, que o resultado disso contribui para o iminente aumento da temperatura e a mudança óbvia dos ciclos de chuva (National Geographic, 08/01/19), as práticas do presidente eleito e sua equipe vão na contramão da ciência e não mencionam nenhuma política para zerar o desmatamento, acabar definitivamente com as queimadas e incêndios florestais, criar novas unidades de conservação, recuperar áreas degradadas, tornar a agropecuária mais sustentável, reduzir o uso de agrotóxicos, proteger as espécies ameaçadas da fauna e flora, combater a caça aos animais silvestres, cuidar dos recursos hídricos, combater a pesca predatória no mar e nos rios, fiscalizar os desmatamentos ilegais, homologar terras indígenas e usar os recursos naturais de maneira sustentável.

Para contrabalancear a falta de políticas, o que mais se vê é politicagem, nomeação de amigos e parentes para altos cargos públicos e alianças com o que existe de mais retrógrado da velha política no Congresso Nacional. A jornalista Eliane Brum foi precisa ao descrever o que significa transformar um ordinário em “mito” e dar a ele o Governo de um país (El Pais, 04/01/19).

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ANOTE:

Fonte: https://www.carolinaschaffer.com/single-post/2019/01/18/17-dias-de-desgoverno-ambiental?fbclid=IwAR02tjsUA7qu10a5IV-b5kCjFhPonDu5iHi63n96rPI0COUDAQW5b3IgE9M

Fotos:
Araquém Alcântara (capa) –
Kanindé

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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