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Querida Mãe de Copas

Querida Mãe de Copas
 
Olho para trás, querida Mãe de Copas e, ao longe, contemplo por onde segui e vejo como teus pensamentos e presença comigo sempre estiveram. Afinal, mesmo em sua sana floral pela perfeição acaso em teu coração não cabe a simpatia pelo imperfeito?
 
(em Cartas para )
 
Querida Mãe de Copas,
 
Eu nunca vi um diamante de verdade. Ou será que vi?
 
Acaso saberia que esse seria real? E de que isso me valeria?
 
As pessoas ao meu redor comentam: Você é um diamante bruto!
 
Quanta idiotice essa visão. Penso: “Não quero ser um diamante bruto, quero ser como a pluma, que leve flutua ao sabor da brisa”.
 
Afinal, de que me valeria a bruteza a ser lapidada? E quem me lapidaria? Por isso que simpatizo com a pluma, querida mãe, pois sem perder sua forma alcança com sua leveza o que a lapidação da bruteza da reluzente joia não conseguiria.
 
Fixo-me nessa percepção de maneira obsessiva, pensando em como todos ao meu redor se lapidam ou são lapidados, moldando-se a uma aparente perfeição, que não sobrevive a um olhar mais profundo sobre os grotões profundos que habitam cada ser…
 
Se de ti herdo a frieza e a profundidade da percepção sobre o que me rodeia, do imparável recebo a certeza de que em algum ponto da estrada tortuosa que trilho, as encruzilhadas que encontrei serviram-me muito mais que os caminhos floridos e planos.
 
Olho para trás, querida Mãe de Copas e, ao longe, contemplo por onde segui e vejo como teus pensamentos e presença comigo sempre estiveram. Afinal, mesmo em sua sana floral pela perfeição acaso em teu coração não cabe a simpatia pelo imperfeito?
 
Estive em silêncio por muito tempo, eu sei. E as minguadas notícias que a vós repasso ainda não se sustentam em base forte. Mas, te digo que, em minha mente, as angústias e melancolias que, tal como cicatrizes que estão sempre à mostra, ainda são como fantasmas do espírito sopram em meus ouvidos suas doces e sedutoras palavras, instigando-me ao aconchego da solidão e do silêncio.
 
Se penso em fugir de tudo? Sempre. Mas, o que seria esse ‘tudo’ senão eu mesma? E assim seria vã minha fuga? É isso, florida mãe: assim como vejo a cada dia a Rainha da Noite reinar sobre o céu brilhante ao qual me perco em contemplação, também percebo que a mim cabe a decisão de ‘lapidar’ esse diamante bruto que é a realidade da qual me apercebo. Mas, o que seria esse diamante? Afinal, nunca vi um.
 
Mãe, pergunto: Você já contemplou a face suave e etérea da melancolia? Já ouviu o doce som de suas palavras? Mas, esse belo ser já não é tão senhor de mim quanto antes, apesar de me deixar levar, por vezes, por suas súplicas.
 
Mas, voltemos ao diamante: por acaso tens um? Fico pensando se sua beleza só é percebida por alguém o lapidou conforme sua percepção do belo, ou se dele emana alguma presença peculiar que instiga nosso ser a crer que de tal joia emana alguma beleza.
 
Acho muito ingênuo e supérfluo a comparação que muitos fazem entre pessoas e diamantes, assim como acho simplório as certezas que as movem, afinal, como descobri ao longo de minhas tortuosas trilhas, é inútil ter certeza.
 
Saudades, querida Mãe de Copas. Sentimento tortuoso e infantil que nos colam imagens difusas e coloridas “do que foi”, enquanto “eram”.
 
A ti um abraço carinhoso, e verdadeiros sentimentos sobre “o que foi”, e que certamente “ainda será”…
 
Lembranças, de sua sempre e imperfeita…
 
Alice
 
Duodi, mês de Prairial”
 
Jairo Lima – , escritor e gestor do blog cronicasindigenistas
Alice: Imagem by Jairo Lima
 
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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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