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Chico Buarque e a geração que lutou contra a ditadura

Chico Buarque e a geração que lutou contra a ditadura

Chico Buarque completa 79 anos neste dia 19 de junho. O Prêmio Camões e o aniversário de Chico Buarque são um brinde para todos.

Por Urariano Mota/Portal Vermelho

Neste 19 de junho, Chico Buarque completa 79 anos de idade. Que tempos difíceis ele viveu e vivemos, do passado ao presente!  O quanto ele soube e sabe se portar com dignidade humana, artística e política, em meio à desesperança da ditadura, primeiro, e sob o novo fascismo que voltou com Bolsonaro. Chico venceu, e tem vencido, em uma dimensão maior que a do Prêmio Camões, que por justiça e unanimidade chegou para ele e para todos nós, que nos sentimos alcançados por sua glória. A maioria das pessoas talvez não saiba, mas com Chico Buarque existe uma geração resistente que está nos seus 70 e poucos anos. E penso também nos mais jovens, em nossos bravos do presente, com quem atravessamos estes dias, de antes e depois da ditadura.  

Por isso penso que o Prêmio Camões e o aniversário de Chico Buarque são um brinde para todos. Como falam os populares da torcida do Corinthians, “é nóis!”. Portanto, é para toda a nossa geração dos 15 aos 80 anos, ou mais. E para os que atravessamos a tormenta dedico estas linhas do romance “A mais longa duração da juventude” a seguir.   

“Estávamos no carnaval, em um domingo onde tudo era sol, frevos, bebida, promessa de amor rebelado em corpos de mulheres cheias de cores, miçangas, fantasias, que pareciam clamar “dizes o que desejas”. De repente deve ter ocorrido a Zacarelli que toda festa ia acabar, mais cedo ou mais tarde, quem sabe se mais cedo, como um fim inesperado, pois todo fim de gozo é inesperado. Maldito, não importa se ao fim de um padecimento, em que a morte chega com data de calendário. Zacarelli, sem palavras, olhou a rua, viu as moças que passavam aos gritos, aos risos, e sorriu um sorriso triste, que caberia no frevo-regresso que canta ‘adeus, ó minha gente, o bloco vai embora…’. Mas ele não ia se abater pelo aviso do fim da linha do trem, da entrada em um túnel jamais visto, quando a viagem é presente e os vagões cantam os frevos mais lindos e guerreiros de Pernambuco. ‘Rejeito’, ele se disse. Então ele se virou para mim e falou, num êxtase em meio à felicidade que passa:

– Sabe, rapaz? Os cientistas vão descobrir a imortalidade.

A minha cabeça recuou como se houvesse levado um soco direto, antes do nocaute. Devo tê-lo olhado com um ar de quem espera a revelação do mais íntimo segredo de todos os tempos. O mais simples seria lhe dizer ‘fale baixo, se nos escutam, quebra-se o encanto’.

‘As pessoas na rua nem nos veem ainda, mas saberão que traçamos o seu, o nosso futuro’, uma voz do diabo me sussurra. Não estaríamos ali, mais uma vez, tramando o porvir da revolução assim como nos anos da ditadura? Me ocorre agora. Ali, como em Olinda, nesse carnaval conspiramos pela boa-nova do socialismo mais radical: a imortalidade comunista para todos e todas as classes. E na ditadura, como agora, os alienados de nada sabem. Antes, das denúncias de torturas e assassinatos. Agora, para a redenção definitiva, me parece na hora, e mais concentrado escuto Zacarelli.

– A história da ciência é também a história do prolongamento da existência humana. Toda ciência é para o homem, em última análise. Sim, temos os desvios da bomba nuclear, mas isso é da fase imperialista do capitalismo. Nós lutamos pela antibomba, compreende?

Compreendo, e com os olhos em lágrimas balanço o queixo pelo achado poético e verdadeiro. Nós somos a antibomba. Nós lutamos pela antibomba. Vida, nós te queremos eterna. Que venha a morte, não passará. Por nós, não, maldita, não passarás. Assim como este carnaval, que será eterno enquanto nossa necessidade e o povo do Recife e Olinda existirem.

Pois a vida é o que resiste. Que contradição mais estranha, eu descubro e me digo: a vida, tão breve, é tudo que resiste. Mas que paradoxo: se ela está no tempo que se dirige para o fim, se ela é naquilo que deixará de ser, como resistirá à Irresistível? – É que existe uma resistência na duração do momento, pela intensidade, luz ou cintilação do breve.

A resistência, que é vida, se faz na brevidade pelas ações e trabalho dos que partiram e partem. Mas nós, os que ficamos, não temos a imobilidade da espera do nosso trem. Nós somos os agentes dessa duração, o trem não chegará com um aviso no alto-falante, ‘atenção, senhor passageiro, chegou a sua hora’. Até porque talvez chegue sem aviso, e não é bem o transporte conhecido. O trem é sempre de quem fica. E porque somos agentes da duração, a nossa vida é a resistência ao fugaz. Nós só vivemos enquanto resistimos”.

Fonte: Portal Vermelho            Capa: Francisco Proner


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Uma resposta

  1. Orgulho dessa aguerrida resistência desse veículo de comunicação progressista que vem ao encontro dos meus ideais de cidadã democrata

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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