CHICO MENDES: LUZEIRO DA ESPERANÇA

CHICO MENDES: LUZEIRO DA ESPERANÇA

Chico Mendes: Luzeiro da Esperança  

“Não frequentas mais,

De corpo comovido,

os espaços deste mundo.

A medida do tempo não te alcança.

Já ganhaste a dimensão do sonho,

és luzeiro da esperança.”

Versos do poema “O Sonho que Cresce no Chão da Floresta”Thiago de Mello

Daqui a pouco chegamos aos 80 anos de Chico Mendes, o seringueiro que virou sindicalista, que virou ambientalista e que, com seu olhar atento, sua voz serena e sua presença calma, ao juntar a defesa de direitos com a defesa da floresta, acabou por construir um novo paradigma para a luta socioambiental no .

Seringueiro como o pai, o menino nascido em 15 de dezembro de 1944, no Seringal Porto Rico, em Xapuri, no Acre, começou a cortar seringa aos nove anos de idade. Crescido na floresta, Chico Mendes desenvolveu, segundo o amigo e líder , “uma maneira tão amorosa e tão boa de lidar com as coisas duras que aconteciam com ele e com a floresta que, em vez de desespero, o Chico sempre passava um sentimento de esperança”.

Era curioso, inquieto e instigador, e os que o conheceram de perto dizem que aquele moço baixinho, que tinha mania de andar sorrindo, estava sempre buscando alternativas para melhorar a qualidade de dos povos da floresta.  Uma dessas alternativas foi o envolvimento com a militância sindical, começada nos anos 70, com a qual seguiu até o seu assassinato, em 22 de dezembro de 1988.

Dom Moacir Grecchi, bispo chegado ao Acre em 1971 para cuidar da Prelazia do Acre e Purus, hoje Diocese de Rio Branco, acompanhou de perto a reação dos seringueiros e posseiros para ficar em suas terras, ameaçadas pela chegada à região dos criadores de gado vindos do sul do País, em um movimento que resultou na formação dos primeiros sindicatos no Acre, sob a liderança de Wilson Pinheiro e Chico Mendes.

CHICO MENDES: LUZEIRO DA ESPERANÇA
Memória e Legado

 

 

 

 

Desde Rio Branco, Dom Moacyr tomou por missão organizar as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) em sua prelazia, “como células de evangelização, de oração e de fraternidade, mas também de formação da consciência para a organização sindical, e, pouco mais tarde, para a formação do Partido dos Trabalhadores”. Assim, segundo Dom Moacyr, quando o delegado da Contag João Maia chegou ao Acre para fundar os Sindicatos, Chico Mendes já estava preparado.

Dom Moacyr conta também que quando conheceu Chico Mendes ele era um participante da CEBs que, como todo seringueiro, começou na luta brigando para permanecer na terra, um homem da floresta “sem grande fervor religioso” que gostava mesmo era de falar sobre política e sobre a organização dos trabalhadores.

Excelente organizador, ajudou a criar o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasileia, em 1974, e o de Xapuri, em 1975. Com o assassinato do presidente do STR de Brasileia, Wilson Pinheiro, no dia 21 de junho de 1980, Chico assumiu a liderança do movimento e deslocou o núcleo da ação sindical para Xapuri. Em 1983, foi eleito presidente do Sindicato de Xapuri, cargo em que permaneceu até o dia do seu assassinato.

Segundo o seringueiro Elias Rosendo, à época também sindicalista, depois do assassinato de Wilson Pinheiro, os jagunços começaram a ameaçar Chico Mendes e, para sobreviver, ele acabou voltando pra Xapuri, onde se elegeu vereador pelo MDB. Mas, diz Rosendo, “ele não gostava do MDB, ele queria mesmo era seguir o Lula e fazer um partido dos trabalhadores. Então, em 1980, ele foi pra São Paulo, lá fundaram o PT, e ele voltou pro Acre dizendo que era pra todo mundo somar força no PT, e nós juntamos com ele e fizemos o PT.”

Para o jornalista Elson Martins, com Chico Mendes surgiu no Acre um novo estilo de liderança sindical. Para Dom Moacyr, Chico Mendes foi também fruto de um momento de sensibilidade ambiental pelo qual o mundo estava passando. “No começo, nem o Chico Mendes nem ninguém falava de defesa da floresta com um todo.

Nessa evolução para a inclusão do aspecto ecológico na luta, Chico Mendes contou com o apoio fundamental da antropóloga Mary Allegretti, que contribuiu muito para que viajasse para fora do Acre e do Brasil, e se transformasse nesse símbolo de luta pacífica em defesa da Amazônia, conhecido no mundo todo”, diz o bispo.

Em 1985, Chico Mendes liderou a organização do 1º Encontro Nacional dos Seringueiros, realizado em , que resultou na criação do Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS) e da proposta de Reserva Extrativista.

Em 1987, recebeu dois prêmios internacionais por sua luta: o Global 500 da ONU e a “Medalha de Meio Ambiente da Para um Mundo Melhor”.

No ano seguinte, mais precisamente às 18h45 do dia 22 de dezembro, o seringueiro que mobilizou apoios no Brasil e no mundo para a defesa da floresta foi assassinado na porta da cozinha de sua casa em Xapuri. “Ele vinha com as mãos na cabeça, todo vermelho de sangue. Eu ouvi um estouro e corri pra pegar no braço dele, mas o Chico caiu e ficou se debatendo. Aí eu vi que ele estava morrendo”, relatou a esposa Ilzamar.

O escritor Zuenir Ventura completa a descrição daquela tragédia: “Além de 18 perfurações no braço, ele fora atingido no peito direito por 42 grãos de chumbo de uma espingarda de caça. O autor confesso do disparo, Darci, era filho de Darly Alves da , o fazendeiro mandante do crime”.

No ano 2000, graças a uma enorme pressão nacional e internacional, os assassinos de Chico Mendes foram julgados e condenados, num dos primeiros casos onde a justiça foi feita no Brasil. Daquela vez, a morte de um trabalhador rural gerou consequência. Ou, como diz Zuenir, “nunca um tiro dado no Brasil ecoou tão longe”.

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Memória e Legado

 

 

 

O LEGADO DE  CHICO MENDES

O tiro que estourou o peito de Chico Mendes e deixou o mundo órfão de uma das maiores lideranças de movimento social já surgidas no Brasil e na Amazônia foi incapaz de impedir a realização dos sonhos do Chico Mendes e dos povos da floresta. Durante seus 44 anos de vida, Chico Mendes construiu um impressionante legado de pensamentos, movimentos, projetos e realizações que, mesmo depois de 30 anos, seguem crescendo no chão da floresta.

PROJETO SERINGUEIRO

Pouca gente sabe, mas Chico Mendes foi, pelo exemplo, um grande educador, e pela ação prática, um grande incentivador da educação.

Alfabetizado e educado politicamente aos 19 anos de idade por Euclides Távora, um militante político que, depois de participar do Levante Comunista de 1935 em Fortaleza e da Revolução de 1952 na Bolívia, vivia nas matas da região de Xapuri, onde proporcionou a Chico Mendes uma formação política diferenciada.

Segundo depoimento do próprio Chico Mendes, foi esse processo educativo não-formal que o fez compreender a importância da educação para a organização dos seringueiros, levando-o a criar, com o apoio de um grupo de técnicos e técnicas, o Projeto Seringueiro, a primeira escola de alfabetização de adultos na floresta.

Segundo relato do sindicalista Ademir Pereira, em depoimento gravado pelo Centro de Trabalhos da Amazônia (CTA), a primeira reunião para tratar da escola foi coordenada por Chico Mendes, em 1981. No mesmo ano, os educadores do Projeto Seringueiro desenvolveram a primeira cartilha da floresta, a “Poronga”, com uma proposta pedagógica adequada à realidade dos seringueiros: menos fichas de alfabetização, mais cultural, e a utilização das palavras cotidianas da linguagem do seringueiro.

A primeira escola, denominada Wilson Pinheiro, foi construída na colocação “Já Com Fome”, no seringal Nazaré, hoje Reserva Extrativista Chico Mendes. A escola começou a funcionar com 14 alunos, todos adultos. “A comunidade foi responsabilizada e assumiu o compromisso de dar conta de uma casa de chão-batido, coberta de palhas, bancos de paxiúba e somente uma parede de paxiúba, do lado onde seria afixado o quadro de giz”, explica Ademir.

No início da década de 1990, quando se tornou política oficial de ensino do governo do Acre, o Projeto Seringueiro, iniciado por um grupo de abnegados técnicos e educadores sob o incentivo de Chico Mendes, já havia estabelecido uma rede com 51 escolas, atendendo mais de mil crianças nos seringais.

EMPATES

O empate foi um método de resistência pacífica criado pelos seringueiros da região de Xapuri para impedir o desmatamento da área de floresta rica de seringueiras e castanheiras onde, até a chegada dos “paulistas”, na década de 1960, as comunidades viviam da coleta da castanha dos frutos silvestres e da produção das pelas de borracha, que vendiam aos patrões para garantir sua sobrevivência.

Essa realidade mudou radicalmente na década de 1970, quando os governos da ditatura militar promoveram uma grande investida de devastação da Amazônia, com chamadas especiais para as terras acreanas: “O Acre é o Nordeste sem e o Sul sem geada”, dizia um dos anúncios publicitários da época. Com isso, a região de Xapuri foi invadida por fazendeiros do sul do país, que chegavam com suas motosserras para derrubar a floresta e nela implantar pastagens para a criação de gado.

Inconformados, os seringueiros, sob a liderança do sindicato, se organizaram para o processo de resistência e enfrentamento não-violento em defesa da floresta, sua casa e meio de sobrevivência. A esse tipo enfrentamento deram o nome de Empate.

Pesquisa dos alunos e alunas do Curso de História da Universidade Federal do Acre (UFAC) em Xapuri, para o Dossiê Trabalhadores de Xapuri (1996), ressalta a criação do empate como um movimento legitimamente acreano, organizado pelos próprios seringueiros de Xapuri, a partir da necessidade de lutar para não serem expulsos de suas terras.

Vale ressaltar o papel da mulher no empate, uma vez que ela não somente preparava o alimento do companheiro em luta, mas também trazia suas crianças para se juntar aos homens na linha de frente, quando confrontavam os peões em enfrentamentos pacíficos contra o poder das motosserras, interrompendo o desmatamento para negociar ou exigir a presença das autoridades.

De março de 1976 até 1988, há registros de que os seringueiros promoveram 45 empates, dos quais o movimento contabilizou 30 derrotas e 15 vitórias nos processos de tentativa de convencimento dos peões a baixarem suas motosserras.

RESERVAS EXTRATIVISTAS

Tomando por base a experiência dos empates na resistência contra o desmatamento, os seringueiros desenvolveram sua própria alternativa para um modelo de reforma agrária capaz de desenvolver uma economia adequada à realidade de suas vidas na floresta: as Reservas Extrativistas.

A proposta das Reservas Extrativistas foi apresentada por Chico Mendes pela primeira vez no I Encontro Nacional dos Seringueiros, em outubro de 1985, na Universidade de Brasília (UnB) e, desde então, caiu no gosto de ambientalistas e ganhou a atenção de gestores públicos no Brasil e no mundo.

Definidas como espaços territoriais destinados ao uso sustentável dos recursos naturais, à proteção dos meios de vida e da cultura das populações tradicionais, as Reservas Extrativistas (RESEX) são áreas pertencentes ao domínio do poder público, com direito de usufruto das populações extrativistas.

Gomercindo Rodrigues, presente no encontro histórico de Brasília como assessor do movimento dos seringueiros, explica o impacto do que ele considera o “grande achado” das RESEX: “Para os ambientalistas que defendiam a preservação da floresta com discurso, mas sem ter um projeto, enquanto o governo fazia o ‘desenvolvimento’ da Amazônia com discurso, projeto e dinheiro para financiar a devastação, a partir dali havia uma bandeira, o modelo de desenvolvimento sustentável dos seringueiros para defender”.

Em Brasília, segundo Gomercindo, os seringueiros iam dizendo: “Queremos as nossas áreas como as dos índios, com a terra sendo da União, e a gente tendo o direito de usufruto sem ser para destruir”.

“Por ali, alguém disse: ‘Vocês não são índios, vocês são extrativistas’. E ali mesmo no Encontro surgiu a ‘reserva extrativista’ como expressão da proposta que partiu dos seringueiros”, relata Rodrigues.

As primeiras RESEX foram criadas no Acre em 1990 – a Reserva Extrativista do Alto Juruá, criada pelo de decreto 98.863 de 23.01.1990, com 506.186 hectares, e a Reserva Extrativista Chico Mendes, criada em março de 1990, com 970.570 hectares. A proposta de proteger os territórios e os recursos naturais para grupos sociais que deles dependem para viver, evocada por Chico Mendes em nome de milhares de seringueiros, castanheiros, pescadores e outros grupos extrativistas, mudou para sempre o pensamento ambiental brasileiro e mundial.

A experiência das Reservas Extrativistas também influenciou a definição de novas modalidades de reforma agrária para a Amazônia. Atualmente existem mais de 500 Projetos de Assentamento Diferenciados, cobrindo uma área de 12 milhões de hectares, o que corresponde a cerda 2,4% do território da Amazônia Brasileira.

Segundo dados do Cadastro Nacional de Unidades de Conservação (CNUC – julho/2015), existem hoje no Brasil 90 Reservas Extrativistas, das quais 62 são federais, administradas pelo Instituto Chico Mendes para a Conservação da Biodiversidade (ICMBio), e 28 são estaduais, administradas pelos órgãos ambientais nos estados.

CONSELHO NACIONAL DOS SERINGUEIROS – CNS

Nascido junto com as RESEX no mesmo encontro histórico de Brasília, de igual forma como resultado dos empates e da organização dos seringueiros sob a liderança de Chico Mendes, o CNS completou 30 anos em outubro de 2015.

Ao longo dessas três décadas, o CNS se fortaleceu como entidade de defesa dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras agroextrativistas – seringueiros, castanheiros, coletores de açaí, quebradeiras de coco babaçu, balateiros, piaçabeiros, integrantes de projetos agroflorestais, extratores de óleo e plantas medicinais – organizados em associações, cooperativas e sindicatos, distribuídos por todos os estados da Amazônia.

Em 2009, as mais de 400 lideranças extrativistas, dos nove estados da Amazônia, presentes no 2º Congresso e no 8º Encontro Nacional das Populações Extrativistas da Amazônia, realizados em Belém, aprovaram a mudança do nome original da entidade – Conselho Nacional dos Seringueiros – para Conselho Nacional das Populações Extrativistas, mantendo a mesma sigla, CNS.  “Modernizamos o CNS sem perder a essência da luta que justifica a nossa existência”, diz Joaquim Belo, presidente nacional do CNS.

Osmarino Amâncio Rodrigues, parceiro de Chico Mendes nas lutas dos anos1980, resume em seu sentimento de seringueiro as conquistas do movimento depois do assassinato de Chico Mendes:

“Para nós, a década de 1980 foi um tempo de dor e de conquistas – criamos o CNS, o conceito das Reservas Extrativistas e, com os índios, a . A gente preferia não ter nada disso e ter o Chico Mendes vivo. Mas a morte do Chico não foi em vão, como ele imaginou.

Depois dela, acabou a tragédia das mortes anunciadas, pelo menos em Xapuri. Na nossa região, o movimento resolveu o problema fundiário [em grande parte com a criação das Reservas Extrativistas. Com o tempo, abrimos portas para os nossos produtos, e hoje tem educação no seringal, não do jeito que a gente quer, porque a escola não organiza a luta, mas ainda assim é uma escola. Acho que a rainha da floresta exigiu esse sacrifício do Chico para salvar as nossas vidas”.

ALIANÇA DOS POVOS DA FLORESTA

A Aliança dos Povos da Floresta foi um movimento especial e único que, sob a liderança visionária de Chico Mendes, pela primeira vez na história, no ano de 1987, conseguiu juntar em uma só luta os povos indígenas e as comunidades extrativistas da Amazônia, em defesa de todos os povos da floresta.

Hábil negociador, Chico conseguiu desfazer uma inimizade histórica entre índios e seringueiros, permitindo, assim, a formação da Aliança. O grande pensador indígena Ailton Krenak, um dos mais importantes parceiros de Chico Mendes na construção da Aliança, atribui boa parte desse sucesso “à presença do Chico Mendes como uma pessoa da paz e do diálogo”.

Para Krenak, aquele apelo tão forte e tão mobilizador da Aliança vinha um pouco da novidade do processo de redemocratização do país, mas sobretudo da capacidade articuladora de Chico Mendes, que foi capaz de organizar o emaranhado de sonhos dos povos da Amazônia em uma utopia que, ainda hoje, persiste e guia os passos das lideranças da floresta.

“Quando ainda não se pensava na articulação de vários setores da sociedade, a nossa Aliança juntou índios, seringueiros, ribeirinhos e mais um monte de gente em uma só bandeira, em um espaço acolhedor para a prática da parceria e da solidariedade.”

Essa Aliança, que conseguiu transformar os povos originários e tradicionais do Brasil – indígenas, castanheiros, seringueiros, ribeirinhos, pescadores, quebradeiras de coco, quilombolas – em atores sociais relevantes por seu posicionamento claro e firme no espaço político brasileiro, se renova toda vez que os direitos indígenas e das comunidades extrativistas da Amazônia e do Brasil são ameaçados.

EMBAIXADA DOS POVOS DA FLORESTA

O sucesso da Aliança levou suas lideranças a abrir, em São Paulo, a Embaixada dos Povos da Floresta, no governo petista de Luiza Erundina, quando, segundo Krenak, “a Marilena Chauí, o Paulo Freire, o Gianfresco Guarnieri e um monte de gente interessante se tornou parte do governo municipal, passando para os nossos povos e para a nossa cidadania claros sinais de esperança”.

Também, de acordo com Krenak, “aqueles foram tempos de alegria por ver crescer a luta civil, por ver como ia ficando forte a luta cidadã, com os índios e os seringueiros tendo até mesmo uma embaixada na maior cidade do País. E uma embaixada que empolgava as lideranças espalhadas pelo Brasil afora apenas pelo fato de existir.

Isso foi em 1991, e eu penso que a nossa Embaixada dos Povos da Floresta foi um pouco o embrião dos pontos de cultura que vieram depois. Mas a nossa embaixada não era só um ponto de cultura, que surgira para promover a inclusão social entre jovens de uma sociedade desesperançada.

Na nossa Embaixada, a agenda era feita pelos próprios povos da floresta, que naquela época eram chamados de povos da floresta mesmo, porque ainda não existia esse conceito, que apareceu no final dos anos 90, de chamar índio, seringueiro e ribeirinho de populações tradicionais. Antes era uma coisa mais forte, de gente mesmo, gerando uma autoestima danada”.

MILHÕES DE HECTARES DE TERRITÓRIOS PROTEGIDOS

Muito antes das teses modernas de desenvolvimento sustentável, Chico Mendes já defendia a premissa, hoje confirmada, de que uma floresta em pé vale muito mais do que uma área desmatada.

Pragmático, Chico contabilizava não somente o valor comercial dos produtos da floresta, mas também o fato de a Amazônia servir de casa e meio de vida para as populações amazônicas.

Com o tempo, comprovou-se que o desmatamento avança mais lentamente onde existem comunidades indígenas ou extrativistas, e o Estado brasileiro reconheceu o determinante papel socioambiental desempenhado pelos povos da floresta na proteção da Amazônia e dos demais biomas brasileiros.

Hoje, conforme dados consolidados pela antropóloga Mary Allegretti, mais de 66 milhões de hectares, o que corresponde a 13,2% da Amazônia brasileira, foram transformados em territórios protegidos de uso comum sob a guarda dos povos da floresta.

Totalizando 96 unidades de conservação, as Reservas Extrativistas e Reservas de Desenvolvimento Sustentável, federais e estaduais cobrem uma área de 25.138.036 hectares, o que corresponde a cerca de 5% da Amazônia brasileira. E, considerando-se as 50 unidades Florestas Nacionais e Estaduais, onde também vive um grande número de comunidades tradicionais, são mais 29 milhões de hectares de áreas protegidas, representando outros 5,8% da Amazônia brasileira.

UM LEGADO PARA A JUVENTUDE

Para a juventude, pouco antes de sua partida dos espaços deste mundo, à maneira de testamento, Chico Mendes deixou escrito um bilhete animador, um chamado ao compromisso, um verdadeiro legado de esperança. Ele dizia: “Atenção jovem do futuro: 6 de setembro do ano de 2120, aniversário do primeiro centenário da revolução socialista mundial, que unificou todos os povos do planeta num só ideal e num só pensamento de unidade socialista, e que pôs fim a todos os inimigos da nova sociedade. Aqui fica somente a lembrança de um triste passado de dor, sofrimento e morte. Desculpem. Eu estava sonhando quando escrevi estes acontecimentos que eu mesmo não verei. Mas tenho o prazer de ter sonhado.”

 

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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