Chico Mendes: um sindicalista que estava se modernizando
Tudo é muito cruel na morte de Chico, mas uma das coisas tristes é que ele não teve tempo de avançar naquelas mudanças do homem meio machista que estava se modernizando, deixando o conceito tradicional nos sindicatos da época de que a mulher devia tomar conta dos filhos, da casa, enquanto o homem ficava no Movimento.
Por Raimunda Bezerra
Algumas vezes ele vinha para Rio Branco e trazia a Elenira, que ficava comigo enquanto ele fazia suas reuniões. Ele já fazia um pouco isso, o que era uma grande mudança para um seringueiro. Ele, um homem do seringal, filho de nordestinos, um homem de trabalho fora, mas não de trabalho em casa, estava vivendo essas mudanças.
Infelizmente não foi permitido ao Chico viver as experiências de um homem que compreendia a luta dos trabalhadores, mas que também buscava ser mais completo e mais comprometido com as outras dimensões da vida, como a de ser pai. A Elenira e o Sandino eram muito pequenos, e a convivência com eles foi tirada dele com uma grande brutalidade.
O Chico era muito generoso. Todo mundo fala dele politicamente, por isso eu gosto de falar dele como pessoa. Aquela cena dele sentado no chão e dando comida para o Sandino é muito real. No meio da turbulência da luta política, no meio de um enfrentamento no qual ele não podia dizer onde estava, Chico encontrava tempo para se sentar no chão com as crianças, para alimentar o filho.
Nos últimos dias dele, eu estava doente, inclusive não o vi morto. Ele chegou lá em casa, o Paulo, meu marido, não estava, então ele disse: “Eu não posso ir embora e te deixar desse jeito”! Aí eu disse: “Você está preocupado? Sabe onde meu pai mora? Então vai lá, busca meu pai e traz para cá”. Ele foi e buscou meu pai.
Matar alguém assim, por causa de interesses econômicos, foi de uma violência sem tamanho. Passados esses 35 anos, eu ainda não consigo esquecer.
Raimunda Bezerra – Amiga de Chico Mendes. Militante histórica dos Direitos Humanos no Acre. Excerto de depoimento para o livro Vozes da Floresta, 3ª edição. Editora Xapuri, 2023. Foto: Divulgação/ Fernando Marques/AE.
LEIA TAMBÉM: CHICO MENDES: UMA PESSOA DE PAZ