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Cidade de Mato Grosso aprova projeto que reconhece direitos da natureza

Cidade de Mato Grosso aprova projeto que reconhece direitos da

Projeto altera Lei Orgânica para elevar natureza à titularidade de direitos em Cáceres, primeira cidade do a aprovar proposta neste sentido.

Por Michael Esquer/O Eco

A Câmara Municipal de Cáceres (MT) aprovou o projeto de emenda à lei orgânica (PLO) que reconhece a natureza como portadora de direitos. Este é o primeiro município do Pantanal a adotar o entendimento, que no já ocorreu em cinco municípios. 

Situada em região limítrofe com a Bolívia, Cáceres é cortada pelo rio Paraguai, principal responsável pelas inundações do Pantanal. “Cáceres existe porque o rio existe. Não haveria nem a fundação da Vila Maria do Paraguai, que depois viria a ser a cidade de Cáceres, se não fosse pelo rio Paraguai”, diz o vereador Cézare Pastorello (PT-MT), autor do PLO nº 3/2023

Como mostrou ((o))eco, o projeto foi protocolado em junho. Na segunda-feira (17), a proposta foi aprovada por um terço dos vereadores presentes, em primeiro e em segundo turno, tendo estes sido realizados em duas sessões espaçadas. 

Pastorello enfatiza que a criação do gado solto se consolidou na cidade por conta da “generosidade” da natureza, enquanto esta ainda apresentava um ambiente equilibrado. Entretanto, a pressão dos grãos, das hidrelétricas e do funcionamento de uma hidrovia, que pode se consolidar no rio Paraguai com o licenciamento individual de portos, vem ameaçando esse equilíbrio de forma irreversível nos últimos anos, diz ele. 

“As principais ameaças são a pressão da agricultura e seus , o represamento das águas com as pequenas centrais hidrelétricas e o uso da hidrovia para o transporte de cargas. Para viabilizar o transporte, são feitas dragagens que aceleram a vazão do rio, consequentemente, reduzindo o nosso volume de água”, aponta o vereador. 

O feito de Cáceres segue uma tendência internacional — iniciada por países como Equador e Bolívia —, que parte do princípio de que, assim como os seres humanos, a natureza tem direito à integridade. No País, o primeiro município a ter adotado o entendimento foi Bonito (PE), em 2018. Desde então, outros quatro já fizeram, de forma mais ou menos semelhante, o mesmo.

“O segundo é Paudalho (PE), uma região de pura Mata Atlântica, depois é Florianópolis (SC), que é uma das portas de entrada para o , um bioma bem frágil, depois vem o município de Serro (MG), fazendo parte desse lugar que é reconhecido como patrimônio mundial, que é a Serra do Espinhaço. Aí veio Guajará-Mirim (RO), com o bioma da Amazônica e agora Cáceres, com o Pantanal”, diz a pesquisadora Vanessa Hasson, que é membro especialista do programa Harmonia com a Natureza, da Organização das Nações Unidas (ONU). 

Na cidade pantaneira, a iniciativa partiu da sociedade civil organizada, preocupada com as ameaças que se avizinham do bioma. Pastorello contou com o apoio de comitês populares e do coletivo PesquisAção, que presta apoio técnico para movimentos populares no Pantanal. 

“Agora nós temos mais liberdade para trabalhar e cobrar aquilo que está na Constituição do município”, diz o ribeirinho Isidoro Salomão, que coordena o Comitê Popular do Rio Paraguai, criado para proteger e conservar as águas deste que é o principal responsável pelas inundações do Pantanal. 

O reconhecimento dos direitos da natureza premia o daqueles atuam em prol da do no município e mostra, mais uma vez, a importância da sociedade civil organizada, que pressionou os vereadores pela aprovação da emenda, diz o ribeirinho.  

“É mais fácil para nós [agora] chegarmos no dia do rio Paraguai, por exemplo, e falar para a prefeita, para os vereadores ‘olha, nós vamos fazer isso porque o nosso município prevê isso e vocês têm que nos ajudar porque é o dever de vocês”, completa Salomão. 

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Principal abastecedor da planície de inundação do Pantanal, rio Paraguai atravessa Cáceres (MT). Foto: Michael Esquer / ((o))eco

A advogada do coletivo PesquisAção, Lacerda, que atuou como assessora jurídica dos comitês populares no processo de articulação e elaboração do projeto aprovado em Cáceres, destaca a construção e articulação popular. “Foram os comitês que levaram essa iniciativa até o Pastorello, que encabeçou isso dentro da Câmara”, comenta. 

Doutora em Direito da Natureza, Hasson acredita que o caminho mais eficaz para o reconhecimento dos direitos da natureza parte das comunidades locais, “no nível municipal”. “É motivo de muita celebração quando mais um município vem agregar”, diz ela, que é fundadora da Mapas, organização que participou do processo de articulação política e assessoria técnica nos cinco municípios onde o processo já foi concluído.

Lacerda conta que, ao se reconhecer a titularidade de direitos da natureza, se eleva a um novo patamar a proteção destes direitos no município. “A gente não pode mais retroagir, não pode ter mais nenhuma lei dentro de Cáceres que preveja uma proteção menor que isso, sempre maior de agora em diante”, diz a advogada. 

Como a Lei Orgânica equivale à “Constituição” do município, leis que possuem hierarquia menor terão que respeitá-la. “As normas contra os direitos da natureza dentro do sistema legislativo do município passam a não valer nesse sentido, nessas partes que dizem respeito a uma proteção menor do que a que se passa a definir agora”, explica Lacerda. 

Este, defende, é um dos pontos que ela enxerga como mais positivo na aprovação do projeto. “De agora em diante, todas as leis redigidas, aprovadas, devem respeitar esse novo patamar de proteção da natureza”, conclui a advogada.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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