ATENTO E FORTE, CNS SEGUE EM LUTA EM DEFESA DA AMAZÔNIA E DOS POVOS QUE NELA VIVEM

ATENTO E FORTE, CNS SEGUE EM LUTA EM DEFESA DA AMAZÔNIA E DOS POVOS QUE NELA VIVEM

ATENTO E FORTE, CNS SEGUE EM LUTA EM DEFESA DA AMAZÔNIA E DOS POVOS QUE NELA VIVEM

Fevereiro, 27. Início de um voo longo, do Pará para o Acre, com escala em Brasília. A voz metálica do piloto avisa que alcançamos a velocidade de cruzeiro, a 10.000 pés de altitude, e que poderíamos ligar os aparelhos eletrônicos

Por Marcos Jorge Dias

5517c95a bb71 46ed 9752 40f6406e8f1c

Pela janela do avião, olhando as águas amazônicas se perderem no Oceano Atlântico e a cidade de Belém, capital do Grão-Pará, ficando cada vez mais distante, aproveitei o tempo de voo até Brasília para escrever sobre o que tinha visto e ouvido durante os dias que estive em Belém, na reunião deliberativa do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), nos dias 25 e 26 de fevereiro.

Quem não acompanha a luta pela preservação da Amazônia talvez não saiba o significado da sigla CNS, nem o que as pessoas que fazem parte desta instituição representam para o Movimento Socioambiental brasileiro e, porque não dizer, também mundial. 

O Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS), criado por Chico Mendes e seus companheiros, em outubro de 1985, durante o I Encontro Nacional dos Seringueiros, realizado em Brasília, surgiu para fortalecer a luta em defesa das matas em que viviam, e de onde os povos extrativistas da região de Xapuri, no Acre, retiravam seu sustento, num período em que a expansão da atividade pecuária avançava, derrubando a floresta para formar pasto para o gado.

Chico Mendes, percebendo que era necessário barrar o desmatamento, mobilizou homens e mulheres que viviam na floresta e da floresta para defenderem o seu território, a sua casa, o seu modo de vida. 

Mas, sem armas e sem poder político (partidário), para enfrentar as motosserras e o poder econômico dos fazendeiros, recorreram aos “Empates”.  Com seus corpos e cantando o Hino Nacional, os seringueiros e suas famílias impediram que os jagunços derrubassem as árvores. Contudo, essa ação pacífica não foi suficiente para barrar a investida mortal dos pecuaristas sobre a floresta e, posteriormente, mataram Chico Mendes. 

Simultaneamente, em várias regiões do Brasil, a luta entre posseiros e latifundiários se acirrava. Os assassinatos de lideranças que defendiam seus territórios e a posse da terra ocorriam com frequência. E Chico, mais uma vez, se deu conta de que era necessário, e urgente, dar visibilidade à luta da sua gente e encontrar apoio para além das matas de Xapuri. 

O homem da floresta, um seringueiro simples, mas com uma profunda relação com a natureza e uma imensa capacidade, e habilidade, em dialogar com os diversos segmentos da sociedade, saiu das matas para o mundo, conquistando pessoas para a sua causa: a defesa da floresta, da vida dos seringueiros e da Amazônia.  

Com sua simplicidade, na sua “jornada do herói”, foi agregando gente de todas as partes da Amazônia, do Brasil e do mundo. Gente que está eternizada no Livro Vozes da Floresta, Ed. Xapuri Socioambiental, 3ª edição, e em outras tantas publicações que mostram, sob diversos pontos de vista, a “multiplicidade” dos Chicos existentes em um homem simples da floresta.

Na sua jornada de vida, Chico sofreu provações e não pôde percorrer o caminho de volta.  A recompensa da sua luta e seu legado se deram através da Aliança dos Povos da Floresta, da criação do Conselho Nacional dos Seringueiros (1985), da criação e institucionalização das primeiras Reservas Extrativistas (1989): Chico Mendes e Alto Juruá, no Acre; Resex do Rio Ouro Preto, em Rondônia; e Resex do Rio Cajari, no Amapá.

“A vitória da nossa luta depende da nossa disciplina e da nossa organização”. A frase de Chico Mendes parece ter se materializado no CNS, que desde a sua criação vem agregando gente de toda a Amazônia. Agregou tanto que deixou de ser só dos seringueiros e passou a ser das Populações Extrativistas, adotando, oficialmente, desde 2008, o nome de Conselho Nacional das Populações Extrativistas, mantendo a sigla original, em homenagem às lutas vividas. 

Na reunião ocorrida em Belém foi possível perceber, nas e nos membros que fazem parte desse Conselho, a multiplicidade vitoriosa de Chico Mendes em cada uma delas e em cada um deles. A organização da estrutura institucional, composta pelo CNS (que trata da articulação política, regional, nacional e internacional), pelo Memorial Chico Mendes (que cuida da execução de projetos e da gestão financeira) e pelo Fundo Puxirum (parceiro que faz captação de recursos junto a organismos nacionais e internacionais), me fez ver o quanto o Movimento é organizado. 

Mas, ainda que possa parecer complexo, o CNS não é uma organização corporativa empresarial fria, é uma organização militante, com o sentimento dos companheiros e companheiras que realizaram os “Empates”.

A disciplina dos e das extrativistas que participaram da reunião do Conselho Deliberativo mostrou o engajamento de cada representante com as pautas do encontro, com as demandas dos seus territórios e com a continuidade da luta iniciada com Chico Mendes, há mais de 40 anos.

Seringueiros, seringueiras, quebradeiras de coco, pescadores, pescadoras, marisqueiras. Trabalhadores e trabalhadoras das Reservas Extrativistas, pessoas simples, que saem da invisibilidade (muitas vezes imposta pelas instâncias de Poder, político e econômico), para realizar o Planejamento Estratégico para 2025, a celebração dos 40 anos de criação do CNS, debater sobre a realização da II Semana da Sociobiodiversidade, discutir sobre as mudanças climáticas e a participação na COP-30, em novembro de 2025, na cidade de Belém, e com isso reafirmar suas identidades  e fazer ecoar pelo mundo suas vozes e a do Chico Mendes que cada um leva dentro de si.

MARCOS JORGE DIAS

Marcos Jorge Dias – Jornalista, Conselheiro da Revista Xapuri.  Com a colaboração de Cristina da Silva.

Deixe seu comentário

UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

PARCERIAS

CONTATO

logo xapuri

REVISTA