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COP-24: interesses econômicos venceram a ciência, dizem especialistas

Interesses econômicos venceram a ciência na COP-24, dizem especialistas

Conferência do Clima obteve sucesso ao definir regras para o , mas texto final não refletiu urgência apontada pelo IPCC

Por FÁBIO DE CASTRO

A 24ª Conferência das Partes (COP-24) da Convenção das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, encerrada no sábado (15) em Katowice, na Polônia, cumpriu seu principal objetivo ao aprovar o Programa de Trabalho do Acordo de Paris. Mas, para diversos especialistas, faltou veemência ao texto final, que, por influência de interesses econômicos, não reflete os alertas da ciência sobre a urgência extrema de uma redução global de emissões.

No domingo (16), a aprovação do programa de trabalho – uma espécie de “manual de instruções” de 130 páginas para a aplicação do acordo – foi comemorada pelos mais de 23 mil delegados que participaram das negociações. A tarefa não era trivial: as decisões nas COPs são feitas por consenso e era preciso que 196 países entrassem em total acordo sobre cada termo.

As discussões foram longas e os negociadores resolveram questões técnicas espinhosas, como as regras de transparência, que permitem verificar até que ponto os países cumprirão suas metas de redução de emissões. Eles também conseguiram um avanço promissor ao estabelecer que haverá em 2020 uma revisão de metas de financiamento climático para os países em desenvolvimento, atualmente fixada em US$ 100 bilhões anuais de 2020 a 2025.

 

Alerta desconsiderado

Mas, do ponto de vista da ciência climática, a COP-24 foi considerada frustrante. Esperava-se que os negociadores reunidos na Polônia estabelecessem níveis de ambição muito maiores. Principalmente após o Painel Intergovernamental sobre das Nações Unidas (IPCC) ter lançado o histórico Relatório Especial sobre Impactos do Aquecimento Global de 1,5°C (SR15).

Publicado em outubro, o SR15 mostra que a humanidade tem apenas mais 12 anos para cortar emissões em 45% se quiser cumprir a meta de Paris de limitar o aquecimento global a 1,5˚C neste século. E revela que, com um aquecimento de 2˚C, as consequências para pessoas, ecossistemas e a economia global serão muito mais graves.

“Minha maior preocupação é que as conversações da ONU falharam em alinhar as ambições à ciência”, disse Johan Rockström, do Centro de Resiliência de Estocolmo (Suécia) ao jornal britânico The Guardian.

“Continuamos a seguir um caminho que nos levará a um perigoso aumento de temperatura de 3 ou 4 graus neste século. Os eventos extremos já estão atingindo as pessoas em todo o planeta, com apenas um grau de aquecimento”, afirmou Rockström, cientista conhecido por ter proposto o já clássico conceito de “limites planetários”, que identifica nove fronteiras ambientais que não podem ser ultrapassadas sob pena de inviabilizar as condições de vida para as sociedades humanas.

 

Interesses econômicos

Para o físico brasileiro Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) e integrante do IPCC, o importante relatório SR15 não foi satisfatoriamente incluído no texto do programa de trabalho por conta de interesses econômicos ligados à indústria dos combustíveis fósseis.

“Houve uma grande briga na reunião sobre incluir ou não uma referência mais enfática ao relatório no texto final. O que alguns países como a Arábia Saudita e os estão deixando claro é que farão o possível e o impossível para bloquear qualquer aumento nas ambições”, disse Artaxo a Direto da Ciência.

Durante o evento na Polônia, a Arábia Saudita, os Estados Unidos, a Rússia e o Kwait – quatro dos maiores produtores de petróleo do mundo – se aliaram contra as demais nações com o objetivo de amenizar a linguagem utilizada para se referir ao documento do IPCC. O texto final manteve a terminologia defendida pela maioria dos países, mas, para Artaxo, o episódio mostrou que o Acordo de Paris corre riscos.

“Os Estados Unidos, sob liderança de Donald Trump, mostraram que estão trabalhando para boicotar o Acordo de Paris. Mesmo que não saiam do acordo, tentarão sabotá-lo. Eles estão respondendo aos interesses da indústria de combustíveis fósseis”, disse Artaxo.

Para Artaxo, a importância da aprovação do programa de trabalho é grande, mas não deve ser exagerada, porque esse “livro de regras” não servirá para nada se não houver mais ambiciosas para reduzir as emissões. O físico da USP acrescentou:

Definiu-se um conjunto de regras para reduzir minimamente as emissões – e a ciência já mostrou que com essas metas nós teremos um aquecimento de 2,7˚C a 3˚C, o que seria catastrófico. Sem mais ambição, não vamos a lugar algum – e a conferência falhou nesse aspecto. Países frontalmente contrários à redução de emissões mostraram que haverá pouca vontade para isso. No fundo, o resultado na Polônia foi muito ruim.

 

Falta de ambição

A necessidade de acelerar as reduções de emissões de forma mais ambiciosa também foi destacada pelo secretário-geral da ONU, António Guterres, durante a conferência, de acordo com o jornal britânico The Telegraph. Na quinta-feira (13), já na reta final das negociações, ele afirmou:

De agora em diante, minhas cinco prioridades serão: ambição, ambição, ambição, ambição e ambição. E a ambição deve guiar todos os estados-membro enquanto eles preparam seus planos de cortes de emissões para 2020, a fim de reverter a tendência atual, na qual as mudanças climáticas ainda estão avançando mais rápido que nós.

Ao The Guardian, Nicholas Stern, ex-diretor do Banco Mundial e autor de estudos sobre mudanças climáticas, também se mostrou frustrado com os resultados obtidos na Polônia.

Está claro que o progresso que estamos fazendo é inadequado, diante da escala e da urgência dos riscos que enfrentamos. Os últimos estudos mostram que as emissões de dióxido de ainda estão aumentando. Está nas nossas mãos um caminho muito mais atraente, limpo e eficiente para o desenvolvimento econômico e para a redução da pobreza.

Jennifer Morgan, diretora do Greenpeace International, manifestou indignação com o texto final obtido na COP-24, que segundo ela não enfatizou o bastante o relatório SR15. “Essa falta de resposta ao relatório do IPCC é chocante. Não é possível fazer uma reunião depois disso e dizer que não se pode fazer mais”, declarou ela ao jornal francês Le Monde.

“É mais que decepcionante. Nós não podemos ignorar as recomendações [do relatório do IPCC]. É uma questão de justiça e de sobrevivência”, disse ao Le Monde o delegado etíope Gebru Jember Endalew, que preside o grupo de 47 países menos desenvolvidos do mundo que, ao lado dos estados insulares – ameaçados de serem varridos do mapa pela elevação do nível do mar ligada às mudanças climáticas –, tentaram formar uma coalizão para o aumento das ambições.

“A amplitude das negociações sobre as regras de aplicação do Acordo de Paris não mascara a falta de vontade política dos Estados Unidos para aumentar os esforços para redução das emissões”, disse também ao Le Monde a diretora do programa de clima do Instituto de e Relações Internacionais, Lola Vallejo.

 

Liderança em falta

A ciência forneceu insumos suficientes para estimular os países a assumirem metas muito mais ambiciosas, na visão de Carlos Rittl, secretário executivo do  – uma rede de 35 ONGs ligadas à questão das mudanças climáticas no .

“O mandato que deveria ter sido sinalizado em Katowice foi respeitado, já que o ‘livro de regras' foi entregue. Mas o relatório do IPCC havia sido encomendado para subsidiar a discussão na COP-24 e isso poderia ter levado a um resultado muito melhor. Esse relatório e outros diálogos que foram feitos previamente deveriam no mínimo ter induzido os países individualmente a dar passos para demonstrar mais ambição. Mas faltou vontade política”, disse Rittl a Direto da Ciência.

Rittl afirmou que o relatório do IPCC forneceu todas as informações que indicam os caminhos e a velocidade necessária para as ações que permitirão cumprir o Acordo de Paris e ir além dele, a fim de mitigar consequências mais graves do aquecimento global. E acrescentou:

A informação foi dada e o relatório também mostrou que é possível tomar as ações na velocidade necessária. Mas quem tem o poder de dar os passos iniciais para acelerar esse processo são os governos nacionais. E essa liderança climática está em falta. Quem adotou metas mais ambiciosas até agora são alguns dos países mais pobres e vulneráveis – e não os grandes emissores de gases de efeito estufa.

ANOTE AÍ

Foto: cena capturada de vídeo do Programa das Nações Unidas do sobre o Emissions Gap Report. Imagem: Reprodução.

Fonte: Direto da Ciência

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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