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29 de janeiro

Corpos que estão aqui. E resistirão!

Corpos que estão aqui. E resistirão!

29 de janeiro de 2019 é data de planejar um contra-ataque ao fascismo. Sem armas, sem ódio. Uma contraofensiva popular, com marchas nas ruas e alto-falantes

“Ela respeita a força, e deixa-se influenciar apenas moderadamente pela bondade, que para ela é uma espécie de fraqueza. Quer ser dominada e oprimida, que r temer os seus senhores. No fundo inteiramente conservadora, tem profunda aversão a todos os progressos e inovações […].” Com essas palavras, Sigmund Freud (1856-1939), no seu Psicologia das massas e análise do eu, publicado em 1921, observa como as pessoas quando se reúnem, podem perder a razão e agir puramente pelos instintos, inclusive agredindo raivosamente grupos minoritários. Nessa perspectiva, pensar o 29 de janeiro – Dia Nacional da Visibilidade Trans – exige reflexões que nos levem a resistir em tempos de pensamento autoritário.

O fenômeno da psicologia das massas ocorre desde que o ser humano se percebeu como animal gregário, primeiro vivendo em hordas primitivas, para daí, se organizar sociopoliticamente sob a égide da polis. Todavia, no caso da polis brasileira, em todos os momentos históricos que a organização política se posiciona a partir de pautas progressistas, ocorre a sua retirada – seja pela força das armas, seja por malabarismos jurídicos, parlamentares e midiáticos – e a instauração de governos reacionários, comprometidos em retornar o País à condição de lacaio das vicissitudes internacionais. Foi assim com Getúlio. Foi assim com Juscelino. Foi assim com Jango. Alicerçada sobre os poderes de setores da classe média, que agem como seus capatazes, as elites não toleram minorias sociais, praticando sofisticados meios de para retomar aquilo que, minimamente, tiveram que dividir.

Em nossa observação, percebemos que para alguns, é insuportável a ideia de pessoas trans e travestis serem chamadas pelo nome com o qual se reconhecem. Esse direito, assegurado pela Portaria 1.820/2009 – no governo Lula – passou a valer quando da chamada para atendimento no Sistema Único de Saúde (SUS), entretanto, abriu espaço para que outros decretos e portarias fossem criados, fazendo valer esse e outros direitos de travestis e transexuais, como, por exemplo, a chamada pelo nome com que se identificam nas escolas, em postos de trabalho e em todos os espaços de convivência social. Mas, como admitir a existência de uma população que nem mesmo é pesquisada no censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)? Como admitir embarcar em um avião ao lado de uma pessoa trans, ou ter o filho na escola, estudando com uma colega travesti? Para as elites escravocratas, isso tinha que parar. E elas habilmente manobraram para que isso ocorresse o mais rápido possível.

A partir de 2013, com as Jornadas de Junho, vieram as primeiras doses de irracionalidade das massas fascistas na forma de frases prontas, regadas com agressividade e transfobia. Os passos seguintes todos conhecemos: a reeleição da presidenta sob forte reação conservadora, o golpe mascarado de impeachment em 2016, a prisão política do e a eleição de um governo fascista, que já anunciou, a partir do escárnio da ministra dos , Damares Alves, como vai tratar a diversidade de gênero e sexualidade no interior da sociedade brasileira: “é uma nova era no : menino veste azul e menina veste rosa.” [sic]

Nenhuma novidade até aqui, senão pela persistência de certos corpos. Corpos de quem luta diariamente contra a opressão, sobretudo, sexual e de gênero, da vida cotidiana. Sim, a ascensão do discurso fascista não se fez marcante apenas no plano político, mas, sobretudo, na vida íntima das pessoas. Na verdade, a preocupação com a sexualidade alheia é uma das características peculiares do fascismo e ela ganhou forma na transfobia e em todas as práticas violentas típicas desse campo político. Nesses termos, os corpos de travestis e transexuais são massacrados, a partir da violência institucionalizada em um Estado agressor e tirânico, que encara suas vidas como afronta à ordem pública. O resultado não seria diferente: o Brasil é o país em que mais se mata a população trans e travesti. Essa estatística infelizmente deverá aumentar, haja vista os seguidores do presidente fascista, antes da sua vitória, terem praticado assassinatos, se sentindo legitimados por seu então candidato. Priscilas, Laysas e Kharolines perderam suas vidas, ao som de gritos como “Bolsonaro presidente” e “com Bolsonaro presidente, a caça aos ‘veados' vai ser legalizada”.

Porém, a massa de corpos estranhos à nossa pseudo civilização já prometeu resistir. E devem seguir nesse rumo, caso pretendam se manter com a garantia de direitos básicos à sobrevivência. Não será a eleição de um presidente autoritário que vai varrer nossos sonhos. Por mais duro que tenha sido esse golpe, mais um, nossos corpos seguem resistindo. Enquanto isso, a outra massa, aquela que escolheu um presidente azêmola, começará a sentir o gosto da desilusão. Com efeito, o desgaste daquele que conquistou mais de 50 milhões de votos sem nenhuma proposta concreta para o combate às desigualdades sociais e à recessão, em um país com mais de 14 milhões de desempregados, será inevitável. Nesse cenário, resistir não será um ato isolado, que traduziria apenas a luta contra o fascismo. Resistir agora é missão de vida, frente a um modelo com chances reais de fracasso.

29 de janeiro de 2019, é, portanto, data de planejar um contra-ataque ao fascismo. Sem armas, sem ódio. Uma contraofensiva popular, com marchas nas ruas e alto-falantes, que, aos brados, trazem uma mensagem bastante clara: nossos corpos estão aqui. E resistirão!

ANOTE AÍ

Armando Januário dos Santos é Sexólogo, Psicanalista em formação, Professor de Língua Inglesa, e Graduando em Psicologia.

Fonte: Carta Maior

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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